A solidão na liderança
não é algo novo. Na verdade, a necessidade de estar só é inerente ao
ser-humano. Não é incomum o isolamento em momentos de dificuldade e que
necessitem de certo tempo de reflexão. No entanto, o que temos visto é um
isolamento permanente daqueles que ocupam cargos de gestão - este isolamento é ainda mais visível no universo feminino.
Seja em razão do pouco
número de mulheres no C-level em nossas empresas ou em razão do complexo papel
que a mulher vive em seu dia a dia, é possível dizer que as mulheres no topo
vivem muito mais isoladas no mundo corporativo do que os homens na mesma
posição. Tomo a liberdade de chamar esse cenário de Síndrome de Rapunzel.
Mundialmente conhecido,
Rapunzel é um conto de fadas que narra a vida de uma menina criada por uma
bruxa, que vive isolada em uma alta torre sem portas ou escadas, apenas com uma
janela no topo. A história original é um pouco mais dramática do que as
recentes versões encontradas em desenhos animados, mas ainda assim com um final
feliz. Fato não tão conhecido é que este conto foi apenas compilado pelos
Irmãos Grimm. Rapunzel é uma adaptação de um conto francês escrito por uma
mulher e publicado originalmente em 1698 com o nome de “Persinette".
Charlote-Rose de Caumont
De La Force ou Mademoiselle De La Force, autora de “Persinette”, não chama
atenção somente pelo nome - que coincidentemente pode ser traduzido como Dama
da Força. De La Force foi uma conhecida escritora francesa dos séculos 17 e 18,
e uma das únicas 25 mulheres europeias à época que fizeram parte da prestigiada
Accademia dei Ricovrati (atualmente conhecida como Academia Galileiana de Ciências,
Letras e Artes), em Pádua, na Itália. A Academia fundada em 1599 e que teve
como um de seus fundadores Galileo Galilei, admitiu mulheres apenas como
membros honoráveis, não permitindo a elas o direito ao voto, à ocupação de
cargos diretivos, ou mesmo à participação em reuniões.
Não há aqui nenhuma
intenção de fazer críticas à sociedade da época (vamos concordar que a presença
de 25 mulheres no século 17 em uma Academia, já era um imenso avanço), a
reflexão interessante se dá no paralelo que podemos traçar entre os sentimentos
que levaram De La Force a escrever um conto sobre solidão, isolamento e
superação, e os sentimentos que continuam sendo o da mulher do século 21.
Mesmo existindo avanços,
ainda é notado o pouco interesse da mulher por altos cargos. Menos de 20% dos
conselhos e diretorias das 500 empresas listadas pela Fortune são ocupados por
mulheres, de acordo com dados do PewResearch Center. No Brasil este percentual
chega apenas a 19%, segundo o International Business Report. Tal cenário não
vem somente da falta de condições que muitas empresas oferecem, mas vem também da consciência deste isolamento (mesmo quando pouco
perceptível), que é decorrente de ambientes desiguais, não meritocráticos e
machistas.
Vale destacar que
atualmente estes ambientes não são mais a regra. A cada dia vemos mais empresas
conscientes da importância social e econômica da presença da mulher no mercado
de trabalho e em cargos de alta gestão, incentivando o empoderamento e fortalecimento
feminino. No entanto, ainda se faz importante e necessário investir em
iniciativas sobre igualdade de gênero no mercado de trabalho e em discussões
sobre lideranças focadas em pessoas e não em gêneros, mostrando à mulher que
ela não precisa se isolar em uma “Torre de Rapunzel”.
Na história de La Force,
sua heroína encontra meios de escapar da torre utilizando suas principais
qualidades. E, mesmo sendo punida, ela é recompensada no final. De La Force não
teve o mesmo destino de sua heroína. Por ser uma mulher que vivia à frente de
seu tempo e prezava a liberdade, foi condenada pelo rei Luis XIV a viver o
resto de seus dias isolada em um convento.
Este conto foi escrito há
mais de três séculos e, ainda assim, a história da Dama da Força parece ser mais
atual do que nunca. Que a força da história de De La Force nos sirva de
inspiração, afinal, a torre não é nosso lugar.
Ana Paula de Almeida Santos -
advogada e diretora Jurídica da Assurant Brasil
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