Molécula descrita por pesquisadores da Unicamp na revista Scientific Reports atua sobre diferentes açúcares presentes em várias fontes de biomassa vegetal, o que a torna atraente também para outros setores industriais (fungo da espécie Trichoderma harzianum; foto: Maria Augusta C.Horta/Unicamp)
Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
identificaram no fungo amazônico Trichoderma harzianum uma
enzima capaz de degradar biomassa. Além de caracterizar a molécula, os
pesquisadores usaram técnicas de engenharia genética para produzi-la em larga
escala, reduzindo custos e viabilizando sua utilização industrial.
A descoberta, publicada na revista Scientific Reports, abre
caminho para o maior aproveitamento dos resíduos da cana-de-açúcar na
fabricação de biocombustíveis, uma vez que o desenvolvimento de um coquetel de
enzimas de baixo custo representa um dos principais desafios para a produção de
etanol de segunda geração (derivado do bagaço e da palha da cana-de-açúcar).
“A enzima quebra diferentes açúcares
presentes em várias fontes de biomassa vegetal, o que a torna muito versátil e
interessante não só para a produção de etanol de segunda geração como também
para uso na indústria alimentícia e cosmética, por exemplo”, revela Maria
Lorenza Leal Motta, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia
Genética (CBMEG-Unicamp) e primeira autora do artigo.
O trabalho, conduzido durante o mestrado de Motta, bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), contou
com apoio da FAPESP para
a prospecção de fungos que realizam a degradação de substratos celulósicos e
promovem a geração de açúcares livres, que possam ser explorados para a
produção de biocombustível.
Nova
estratégia de prospecção
Além da descoberta de uma nova enzima para a produção de etanol de
segunda geração, o grupo também inova na forma de buscar soluções para a
degradação de celulose. “Estamos há alguns anos desenvolvendo uma metodologia
de prospecção desses fungos a partir de uma abordagem que envolve evolução,
expressão gênica e genoma. Isso é interessante, pois torna nosso trabalho mais
assertivo. Com o tempo, estamos criando uma espécie de baú com informações
relevantes sobre enzimas com potencial uso para a indústria”, afirma Anete Pereira de Souza,
professora do Instituto de Biologia da Unicamp e orientadora de Motta.
A metodologia de prospecção envolve
estudos de evolução das linhagens de fungos associados a diferentes ferramentas
de análises de variações genéticas, genes, proteínas e metabólitos. “É uma
abordagem diferente, que nos permite utilizar vários filtros até chegar
a um candidato interessante para ser estudado”, conta.
Com isso, os pesquisadores têm mostrado que os fungos do gênero Trichoderma apresentam
grande potencial para a produção de enzimas ativas por carboidratos (CAZYmes),
incluindo membros de famílias de glicosídeo hidrolases (GH).
Souza ressalta que quase todas as enzimas utilizadas no Brasil para a
degradação de biomassa são importadas e desenvolvidas para o uso de países do
Norte global. “A prospecção de enzimas da biodiversidade nacional traz inúmeras
vantagens, não só pela redução dos custos como também em ganhos de eficiência
na produção de etanol. É mais provável que um fungo da Amazônia esteja mais
adaptado para degradar celulose de biomassa em um contexto como o nosso”,
explica Souza à Agência FAPESP.
Produção
em série
Para descobrir a nova enzima, os pesquisadores utilizaram diferentes
linhagens do fungo, sequenciaram seu transcriptoma (conjunto de moléculas de
RNA expressas em um tecido) e realizaram anotações funcionais. Com a sequência
e técnicas de biotecnologia foi possível produzir as enzimas a partir de
bactérias Escherichia coli.
Motta explica que as enzimas
pertencentes à família GH54 foram pouco estudadas e exploradas. “O trabalho de
caracterização dessa enzima revelou uma série de qualidades físico-químicas
interessantes para a indústria que não eram conhecidas até então para essa
família de enzimas. Isso sugere que as demais moléculas dessa família ainda
pouco conhecidas também possam apresentar características semelhantes às que
encontramos”, diz Motta.
Entre as características encontradas está a capacidade de quebrar
açúcares presentes nas cadeias laterais da hemicelulose, polissacarídeo
complexo formado por vários açúcares e outros componentes que estão
presentes no bagaço e na palha da cana-de-açúcar. “Essa enzima produzida de
maneira mais rápida e barata em laboratório, por meio da E. coli, apresentou atividade em diferentes tipos de
açúcares [galactopironosídeo, arabinopironosídeo e fucopironosídeo] que estão
presentes nas cadeias laterais envolvendo a parte central da hemicelulose. Isso
mostra que um coquetel enzimático composto por diferentes tipos de
enzimas, principalmente as que atuam na remoção dessas cadeias laterais,
poderia melhorar a eficiência da conversão da hemicelulose e,
consequentemente, dos resíduos de cana-de-açúcar em etanol de segunda geração”,
diz Motta.
Isso porque, como ressalta a
pesquisadora, as enzimas que atuam na cadeia principal da hemicelulose,
como as beta-xilanases e as endo-beta-xilanases, só conseguem ter acesso a ela
se as cadeias laterais já tiverem sido removidas. “No caso da produção de
etanol, essa nova enzima poderá auxiliar na melhor conversão da hemicelulose em
glicose disponível para a fermentação, o que a torna muito interessante
comercialmente”, pontua.
Além de apresentar atividade em
diferentes substratos, a nova enzima tem uma série de qualidades bioquímicas
que a tornam conveniente para o uso em processos industriais. “Ela atua em uma
ampla faixa de pH [de 5 a 9] e de temperatura [40°C a 65°C] e, mesmo assim, a
atividade relativa permanece acima dos 50%. Isso é interessante porque diversos
processos industriais como a fermentação usada para a produção de etanol, por
exemplo, ocorrem sob variação de pH e temperatura”, conta.
Outra característica interessante é a
necessidade de a enzima ter uma molécula de íons metálicos para que a atividade
catalítica seja mantida (metaldependência). “Verificamos que os íons de
magnésio foram os que mais influenciaram na atividade da enzima e uma hipótese
para isso é que eles ajudam a manter estável a conformação do sítio catalítico
da enzima”, explica Motta.
O artigo A novel fungal metal-dependent
α-L-arabinofuranosidase of family 54 glycoside hydrolase shows expanded
substrate specificity (doi: 10.1038/s41598-021-90490-2), de
Maria Lorenza Leal Motta, Jaire Alves Ferreira Filho, Ricardo Rodrigues de
Melo, Leticia Maria Zanphorlin, Clelton Aparecido dos Santos e Anete Pereira de
Souza, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-021-90490-2.
O artigo Integrative genomic analysis of the
bioprospection of regulators and accessory enzymes associated with cellulose
degradation in a filamentous fungus (Trichoderma harzianum) (doi:
10.1186/s12864-020-07158-w), de Jaire A. Ferreira Filho, Maria Augusta C.
Horta, Clelton A. dos Santos, Deborah A. Almeida, Natália F. Murad, Juliano S.
Mendes, Danilo A. Sforça, Claudio Benício C. Silva, Aline Crucello e Anete P.
de Souza, pode ser lido em https://bmcgenomics.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12864-020-07158-w.
O artigo The synergistic actions of hydrolytic genes
reveal the mechanism of Trichoderma harzianum for cellulose degradation (doi:
10.1016/j.jbiotec.2021.05.001), de Déborah Aires Almeida, Maria Augusta
Crivelente Horta, Jaire Alves Ferreira Filho, Natália Faraj Murada e Anete
Pereira de Souza, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0168165621001243?.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/enzima-de-fungo-amazonico-pode-aumentar-a-eficiencia-na-producao-de-etanol-de-segunda-geracao/35985/
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