Quando fiquei com paralisia cerebral durante o meu
parto no final dos anos 1960, com sérios danos na fala e na coordenação motora,
para grande parte das pessoas eu já estava com o meu destino traçado: ser
dependente das outras pessoas, isolado dentro das instituições. Ainda mais
naquela época em que nós, pessoas com deficiência, vivíamos totalmente
excluídos da sociedade. Como conto no meu recém lançado livro “O Caso do
Tipógrafo – Crônicas das minhas memórias”, vivíamos uma época que os estudos e
técnicas de tratamentos ainda engatinhavam. Por cinco anos usei aparelhos em
quase todo o corpo para ele endurecer. Assim fiz parte de muitos outros
experimentos e pesquisas no início dos anos 1970.
Alguns médicos chegaram a dizer que eu nem seria
alfabetizado. Só que meus pais não acreditaram nisso e me ensinaram a ler e
escrever aos cinco anos de idade. E, ao descobrir o mundo das letras, se minha
vida fosse uma fábula, eu começaria assim: era uma vez um menino que, aos cinco
anos, já escrevia seus primeiros textos e dizia que seria um escritor.
No final dos anos 1980, ao deixar essa cidade e ir
morar em outra bem maior, eu estava sem rumo. Passei por algumas entrevistas
até chegar à psicóloga. Ela começou me criticando duramente por não andar
sozinho pela cidade, mas eu tinha acabado de sair de uma cidade com seis mil
pessoas para viver em outra com trezentos e vinte mil habitantes. Tudo ainda
era muito novo e assustador para mim. À certa altura, ela me perguntou o que eu
gostaria de fazer. Expliquei-lhe que era um jornalista e desejava dar
continuidade a isso. Ela me disse secamente: “Você precisa tomar consciência
que é um deficiente e por isto não pode ser um jornalista!” Eu
simplesmente desejei-lhe um bom dia, levantei-me e nunca mais voltei lá.
Hoje muitas pessoas se espantam ao saberem que,
mesmo com paralisia cerebral, tenho três graduações, cinco pós-graduações e
dois doutorados. Tenho mais de 80 livros editados, 98 artigos científicos
publicados. E, enquanto jornalista, já publiquei mais de 500 textos. Grande parte
voltados às questões humanitárias!
Hoje moro novamente em São Paulo e há sonhos que
nunca morrem. E vou continuar a alimentá-los mesmo conhecendo todos os meandros
e dificuldades da minha profissão! Àquela psicóloga que nem de longe representa
o pensamento de nossa categoria, pediu-me para ter consciência que eu era um
“deficiente”. Porém, ao longo da minha existência, preferi ter a consciência
que, como qualquer pessoa que sonha e vai buscar seus objetivos, sou totalmente
capaz! O importante é que aquele menino limitado por sua paralisia cerebral,
alfabetizado aos cinco anos e que queria ser escritor, nunca deixou de sonhar!
Emílio
Figueira - jornalista, psicólogo, palestrante e escritor.
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