Apesar da frequente necessidade de alterações e adaptações às
transformações da sociedade, os preceitos do Código de Direito do Consumidor
(“CDC”), após 26 anos de sua entrada em vigor, estão bem sedimentados.
A busca pelo maior equilíbrio nas relações consumeristas é tema
frequente de estudo e discussão. Entretanto, deve-se se ter cuidado para que as
conquistas trazidas pelo CDC ao longo dos anos não sejam distorcidas, ensejando
a concessão – muitas vezes, infelizmente, com a chancela do Poder Judiciário -
de vantagens indevidas em favor dos consumidores.
Dentre os preceitos mais conhecidos do CDC, destaca-se o da
responsabilidade objetiva do fornecedor (artigo 12 do CDC), em que se determina
que o fornecedor responde por eventuais defeitos em seus produtos ou serviços,
independente de culpa.
Ocorre que, a interpretação a respeito da responsabilidade
objetiva do fornecedor, em muitas ocasiões, não é devidamente utilizada,
gerando um enorme número de demandas judiciais e reclamações perante os órgãos
de defesa do consumidor.
Com efeito, não obstante o apontamento no artigo 12, § 3º do CDC
das excludentes de responsabilidade do fornecedor, torna-se cada vez mais comum
a tentativa de transformar a mencionada responsabilidade objetiva em absoluta,
buscando-se a responsabilidade do fornecedor em razão de qualquer fato
relacionado ao produto ou serviço oferecidos no mercado de consumo, mesmo que
não se verifique qualquer defeito intrínseco ao produto ou serviço.
Podemos citar, como exemplo, ações envolvendo montadoras de
automóveis, demandadas em razão de alegações de defeitos em airbags, cintos de
segurança ou freios de seus veículos.
Em muitos casos, apesar das orientações existentes no manual do
veículo, das informações sobre as hipóteses em que o airbag deveria ser
acionado, do imprescindível uso a todo momento do cinto de segurança ou da
necessidade de revisão dos veículos em locais autorizados, as montadoras são
demandadas em razão de acidentes que em nada se relacionam com a qualidade de
seus produtos, mas em muitos casos, apenas com a imprudência de seus
consumidores na condução dos veículos.
Outro exemplo facilmente encontrado em demandas judiciais
indevidas é a busca pela responsabilização do fornecedor de produtos médicos.
Mesmo não tendo o consumidor seguido as orientações médicas necessárias para o
devido funcionamento adequado do produto, busca-se a responsabilidade do
fornecedor.
Citamos também os conhecidos casos de alegação de extravasamento
de próteses de silicone. De fato, é comum a verificação de realização de exames
na região do implante ou sofrimento de traumas pelos consumidores que
ocasionaram os alegados extravasamentos, não havendo qualquer relação de tais
fatos com a qualidade do produto.
Vale destacar, inclusive, o surgimento de demandas em razão da
divulgação de realização de campanha de recall
de determinado produto. Conforme já é de conhecimento geral, a
campanha de recall tem
caráter preventivo, a fim de se verificar a necessidade de eventuais ajustes
nos produtos, não sendo qualquer reconhecimento pelos fornecedores da
existência inequívoca de defeito, conforme, inclusive, já sedimentado no âmbito
da jurisprudência pátria.
Não obstante, são inúmeras as ações ajuizadas buscando-se a
responsabilização de fornecedores em razão da notícia do recall de determinado
produto, mesmo que o eventual acidente ocorrido não se relacione com o objeto
do recall. Não
raros também são os casos em que não se verificou qualquer acidente ou
prejuízo, mas se busca a reparação por danos morais em razão da campanha de recall, alegando-se
suposto sentimento de insegurança.
Tais situações do cotidiano apenas exemplificam a utilização
abusiva da chamada responsabilidade objetiva dos fornecedores de produtos ou
serviços.
Fato é que, para verificação da mencionada responsabilidade
objetiva, se deve levar em conta diversos fatores, inclusive aqueles
relacionados à conduta dos consumidores em face da utilização dos produtos e
serviços, ponderando, ainda, a razoável extensão da hipossuficiência dos
consumidores, que igualmente não deve ser aplicada de forma indistinta e
presumida.
Portanto, a correta e proporcional utilização dos institutos do
CDC terá o condão de fortalecer e ampliar a proteção deste microssistema
consumerista pelo Estado, preservando as garantias já adquiridas ao longo
destes anos de vigência da legislação.
André Muszkat - advogado, mestrando em Direito Processual
Civil na PUC-SP. É especialista em Direito do Consumidor pela PUC-SP e em
Contratos Empresariais pela FGV-GV Law. Sócio do CSMV Advogados
responsável pela área Contenciosa Cível, atuante em questões de
Responsabilidade Civil, Direito do Consumidor, Recuperação de Crédito e
Contencioso Societário.
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