Com os muitos anos de vivência no setor
eletroeletrônico temos constatado a carência de mão de obra capacitada nos
processos de seleção e contratação. Em nossos contatos e entrevistas para
oportunidades profissionais, não reconhecemos perfis que se alinham a nossa
demanda. Portanto, fica claro que há uma lacuna principalmente na formação
técnica ou profissionalizante para o segmento eletroeletrônico.
Diante de milhares de lamentos e reclamações
diárias na internet de um grupo específico, juvenil ou denominado como da
‘Geração Z’ em relação à falta de empregos, chega-se a estranhar este lamento,
de “falta de oportunidades’. A realidade é que não se encontram com facilidade
profissionais com o mínimo de base necessária. O problema central dos
trabalhadores que estão iniciando no mercado de trabalho verdadeiramente é em
maior medida o descomprometimento com dia a dia da operação de uma indústria,
lidar com a hierarquia, procedimentos e ter a humildade para querer aprender
parecem requisitos básicos de quem está iniciando um processo de aprendizagem,
entretanto, há uma ausência desta consciência com posturas completamente
inadequadas.
Atualmente, nossa empresa tem realizado um esforço
enorme para encaminhar recém contratados e jovens para cursos técnicos,
literalmente complementando sua formação acadêmica e não só com treinamentos
específicos, mas investindo em cursos de profissionalização na operação de
máquinas e equipamentos, e por vezes em legislação e normas de segurança do
trabalho. Há sempre questionamentos e dúvidas se estão efetivamente preparados
para as necessidades reais do empregador do setor elétrico.
O que é notório é que se as empresas não fizerem
investimentos regulares nos contratados, na capacitação deles para desempenhar
suas funções de forma satisfatória, quase sempre os resultados para os
contratantes não serão positivos. Além disso, diversos funcionários mesmo em
início de carreira já chegam com vícios graves em sua formação, muitas vezes
com visões distorcidas a partir de culturas organizacionais bem diferentes
daquelas de outras empresas do mercado que são a maioria.
Uma dificuldade comum é o tempo gasto para agregar
valor no trabalho, tanto para o jovem quanto para empresa. Muitas vezes
precisamos contratar o profissional inacabado, e fica evidente a grande
carência de conhecimentos e capacidade, e a também a presença de deficiências
entre esses novos profissionais.
Nas diversas categorias ocupacionais o perfil do
chamado operário de ‘chão de fábrica’ onde o problema é mais frequente. O entrave
da educação básica aqui também é notório. Há pessoas que nunca tiveram um plano
de saúde, nem sabem como são seus respectivos benefícios e as normas
contratuais e neste perfil de trabalhador durante o processo seletivo, por
absurdo que pareça, descobrimos que estamos concorrendo com benefícios.
Por outro lado, dentro da fábrica eles não entendem
como um protetor auricular é importante para sua audição e saúde geral. Não
compreendem que a falta do equipamento pode prejudicá-lo ao longo da sua vida,
além de contrariar a legislação da segurança do trabalho. Há alguns que não
conseguem enxergar a importância do uso de uma bota de proteção contra
acidentes.
Vários deles não entendem que o uniforme tem que
estar em dia e que ele reflete na sua aparência e marca pessoal. Portanto,
muitos não percebem os conceitos essenciais para sua formação como ser humano,
que abarcam sua instrução, organização, dress code, ou seja, a vestimenta do
dia a dia, além de outros aspectos cotidianos.
Por essa razão, quase sempre nossa empresa precisa
ajudar a formar a pessoa para depois formar o profissional. O que presenciamos
no cotidiano é um esforço muito grande para treinar além do escopo
profissional, ou seja, na prática edificar um cidadão mais completo.
Lamentavelmente, cursos técnicos,
profissionalizantes, de aperfeiçoamento ou de capacitação, além da própria
formação dentro de casa, têm gerado um grupo de cidadãos muito limitados. Isso
em geral nem é culpa da própria pessoa, mas na verdade do nosso conjunto de alternativas
para formação e qualificação. Há vários indivíduos que não possuem a
consciência da importância dele e do que ele faz.
