Em outubro de 2015 a
prova teórica do Detran/SP foi aplicada a um candidato surdo com intermédio de
um intérprete pela primeira vez
Buzinas, ruído dos motores e do
atrito entre pneu e asfalto compõe uma “sinfonia do trânsito” que, para muitos,
gera estresse e aflição. Porém, para alguns, dirigir é uma atividade silenciosa
e não é por opção. A estes, a principal barreira quando o assunto é trânsito
não são os buracos na via ou os congestionamentos, mas envolve a comunicação
com os demais usuários. A Perkons ouviu especialistas que atuam com a inclusão
de deficientes auditivos no trânsito para conhecer quais os avanços e
obstáculos ainda a superar para que condutores e pedestres surdos se desloquem
com segurança.
O olhar impaciente dos outros
motoristas denuncia o desconhecimento em relação à surdez do prof. Neivaldo
Zovico, diretor regional da Federação Nacional de Educação e Integração dos
Surdos de São Paulo (FENEIS) e coordenador nacional de Acessibilidade para
Surdos. Depois de instantes sem entender o que acontecia, ele verifica pelo
retrovisor a luz que indica a sirene ligada de uma ambulância que aguardava
passagem. Recorrentes, episódios como esses colocam quem os vivenciam em uma
posição embaraçosa. “As pessoas acham que somos mal-educados”, lamenta.
A experiência em uma instituição
que reivindica os direitos dos surdos, somada a mais de três décadas de
condução, fazem Zovico não ter dúvidas sobre o principal entrave para a
inclusão dos surdos no trânsito. “O grande problema é que nem todas as
autoescolas têm intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Como ela é
o primeiro idioma dos surdos, antes mesmo do português, a falta de intérpretes
e de provas adaptadas gera dificuldade de compreensão e entendimento por parte
dos alunos surdos”, pontua.
As dificuldades, entretanto,
extrapolam o processo de obtenção da carteira e adentram a esfera da interação
com motoristas não surdos, contratempo que ocasiona incidentes como o vivido
por Zovico. Para conter estes casos, a Lei 8.160/1991 sugere o uso do Símbolo Internacional de Surdez
adesivado na traseira dos veículos conduzidos por surdos como uma alternativa
para indicar aos demais condutores que aquele motorista não irá responder a
ruídos de sirenes ou buzinas, sendo a sinalização por faróis o recurso mais
apropriado. A lei, contudo, não foi regulamentada e sua aplicação é, portanto,
facultativa.
Com cidades mais acessíveis
todos ganham
A legislação, porém, não é o
único elemento a definir a rotina no trânsito dos deficientes auditivos. Seja
como condutor ou pedestre, o surdo depende dos investimentos do Estado para uma
infraestrutura acessível. Envolvido com propostas para acessibilidade, o estado
de São Paulo, através da integração do Detran com o programa
de Atenção à Acessibilidade, facilita o acesso de pessoas com deficiência
no processo de habilitação. Com o projeto, apenas no período entre janeiro e
abril de 2015, 18 mil candidatos surdos foram aprovados no exame. Em outubro do
mesmo ano, a prova teórica passou a ser aplicada a esses candidatos com
mediação online de um intérprete. “Essa é uma ação pioneira no país. Vale
ressaltar que a função do intérprete não é ajudar o candidato a responder as
questões, mas mediar a compreensão das perguntas”, declara a assessoria de
imprensa do órgão, que afirma ainda que há, atualmente, registro de cerca de
310 mil CNHs para condutores com algum tipo de deficiência em todo o estado,
condição sinalizada no verso da carteira depois de comprovada por médico
credenciado pelo Detran.
A assessoria do órgão informa
ainda que o candidato com deficiência auditiva não é obrigado a fazer as provas
com um intérprete, porém, caso tenha preferência por este intermédio e a
autoescola não disponha de instrutores habilitados em Libras, é possível fazer
as aulas com acompanhamento de um intérprete particular ou parente próximo. “Em
São Paulo, o Detran disponibiliza a aplicação dos exames teórico e prático com
o acompanhamento de um intérprete em todo o Estado”, garante.
Outra cidade que tem encabeçado
ações e projetos para atender usuários com algum tipo de deficiência no
trânsito é Curitiba. “Contamos com inúmeras ações na área de acessibilidade e
mobilidade urbana, como os semáforos sonoros e de aumento de tempo em
travessias”, enumera a secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência de
Curitiba, Mirella Prosdócimo. Um dos exemplos destinado especialmente a
pedestres com mobilidade reduzida, como idosos e cadeirantes, é o Cartão
Respeito, adotado em 31 semáforos para
aumentar em até 50% o tempo disponível para travessia.
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