No último dia 31 de dezembro, quando fazíamos
nossas reflexões sobre o ano que se encerrava e os votos, desejos e planos para
o novo ano que estava prestes a começar, dificilmente alguém previu o cenário
que estamos vivendo agora. Com a pandemia de COVID-19, enfrentamos uma
situação de muitas mudanças, preocupações e incertezas coletivas. Esse contexto
mais amplo se manifesta dentro das casas e das famílias, que agora tendem a
conviver de maneira mais próxima do que nunca, diante da necessidade de
isolamento social.
Dessa forma, o caldeirão de sentimentos e emoções
em casa tende a estar especialmente efervescente. Em momentos como esse,
podemos evitar falar sobre situações difíceis, para poupar aqueles que estão
próximos. Mas por outro lado, o silêncio tende a aumentar preocupações e
fantasias, gerando tabus, bem como alimentar a sensação de isolamento. A ideia de se falar com os filhos sobre situações
cheias de dúvidas e incertezas frequentemente gera a questão: “O que dizer?”.
Mães e pais podem estar acostumados a fornecer respostas, e esse é um papel
importante da parentalidade. Mas, o diálogo não se resume a isso, e vou
explicar. A importância do diálogo está, na verdade, mais atrelada à possibilidade
do compartilhamento e da troca.
Tampouco acontece apenas por meio
da fala, mas também por meio de rituais, tradições, brincadeiras e outras
formas de estarmos verdadeiramente juntos. A comunicação significativa não
requer alguém que tenha todas as respostas, mas que esteja aberto e atento ao
outro. Se pensarmos em momentos marcantes em que nos sentimos em franca
comunicação com nossos familiares, talvez possa vir à mente uma refeição
compartilhada, uma brincadeira, uma tradição, uma música ou história que
ouvimos de alguém e que levamos para o resto da vida.
Foi pensando em
promover oportunidades para essas trocas significativas que a equipe da IS
desenvolveu uma proposta de utilização da cápsula do tempo: uma atividade
guiada para a família realizar em casa, com materiais simples e disponíveis,
onde o que conta é a presença de cada um. A proposta é a de construir, por meio
de atividades lúdicas, pequenas heranças do momento atual para a posteridade,
cultivando assim a memória e, ao mesmo tempo, a possibilidade de fazermos
juntos projeções para o futuro. Você pode acessá-lo por aqui.
Nesse momento, também a escola pode ter uma grande
importância, não apenas enquanto lugar de transmissão de conhecimento, mas
também enquanto lugar de encontros, socialização e suporte daqueles que estão
em seus processos de desenvolvimento: as crianças e os adolescentes.
Curiosamente, tenho ouvido relatos por parte de alunos, professores e pais a
respeito da sensação de sobrecarga diante da nova rotina escolar, surgindo a
pergunta: se todos estão se sentindo excessivamente cobrados, quem é que está
cobrando demais?
Talvez, esse excesso que todos parecem estar
sentindo se trate, em parte, de uma série de “penduricalhos” que se acrescentam
às tarefas escolares propriamente ditas. Desde a dificuldade para lidar com
tecnologias que não nos eram tão familiares assim, até a necessidade de adaptar
uma rotina já conhecida a um novo contexto. A falta do contato presencial, a
incerteza quanto a um futuro que se tornou mais nebuloso, entre tantos outros
fatores estressantes que estão em jogo, e dos quais às vezes não nos damos
conta.
É importante termos clareza de que, esperar de nós
mesmos e dos outros o mesmo nível de produtividade de outrora, e o mesmo
funcionamento que tínhamos antes, em um contexto que já não é o mesmo, é uma
exigência injusta e não cabe mais. Quais são os recursos que temos para
encarar tantos desafios que nos tomam de assalto dessa forma e nos lançam ao
novo?
Uma boa dica está naquela cena, do nosso último
réveillon: um momento de reflexão, de rituais, de símbolos, de brincadeiras e
de estarmos rodeados pelas pessoas que importam, seja presencialmente,
virtualmente ou em pensamento; nos instrumentalizando dos aprendizados trazidos
pelo que já passamos e nos preparando para o que está por vir.
Fernanda Tomie Icassati Suzuki - psicóloga, com
graduação pela USP em 2011 e pós-graduação em psicologia em saúde pela UNIFESP.
Atualmente, atende em instituição de saúde, em escola e em consultório. É
parceira de conteúdo da International School, programa de educação bilíngue
para escolas.
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