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As células CAR-T (à esquerda) são linfócitos T modificados em laboratório para reconhecer e destruir as células do câncer imagem: CTC-USP/divulgação |
Cientistas do Instituto Curie e
da USP farão estudo clínico para avaliar segurança e eficácia de uma nova
imunoterapia à base de células CAR-T em pacientes com linfoma óculo-cerebral;
projeto foi apresentado durante a FAPESP Week, em Toulouse
Elton
Alisson, de Toulouse | Agência FAPESP –
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (FMRP-USP) e do Instituto Curie, da Universidade de Ciências e Letras de
Paris (PSL, na sigla em francês), vão realizar um estudo clínico para avaliar a
segurança e a eficácia de uma nova imunoterapia à base de células CAR-T em
pacientes com linfoma óculo-cerebral.
O projeto prevê a transferência
de tecnologia entre as instituições para a produção de versões dessas células
de defesa (os linfócitos T) que têm sido geneticamente transformadas pelos
pesquisadores franceses para o tratamento desse tipo raro de câncer que se
desenvolve no sistema nervoso central, afetando o cérebro e os olhos.
O escopo do projeto foi
apresentado durante a FAPESP Week França, que aconteceu entre os dias 10 e
12 de junho em Tolouse, capital da região da Occitânia, no sul do país.
“A ideia é que os pesquisadores
franceses tragam para o Brasil essas versões aprimoradas de células CAR-T e que
nós possamos ajudá-los nas fases finais do desenvolvimento e na realização do
estudo clínico. Concluído esse processo, pretendemos estabelecer um acordo que
permita a transferência de tecnologia para podermos licenciá-la para o SUS
[Sistema Único de Saúde]", disse à Agência FAPESP Diego
Clé, professor da FMRP-USP e coordenador do projeto do lado brasileiro.
Por meio de projetos apoiados
pela FAPESP (13/08135-2 e 14/50947-7), os pesquisadores da FMRP-USP, em parceria com
o Instituto Butantan, começaram a partir de 2019 a desenvolver no Brasil essa
terapia celular avançada. Iniciada em 2017 nos Estados Unidos, a estratégia é
baseada na modificação genética de linfócitos T extraídos dos próprios
pacientes e manipulados em laboratório para identificar e eliminar células
tumorais.
A iniciativa resultou em 2022
na criação, em Ribeirão Preto, do Nutera – a primeira fábrica de produtos celulares da
América Latina, voltada a produzir terapia celular CAR-T, contou Clé.
“Os investimentos em pesquisa
básica feitos por agências de fomento, como a FAPESP, permitiram desenvolver a
terapia celular no Brasil, fazer a translação de um produto de bancada para a
prática clínica e escalonar a produção com a fábrica”, disse o pesquisador.
“Fazemos um produto com células
CAR-T nacional com custo equivalente a um terço dos produtos comerciais
disponíveis no Brasil hoje, cujos preços variam de R$ 2,5 milhões a R$ 3
milhões. E uma das vantagens de fazer um produto nacional é a possibilidade de
incorporá-lo ao SUS”, sublinhou.
Inicialmente, as células CAR-T
produzidas no Nutera são voltadas ao tratamento de leucemia linfoide aguda de
células B e linfoma não Hodgkin de células B. Em comum, as células desses dois
tipos de cânceres possuem uma proteína-alvo, chamada CD19.
A plataforma tecnológica e a
estrutura do Nutera, contudo, permitem o desenvolvimento de células CAR-T
voltadas a combater outros tipos de cânceres.
“É por isso que é importante a
colaboração. Se tem um pesquisador na França, por exemplo, que desenvolveu uma
CAR-T para outros alvos, como essa para um linfoma do sistema nervoso central,
podemos testar”, afirmou.
“Iremos usar essa CAR-T que
eles desenvolveram lá para fazer a translação, caminhando em direção à parte
pré-clínica e, depois, para os estudos clínicos.”
Os pesquisadores também estão
planejando empregar a plataforma tecnológica que desenvolveram a fim de
produzir células CAR-T para combater câncer do sistema nervoso central e para o
tratamento de doenças autoimunes, como a nefrite lúpica – condição que ocorre
quando o lúpus eritematoso sistêmico atinge os rins, causando inflamação e
danos. “Esperamos iniciar o ensaio clínico no próximo ano”, antecipou Clé.
Pioneirismo
na tecnologia
A França foi um dos países que
contribuíram para o surgimento da terapia CAR-T por meio de cientistas como o
imunologista Michel Sadelain, com quem o grupo de pesquisadores da PSL
parceiros dos brasileiros colabora. Em 1992, o cientista começou a usar
ferramentas de engenharia genética, chamadas de vetores retrovirais, para
introduzir genes em células T. O objetivo era modificá-las para que atacassem
tumores específicos.
O país também é um dos que mais
tratam pacientes por meio dessa imunoterapia na Europa. “Há mais de 5 mil
pacientes tratados com CAR-T na França, contra pouco menos de 100 no Brasil”,
comparou Clé.
O país europeu, contudo, ainda
não conta com uma versão nacional de um produto desenvolvido por instituições
de pesquisa locais, como no caso do Brasil, e utiliza as opções comercializadas
por indústrias farmacêuticas globais. Uma realidade que grupos de pesquisadores,
como o coordenado pela hematologista Marion Alcantara, no Instituto Curie,
pretendem mudar por meio de parcerias como a que estabeleceram com a USP.
“Queremos testar em pacientes
as células CAR-T reprogramadas epigeneticamente que temos desenvolvido, mas
ainda há uma série de etapas que precisaremos superar para isso”, ponderou
Alcantara.
A meta dos pesquisadores
franceses no estudo que realizarão em parceria com os brasileiros é recrutar 30
pacientes diagnosticados com linfoma óculo-cerebral. Um dos objetivos do estudo
é avaliar a eficácia clínica da dose de células CAR-T que serão injetadas.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pesquisadores-do-brasil-e-da-franca-vao-testar-nova-terapia-celular-contra-tipo-de-cancer/55051