Em razão da alta carga tributária a que estão
submetidos os médicos que exercem suas atividades mediante tributação na pessoa
física, grande parte deles opta por constituir pessoa jurídica, seja
associando-se a outros médicos, seja em forma de sociedade unipessoal, a fim de
prestar seu atendimento em clínicas próprias, clínicas de terceiros ou dentro
de hospitais.
No momento da constituição da pessoa jurídica, e
muitas vezes após ele, surge o questionamento acerca de qual o regime
tributário mais vantajoso. Cada empresa possui suas características próprias e,
por tal razão, o planejamento tributário é fundamental para que se conclua pelo
melhor regime de tributação para cada sociedade, médica ou não.
Os regimes tributários brasileiros mais comuns são
o simples nacional, o lucro real e o lucro presumido. Em suma, o simples
nacional, cuja opção obedece algumas limitações, unifica os tributos devidos
aos entes federativos, por meio de alíquota única fixada de acordo com a
atividade que aquela empresa exerce e sua faixa de faturamento. O lucro real,
por sua vez, tributa a empresa sobre seu lucro efetivo, que é o valor da
apuração contábil do resultado, levando em conta acréscimos e descontos
legalmente previstos. No entanto, quando se fala em serviços médicos, o regime
jurídico que, em geral, melhor atende as empresas constituídas com esta
finalidade é o do lucro presumido.
E é aí que entram os benefícios fiscais muitas
vezes desconhecidos pelos médicos, e até mesmo pelos escritórios de
contabilidade não especializados em atender a área da saúde. O regime do lucro
presumido funciona da seguinte forma: não se contabiliza o lucro efetivo da
empresa, mas sim presume-se que da totalidade de sua receita bruta, sua base
tributável será um percentual fixado por lei, calculado sobre sua receita.
No caso das empresas prestadoras de serviços, essa
base tributável corresponde a 32% da receita da empresa. No entanto, como quase
toda regra tem sua exceção, com as bases presumidas para tributação não é
diferente. A Lei 9.249/1995 previu, em seu artigo 15, caput
e § 1º, III, "a" e 20, III, que no caso dos serviços prestados serem
hospitalares, essa base de 32% passa a ser de 8% para a apuração do IRPJ -
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e 12% para a CSLL – Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido, ou seja, uma redução bastante significativa!
Como o referido dispositivo legal fala em serviços
hospitalares, iniciou-se grande discussão sobre a extensão da referida
expressão. Os serviços médicos não podem se enquadrar na definição de serviço
hospitalar? O que os diferencia já que ambos tem por natureza assistir à saúde?
Os serviços prestados em hospital por pessoas jurídicas entram na definição de
serviços hospitalares? E os prestados em clínicas?
Para definir todas essas questões, viu por bem o
Superior Tribunal de Justiça julgar a matéria em âmbitos de recursos
repetitivos, ocasião na qual definiu que devem ser considerados serviços
hospitalares “aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos
hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, de sorte que, em regra,
mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar,
excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com
as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos” (REsp
1.116.399/BA).
Ou seja, ao analisar a definição de serviços
hospitalares, levou em consideração o STJ a natureza, relevância, e importância
social da promoção à saúde. Ou seja, toda prestação de serviço voltada
diretamente à promoção da saúde, com exceção de simples consultas prestadas em
consultório, podem ter o benefício fiscal de redução da base presumida para
tributação do IRPJ e da CSLL a eles estendida.
No entanto, a Receita Federal, buscando restringir
o direito à redução para os serviços médicos, trouxe algumas inovações em seus
textos normativos, por meio dos quais, por exemplo, veda o aproveitamento dos
referidos benefícios aos serviços prestados com utilização de ambiente de
terceiro, ou por meio de homecare, e impõe que a empresa
disponha de estrutura destinada a atender a internação de pacientes.
Tais restrições, no entanto, violam o princípio
constitucional da legalidade, uma vez que não pode a Receita Federal, por meio
de seus atos normativos, sejam Atos Declaratórios Interpretativos, sejam
Instruções Normativas, extrapolar o que previu o legislador por meio de lei,
cabendo à Receita tão somente regulamentar o que prevê a lei federal.
Nesse ponto, cabe ressaltar que a lei trouxe apenas
duas condições para que os serviços hospitalares (e serviços médicos
equiparados a hospitalares), possam usufruir dos benefícios fiscais de redução
da base presumida, quais sejam, que a prestadora destes serviços seja
organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.
As restrições apresentadas pela Receita Federal
vão, portanto, não apenas na contramão do texto legal, mas também do
entendimento exarado pela Primeira Seção do STJ, que deixou clara sua posição
no sentido de que o benefício fiscal em questão decorre da essencialidade e
natureza do serviço médico. O que, vale, portanto, é que esteja o serviço
atrelado diretamente à promoção da saúde, direito este garantido pela nossa
Constituição Federal. É em decorrência da importância do serviço médico em si
que optou o legislador por conceder tal benefício fiscal, não importando para
tanto quaisquer outras características como estrutura da empresa, local da
prestação etc. A interpretação deve se dar de forma objetiva, considerando a
natureza da atividade prestada, atividade esta de suma relevância para a vida
de todos os cidadãos!
Podem, portanto, as empresas prestadoras de
serviços médicos que atendam aos requisitos legais, usufruir desses benefícios
fiscais e recolher seu IRPJ e CSLL pela base reduzida de tributação ou, ainda,
se socorrer do Judiciário a fim de obter reconhecimento ao seu direito evitando
assim questionamentos e eventuais autuações por parte da Receita Federal que
infelizmente, e mais uma vez, usurpa de suas competências, invadindo poder que
a ela não pertence, a fim de trazer empecilhos aos contribuintes que por
direito legalmente previsto podem recolher seus tributos de forma mais
vantajosa e, acima de tudo, mais justa.
Cinthia Benvenuto Ferreira - sócia da Innocenti
Advogados, responsável pela área fiscal e tributária.
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