Recentemente, o juiz federal Sérgio Moro observou que sua missão à frente da Operação Lava Jato estava por findar, considerando que os indiciados que cabe à primeira instância julgar já haviam praticamente todos sido julgados. O que ele quis dizer é que os demais são pessoas com foro privilegiado e as ações devem ser passadas à instância superior, mais especificamente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Foro privilegiado é
um direito adquirido por algumas autoridades públicas, de acordo com o
ordenamento jurídico brasileiro, garantindo que possam ter um
julgamento especial e particular quando são alvos de processos penais.Formalmente
chamado de “Foro por prerrogativa de função”, é atribuído aos indivíduosque
ocupam cargos de alta responsabilidade pública, como: Presidente da República,
Vice-Presidente, o Procurador-Geral da República, os ministros e os membros do
Congresso Nacional.
Conforme consta na
Constituição Brasileira de 1988, a investigação e o julgamento das infrações
penais das autoridades com foro privilegiado passa a ser competência do Supremo.
Ordinariamente, esse dispositivo acaba por retardar a tramitação dos processos
e aplicação das penas e cumprimento das sentenças condenatórias, quando for o
caso. Não faz muito, tivemos exemplo disso com o chamado Mensalão que quase
chegou à prescrição. Há também outro dispositivo, este aplicado a parlamentares
de todos os níveis, que igualmente protela ações e causa sensação de
impunidade; é a chamada imunidade parlamentar, da qual tratarei mais adiante.
Voltando ao foro privilegiado e mais especificamente à Operação Lava
Jato por ser episódio momentâneo, não deixa de gerar questionamento. Por que
empresários, executivos e diretores de empresas privadas, assim como da estatal
envolvida no escândalo, foram investigados, denunciados e julgados tendo as
penas arbitradas e daí levados à prisão, enquanto políticos, alguns com grau de
participação semelhante, continuam livres e parlamentares envolvidos exercendo
normalmente seus mandatos? O foro privilegiado explica.
Imunidade
parlamentar – Trata-se de um conjunto de garantias dadas aos
parlamentares (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores) para que possam exercer as suas
funções sem violações ou abusos, atuando com liberdade e independência no
exercício de suas atividades sem o risco de serem processados judicialmente.
Essas garantias são
expressas na Constituição Federal que em seu Art. 53 diz: “Os Deputados e
Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,
palavras e votos”. É importante notar que originariamente não existia no texto
constitucional o termo “quaisquer”, introduzido pela Emenda Constitucional nº
35, de 2001. Deliberadamente a interpretação da imunidade é distorcida e
ampliada. Diz-se, com certa razão, que se tornou espécie de salvo-conduto em
casos de crime comum. Muitos são exemplos de candidatos que lutam de todas as
formas para se eleger e assim conseguir o mandato que lhes resguarda de delitos
que não são decorrentes de opiniões, palavras e votos.
Outro empecilho
para punição de parlamentar são as formas de imunidades, acessórios
introduzidos por óbvios motivos e interesses. Entre essas formas estão: imunidades
materiais, que se dividem em absolutas e relativas, e imunidades
formais, relacionadas com o foro privilegiado e os processos de
prisão de parlamentar.
Quando uma denúncia
contra parlamentar chega ao legislativo encontra outra barreira, o pedido de
licença para abrir processo. A autorização depende de decisão da Casa
Legislativa que, geralmente, nega ou protela, usando para isso o “espírito de
corpo”, ou corporativismo. Isso tem base no parágrafo 3º. do Art. 53 que
expressa: “Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido
após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva
que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da
maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da
ação”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001).
Pode parecer
utópico, mas seria o momento de se aproveitar os bons ventos de moralização e
vontade de passar o país a limpo. Não será de todo inútil intentar mudanças.
Boa parte dos males vem do foro privilegiado e da imunidade parlamentar – e
isso não é cláusula pétrea. Não será fácil mudar porque a decisão final caberá
àqueles que desses privilégios se beneficiam, porém a vontade de mudar faz
milagre, ainda que demore algum tempo.
Luiz Carlos Borges
da Silveira - empresário, médico e professor. Foi Ministro da Saúde e Deputado
Federal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário