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terça-feira, 31 de outubro de 2017

Ética no esporte: uma poderosa ferramenta de formação de caráter



Talvez você já tenha ouvido a expressão “o esporte forma caráter”. Porém, já parou para se perguntar de onde ela vem? Por que alguém ligaria o esporte ao caráter, a moral, a uma postura ética, em primeira instância? Para chegar a esse entendimento, o ideal é começar definindo as razões para a ética e para o esporte. A ética tem como sentido a condução da vida e tem seu propósito maior na conquista da felicidade. Já o esporte tem seu sentido na saúde e bem estar, e para o seu propósito a formação do sujeito ético.

O esportista busca a felicidade através da vitória, acima de tudo - o que já é o fim ético por si só. Porém, ele ainda é uma pessoa que tem seu meio de vida dentro de regras de conduta, trabalho em equipe, respeito aos adversários e torcida, ou seja, um comportamento que o leva à vitória de forma justa e coerente com as regras que escolheu seguir. Essas são as características de um sujeito ético, em quem o esporte acaba por potencializar a busca pela felicidade intrínseca ao indivíduo.

Olhando dessa forma, ética e esporte são extremamente ligados. O esporte é realmente um potente construtor do caminho ético. De acordo com os primeiros filósofos gregos, o ser humano nasce vicioso, com uma conduta baseada no erro, e a partir disso, os pais, mestres, professores, ou treinadores, nesse caso, têm o dever de identificar e corrigir esses erros de conduta. Temos no esporte um meio prático, coerente e potencializador desse aprendizado. Através da prática esportiva, o professor incute a boa conduta no indivíduo vicioso, tornando essa atividade extremamente importante na formação, sobretudo nos primeiros anos de vida.

Um indivíduo vicioso está sujeito a muito mais infelicidade em sua própria vida, o que o leva a lidar mal com o próximo e levar muito mais infelicidade para os que estão ao seu redor. O vício é o erro, a má conduta. Para nós, brasileiros, ou mesmo para os sul americanos, pode-se traduzir na forma da “malandragem” ou o tal do “Jeitinho Brasileiro”, por exemplo, que é uma má astúcia muitas vezes celebrada nos países da américa do sul (“la mano de Diós”, ou melhor: de Maradona), quando na verdade não passa de uma postura egoísta e sem méritos.

Isso, portanto, não é um defeito exclusivamente brasileiro. Os gregos, inclusive, já demonstravam isso em seus mitos, o que tem uma importante repercussão ao longo da história, como foi observado por Joseph Campbell em sua teoria da Jornada do Herói, um ciclo de atividades que representa ciclos comuns à vida de qualquer pessoa, e que eram alegoricamente narrados como histórias na antiguidade.

Para Campbell, a jornada de vida de todo ser humano repete alguns passos que são iguais, em vários pontos, para todo mundo, e eles sempre estão ligados ao enfrentamento e superação de um obstáculo, que quase sempre é interno e tem a ver com um vício moral. Na vida cotidiana, o esportista pode buscar um grande contrato, jogar uma competição mundial. Para os gregos, esse exemplo universal era bem definido e representado na Odisseia e nos Doze Trabalhos de Hércules. Essas são histórias famosas, nas quais os heróis, Odisseu em uma e Hércules em outra, passam por provações até superar seus vícios e só assim se qualificarem para alcançar a felicidade.

Dentro do campo (ou da quadra, da piscina, tatame, e etc...), o desafio não se limita a superar o(s) adversário(s), mas implica com igual importância a luta contra a conduta que só pensa em si mesma, que abandona o outro e só busca o lucro pessoal, seja ele financeiro ou desportivo: a vitória “de qualquer jeito”, através de atalhos ou trapaças. É o que acontece quando um atleta se aproveita de um erro de arbitragem, simula uma falta, induzindo a arbitragem em erro, ou se beneficia de qualquer infração das regras da modalidade desportiva. A conduta ética ideal é a da autocorreção, mesmo que haja um prejuízo desportivo imediato na disputa. Por exemplo, um jogador pode “cavar” um pênalti inexistente, e com essa marcação incorrera, ser beneficiado, potencialmente ganhando vantagem decisiva em um jogo difícil; ou prezar pela conduta ética correta e buscar a vitória sem esse artificio, assumindo o risco da derrota.

Talvez ele perca o jogo? Sim, mas a conduta vem em primeiro lugar. A intensão é o que conta dentro do campo. Isso tem um peso de responsabilidade e pressão dentro do jogo, tanto de adversário quanto de companheiros, e para o esportista tomar a atitude mais nobre é muitas vezes um dilema difícil de ser vencido. A condição se estende para fora do campo, quando o prejuízo afeta as torcidas, que quase sempre questionarão o jogador por ter escolhido ser ético e ter “perdido a chance de ganhar”, mesmo que se saiba que seria uma vitória injusta.

Muitas vezes, sobretudo em esportes populares, o inconsciente coletivo da sociedade, por vários segmentos, demandarão do esportista a conduta menos nobre, a da trapaça. Afirma-se que isso “faz parte do jogo”, quando na verdade a atitude diz muito mais sobre a condição ética daquela sociedade. Evidencia-se que a cultura abraça o erro, a corrupção, o crime, que é conivente com valores errados, sobretudo quando os traz vantagens, mesmo que em situações mais simples.

O peso do dilema ético é uma dificuldade do esportista, tanto quanto treinar seu corpo. Treinar sua mente e conduta é igualmente desafiador, pois só assim ele se desvincula de valores errados, perpetuados em uma sociedade falha, e busca através de seu modelo, incentivar uma conduta superior no jovem: sejam aqueles que vêm o atleta como exemplo e querem praticar a mesma modalidade desportiva, sejam aqueles que torcem pelo êxito do atleta. O caso é que atualmente a própria sociedade tem buscado uma proximidade maior com a conduta nobre dentro do esporte, e cada vez mais se cobra dos esportistas que se siga esse modelo positivo. É uma mostra da mudança social que vai de fora do esporte para ele, e vice-versa.

A emoção e a legitimidade do esporte, que fomenta a potência de praticar e torcer, está ligada à imprevisibilidade do resultado desportivo, que só é total e real quando as condutas são éticas, quando há igualdade de oportunidades agindo para que chances sejam igualmente adequadas em ambos os lados de uma competição. Assim, o esportista realmente melhor preparado é quem tem chances de vitória, mesmo com o acaso agindo como intensificador da emoção de se acompanhar o esporte. A espontaneidade não surge de um cenário onde há o vício agindo para trapacear. A verdadeira vitória está em justamente se superar os obstáculos competitivos dentro das regras da modalidade desportiva. O vencedor só é realmente vencedor se ele enfrenta de igual para igual seu adversário. O lucro maior está aí.

Uma questão relevante que se coloca nesse prisma é: qual a cultura ética a sociedade quer praticar, o que determina como introduzir a conduta ética aos jovens e, pois, usar o esporte, essa potente ferramenta, para desenvolver a conduta ética das novas gerações.

Queremos gerações mais éticas ou a competição pelo resultado independentemente do meio usado?






Samuel Sabino - fundador da consultoria Éticas Consultoria, filósofo, mestre em bioética e professor. 


Roberto Armelin - advogado, um dos fundadores do IBDEE, ex-diretor jurídico do São Paulo FC, presidente da Comissão de Direito Desportivo do IASP, professor de Direito Processual Civil e Processo Desportivo da PUC/SP, mestre e doutorando.


Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial:: http://www.ibdee.org.br  







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