“O que perturba o ser humano
não são os fatos, mas a interpretação que ele faz destes”.
Epicteto, século I d.C.
“Nossa serenidade não depende
das situações, mas de nossa reação diante delas. Portanto, ao intervirmos no
aqui e no agora, torna-se possível provocar mudanças em nosso futuro”.
Buda, 563 a.C.
Anteriormente, nos excertos, temos a representação
de ideias que determinam a percepção como criadora de emoções e comportamentos,
e não, propriamente, os eventos em si. Para tornar mais claro temos, a seguir,
um exemplo atual:
Certo dia, Maria e Júlia se deparam com a notícia
que deverão permanecer de quarentena por, pelo menos, 30 dias. Ambas possuem
seus negócios como meio de sobrevivência, entretanto, não se conhecem. A
primeira tem uma cafeteria no centro de São Paulo e a segunda, uma cafeteria no
centro de Copacabana.
A quarentena é obrigatória e, por isso, ambas não
podem abrir os seus estabelecimentos. Com a notícia, Maria sente-se angustiada
e passam-se milhares de pensamentos em sua cabeça; alguns deles são: “E agora?
Eu não tenho reserva financeira para ficar um mês sem trabalhar...”; “Sem
vendas, não terei dinheiro para pagar o aluguel...”; “Como vou pagar os
funcionários?...”; “O dinheiro sempre foi tão certinho, mas sem vendas fica
insustentável”.
Maria passou a ter esses pensamentos de maneira
repetitiva, passou a dormir menos horas, a ficar na cama por longos períodos do
dia, já que estava se sentindo de mãos atadas e sem as atividades rotineiras
que davam sentido à sua vida; além disso, começou a sentir a respiração mais
curta de forma frequente. Toda vez que o telefone tocava ela imaginava ser
alguma cobrança e o seu coração disparava; com isso, a sensação e a perda de
controle passaram a ser uma constante.
Júlia, por sua vez, também ficou apreensiva com as
notícias, preocupou-se com os funcionários, o aluguel e os filhos que dependiam
somente dos recursos dela, e entendeu que seria uma situação difícil, pois não
conseguira criar um caixa reserva; no entanto, entendeu que precisava tomar
decisões rápidas, pois não sabia por quanto tempo a situação se estenderia.
Júlia decide, então, ligar para o proprietário do
imóvel (cafeteria) e negociar o valor do aluguel ou o prazo; propôs uma reunião
on-line com os funcionários e expôs a situação
da empresa, solicitou ideias de como eles poderiam atuar e estratégias para
conter os prejuízos. Apesar de os filhos não terem idade para a tomada de
decisões importantes, entendeu que precisava conversar com eles e dizer que era
necessária uma redução de custos, e, por isso, algumas coisas que eles faziam
no mês não poderiam mais ser feitas, até que a cafeteria pudesse ser reaberta e
a situação restabelecida. Por fim, Júlia entendeu que não poderia sair de casa
e resolveu ocupar melhor o tempo com os filhos, já que, no dia a dia, esse
tempo era comprometido. Combinou com os funcionários que trabalhariam em novas
receitas para inserir na cafeteria e ter um diferencial quando a quarentena
acabasse; dessa forma, apesar das preocupações que ainda eram presentes, ela
conseguiu manter a serenidade e estabeleceu novas rotinas que pudessem amenizar
todo o desgaste mental e funcional daquele tempo, não só para ela, como para os
que faziam parte do seu cotidiano de maneira mais próxima.
Como o leitor pôde observar, o evento é, em si, o
mesmo para as duas mulheres, entretanto, a maneira como ambas percebem a
situação é diferente, gerando, em uma delas, um acréscimo de ansiedade, que,
por sua vez, bloqueou a sua capacidade de raciocínio e as ações mais efetivas;
e, na outra, a manutenção da capacidade de pensamento lógico, que a levou a
tomar decisões importantes e a se manter funcional.
Essa história nos mostra como a percepção de cada
indivíduo pode ser diferente, a partir de suas crenças, seus valores e suas
experiências; desta forma, a interpretação que damos a um fato influenciará na
forma como sentimos e como agimos, o que, por sua vez, gerará consequências
positivas ou negativas.
Um dos papéis da Terapia Cognitivo Comportamental,
que é uma abordagem da psicologia e trata ansiedade e outros transtornos
psicológicos, é trazer ao indivíduo novas maneiras de perceber os eventos
cotidianos e auxiliá-lo na descoberta dos recursos que estão disponíveis para a
tomada de decisões, que tragam resultados, geralmente, mais funcionais.
Nos estados ansiosos, por exemplo, as percepções
podem sofrer distorções, o que pode levar a riscos superestimados, tanto
internos quanto externos, e a uma versão subestimada dos próprios recursos e de
seu ambiente para lidar com estes riscos, como aconteceu com Maria. Desta
maneira, a Terapia Cognitivo Comportamental dispõe de técnicas que atuarão,
diretamente, nos pensamentos e nas crenças que, ao longo da vida, foram se
desenvolvendo. O cérebro da pessoa submetida às técnicas desta terapia sofrem
alterações que possibilitam maior ativação pré-frontal, onde se localiza a
capacidade de raciocínio e a tomada de decisão, a partir da melhor avaliação de
prioridades e da menor ativação do complexo amigdaloide (um dos complexos
envolvidos no transtorno de ansiedade), que, em excesso de ativação, provoca a
respiração ofegante e o aumento no batimento cardíaco, por exemplo. Portanto, o
tratamento é de fundamental importância e o quanto antes melhor, pois a
ansiedade pode se tornar crônica e os sintomas cada dia mais frequentes e
intensos.
Fernanda Machado -Psicóloga e neuropsicóloga
cognitivo comportamental
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