Precisamos, portanto, pensar melhor sobre a
necessidade da educação básica para a indústria e na formação do indivíduo e do
profissional.
Outro ponto, é a necessidade de refletir também
como fazer com responsabilidade, por exemplo, a transformação de um trabalhador
rural para torná-lo um eletricista de rede de distribuição. É altamente
arriscado treinar um eletricista em apenas três meses para trabalhar numa rede
elétrica. Isso tem de ser muito bem analisado. Vivenciamos recentemente
inúmeros problemas elétricos, qualquer chuva, intensa ou não tem causado
transtornos e prejuízos significativos. São os produtos que são ruins? Não, são
mal instalados, porque a qualidade da mão de obra é insuficiente e os produtos
não são corretamente aplicados.
Um outro aspecto é que, em empresas com perfis de
pequeno e médio porte, é preciso também que o colaborador seja um generalista
na função e muitos jovens têm dificuldades em exercer o trabalho com esse
posicionamento. Também porque não estão habituados a usar tudo aquilo que,
teoricamente, aprenderam. A questão é que boa parte dos jovens profissionais
iniciantes entende que tem de ser sempre específicos e por essa razão este
trabalhador iniciante apresenta muitas dificuldades em exercer tarefas mais
diversificadas. O fato é que profissional que se destaca é aquele que consegue
agregar várias habilidades.
Uma contradição é que a educação profissional
focada na indústria tem se destacado em todo o mundo, principalmente com o avanço
tecnológico acelerado e a demanda crescente por competências específicas no
mercado de trabalho. Como consequência, é preciso pensar na formação,
treinamento e educação como um todo.
Segundo a Unesco, aproximadamente 10% dos
estudantes do ensino secundário no mundo estão matriculados em cursos técnicos
e profissionais. Em países como Alemanha, esse número é muito mais alto,
chegando a 50%, refletindo a forte parceria entre instituições educacionais e
indústrias.
Até o ano que vem, a Confederação Nacional da
Indústria (CNI), prevê que, o Brasil vai precisar de aproximadamente 9,6
milhões de profissionais com capacitação específica em áreas tecnológicas e de
engenharia. No entanto, apenas cerca de 8% dos estudantes do ensino médio estão
matriculados em cursos técnicos e profissionalizantes, ou seja, muito abaixo de
países desenvolvidos.
O Sistema S (Senai, Senac, entre outros) tem papel
fundamental na oferta de cursos técnicos, profissionalizantes ou de capacitação
para preparar mão-de-obra para setores específicos do comércio, indústria e
serviços, mas ele não alcança a educação dentro de casa, também chamada de
educação parental (parenting). É ela que trata da criação
dos filhos, com todas as práticas, cuidados e orientações que os pais e mães
deveriam fornecer para o desenvolvimento e bem-estar de suas crianças.
Talvez seja preciso que os sistemas de apoio
profissional (sistema S), as empresas ou ONGs educativas reflitam com mais
atenção nesse ‘público anterior’ que está dentro de casa, recorrendo a
educadores especializados em ‘andragogia’, que é a metodologia de educação para
adultos, e é desenvolvida a partir do compartilhamento de experiências entre
aluno e professor.
Este deveria ser a discussão séria a ser tratada na
esfera que engloba todos os atores que tratam da educação básica e do
trabalhador e não uma discussão que já se inicia com uma mentira que que é a
dita “jornada 6x1” afinal 44 horas semanais, são 5 dias e meio de trabalho por
um e meio de descanso.
Marcelo Mendes - gerente geral da KRJ Conexões ( https://krj.com.br/ ). É economista e executivo de marketing e vendas do setor eletroeletrônico há mais de 15 anos, com atuação inclusive em vários mercados internacionais.