Desde o início do ano vivemos um momento de precauções
e complicações envolvendo a pandemia do novo coronavírus que, além das questões
de crise sanitária, envolve uma crise econômica e social. A América Latina hoje
é o novo epicentro da pandemia e apresenta situações epidemiológicas distintas
dentro do mesmo país, em capitais ou cidades do interior. Entre os mais
afetados nesse período estão os casais inférteis que buscavam algum tratamento
específico ou com auxílio de reprodução assistida, e que tiveram que cancelar
ou postergar esse sonho.
Somado a este problema, está o relacionado à idade
fértil da mulher, que acaba dificultando ainda mais e interferindo no resultado
do tratamento. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a
infertilidade afeta um a cada dez casais e compromete a qualidade de vida tanto
feminina quanto masculina. A infertilidade é definida quando um casal não
alcança a gravidez espontânea com tentativas pelo período de mínimo de um ano.
Após esse período, ou por diversos motivos, buscam tratamentos que permitam alcançar
esse objetivo.
Junho é considerado como mês mundial de
conscientização da infertilidade e os fatores responsáveis pelas diversas
causas do problema devem ser investigados para identificar situações tratáveis
e permitir gravidez espontânea. Mulheres e homens devem ser investigados
simultaneamente, pois em até 30% dos casos o fator masculino é isoladamente
determinante para a dificuldade de gestação.
O tratamento com fertilização in vitro envolve
fatores clínicos relacionados ao estímulo ovariano em que a mulher precisa ser
submetida, questões financeiras, psicológicas e sociais que podem interferir,
quando alterados, nos próprios resultados dos tratamentos. Diversos
estudos correlacionam a infertilidade com piora na qualidade de vida e os piores
níveis estão associados à diminuição da autoestima, do suporte social, da
satisfação sexual e do casamento. Não só o diagnóstico, mas o próprio processo
de tratamento pode trazer consequências emocionais, inclusive com risco de
aumento na incidência de ansiedade e depressão.
Somado a tudo isso, dados da literatura
disponíveis até o momento, mostram que o risco de desenvolvimento de
transtornos mentais deverá aumentar durante a pandemia do COVID-19. O medo da
doença, da morte e da eventual perda de um ente querido, a instabilidade
advinda da crise econômica e o isolamento também podem influenciar o
desencadeamento de depressão, ansiedade e outros sintomas.
Diante deste cenário, desde março, seguindo
tendência e recomendações de sociedades internacionais, a Sociedade Brasileira
de Reprodução Assistida (SBRA) e a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
(SBRH) orientaram a suspensão dos tratamentos e contou com o apoio e
regulamentação da ANVISA, em nota técnica emitida em abril. Ainda que alguns
trabalhos tenham evidenciado a presença do vírus no esperma e trato
genito-urinário, o risco de transmissão sexual pelo SARS-CoV-2 ainda é
desconhecido.
Até o momento, não houve relatos da presença do
vírus no trato reprodutivo feminino, nas secreções vaginais, no líquido
amniótico ou no líquido peritoneal, entretanto alguns raros casos de possível
transmissão vertical (de mãe para filho) foram descritos. Porém, nas mulheres
grávidas, surtos de doenças infecciosas representam alto risco para a mãe e
feto. As alterações mecânicas e fisiológicas na gravidez aumentam a
suscetibilidade a infecções e, com isso, o risco de problemas na gestação.
Aliado a tantas incertezas quanto à transmissão, suscetibilidade e risco de
evolução diferente em cada indivíduo, o adiamento dos tratamentos foi
necessário para a proteção dos pacientes e das equipes de trabalho.
Casos individuais devem ser discutidos com o
médico assistente do casal, uma vez que existem situações especiais em que
adiar o tratamento de infertilidade representaria prejuízo nas chances de
futuras gestações. Apesar de estarmos, a exemplo de outros países, retomando as
atividades de maneira progressiva, é bastante provável que ainda iremos
conviver com a presença e riscos desse novo vírus por um longo tempo.
Por isso, se fazem necessárias medidas de proteção
que possam minimizar o risco de contágio e que permitam que os tratamentos
possam retornar gradualmente e com segurança. Assim, mesmo em uma situação tão
preocupante como a atual pandemia, podemos e devemos continuar a atenção aos
outros problemas de saúde, como a infertilidade que é também importante
marcador de qualidade de vida e questão de saúde pública.
Leonardo Seligra Lopes - urologista, Diretor de
Comunicação da Sociedade Brasileira de Urologia – Secção São Paulo e
especialista em Medicina Sexual e Reprodutiva.
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