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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Cientistas criam cílios flexíveis controláveis por ímã

 Filamentos de nanopartículas de ferro recobertas por polímero são obtidos pela exposição do material a um campo magnético sob temperatura controlada. Material pode ter diversas aplicações, entre elas carregar substâncias para dentro de células e direcionar fluidos (imagem: acervo dos pesquisadores)

Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) desenvolveram uma técnica livre de moldes para fabricar cílios de diferentes dimensões, que podem imitar funções biológicas e ter múltiplas aplicações: desde direcionar fluidos em microcanais até carregar material para dentro de uma célula, por exemplo. Muito flexíveis, os cílios têm como base nanopartículas de ferro agregadas a um polímero e sua movimentação pode ser controlada por um ímã.

Para criar as nanoestruturas alongadas sem o uso de um molde, Watson Loh e a pós-doutoranda Aline Grein Iankovski recobriram partículas de ferro (γ-Fe2O3, conhecida como maghemita) com uma camada de material polimérico capaz de se ligar às partículas. Trata-se de um polímero que contém grupos de ácido fosfônico responsivos à temperatura, sintetizado de forma personalizada por uma empresa do ramo. As estruturas alongadas são formadas por meio do controle da temperatura e do uso de um campo magnético.

“Em temperatura baixa, vinte e poucos graus, essa agregação não ocorre. E, sem o estímulo de um campo magnético, esses materiais se agregam formando apenas um coágulo. É o efeito do campo magnético que dá ao material agregado a forma alongada de um cílio”, explica Loh.

Grein Iankovski partiu de uma dispersão de partículas estáveis em uma solução líquida e teve a ideia de obter os cílios durante uma tentativa de agregar o material. “Estava preparando esses filamentos alongados soltos em solução e pensei em mudar o campo de direção; em vez de orientá-los em paralelo à placa de vidro, coloquei-os na perpendicular. Percebi que, dessa forma, a tendência é que eles migrassem para a superfície do vidro. Então, pensei que poderia forçá-los a grudar no vidro e, assim, conseguiria um outro tipo de material, que não estaria solto, mas cujos movimentos poderiam ser ordenados e colaborativos.”

O polímero sensível à temperatura atua como um ligante na superfície da partícula, promovendo a organização das nanopartículas em filamentos alongados quando a mistura é aquecida e exposta ao campo magnético, explica a pesquisadora. Essa transição ocorre a uma temperatura menor do que 37° C, ou seja, biologicamente compatível, e os cílios magnéticos resultantes apresentam incrível flexibilidade. Aumentando a concentração das nanopartículas, os comprimentos das nanoestruturas podem variar de 10 a 100 mícrons (μm).

“A vantagem de não usarmos um molde, ou um template, como costumamos dizer, é que não estamos sujeitos às limitações desse método, tais como a dimensão, por exemplo. Nesse caso, para produzir cílios muito pequenos, seria necessário criar moldes com vãos minúsculos, o que é bem trabalhoso. Se fosse necessário, por exemplo, ajustar a densidade de recobrimento e o tamanho dos cílios, seria preciso fazer outro molde, pois cada espessura diferente de produto final requer uma fôrma diferente. Além disso, o uso de um template adiciona mais uma etapa à produção dos cílios, que é a elaboração do próprio molde”, esclarece Grein Iankovski, primeira autora do artigo publicado no The Journal of Physical Chemistry C..

O trabalho é parte de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e coordenado por Loh.

“No Temático, há quatro grupos investigando de que maneira as moléculas e partículas se organizam em nível coloidal, ou seja, no nível de estruturas muito pequenas. Nossa abordagem é tentar encontrar uma maneira de controlar essas moléculas para que elas se agreguem com estímulo externo, originem formas diferentes e tenham usos diversos”, conta o pesquisador.

Sob medida

Os pesquisadores ressaltam que, após a retirada do campo magnético, o material permanece agregado por um período de pelo menos 24 horas e, depois, se desagrega novamente. O tempo que o filamento permanece unido após a retirada do estímulo magnético depende da temperatura em que foi preparado. “Se for a uma temperatura mais elevada, o efeito será mais intenso e ele permanecerá agregado por mais tempo fora do campo magnético”, conta Grein Iankovski.

De acordo com Loh, a reversibilidade do material é um ponto positivo. “Consideramos uma vantagem poder organizar e desorganizar o material, ‘ligar e desligar’ o sistema. Podemos ajustar a temperatura, o tempo que ele permanece agregado, o comprimento, a densidade de recobrimento. Podemos customizar o material para diversos tipos de uso, organizá-lo e moldá-lo para objetivos específicos. Creio que há infinitas aplicações, desde a biologia até a física, ou mesmo a ciência de materiais.”

Grein Iankovski acredita que uma das grandes vantagens do produto é a possibilidade de manipulá-lo externamente, sem que a ferramenta de manipulação esteja dentro do sistema em que atua. “Os filamentos podem ser usados para homogeneizar e movimentar partículas em um microssistema fluido, em microcanais, simplesmente pela aproximação externa de um ímã. Dessa forma, é possível fazer com que eles direcionem um fluido, por exemplo.”

Os cílios podem ser ainda usados em sensores nos quais as partículas respondem ao estímulo de uma molécula. Ou, ainda, para alimentar organismos vivos microscópicos. “No limite, é possível alimentar um microrganismo ou uma célula com esses filamentos soltos, pois, em certas condições, eles atravessam a membrana celular. Dessa forma, seria possível fazê-los atravessar a membrana e aplicar o campo magnético para manipular seus movimentos dentro da célula”, diz Loh.

Ele destaca a colaboração de mais de dez anos com Jean-François Berret, da Université de Paris, que trabalha com a mesma família de polímeros para obtenção de materiais alongados e uso na área biomédica. “Estamos em busca de mais parcerias para explorar as possibilidades de uso dos cílios.”

Agora, os cientistas pretendem acrescentar um aditivo químico às nanoestruturas para ligar quimicamente as partículas e obter um cílio mecanicamente mais resistente, que possa se manter funcional por mais tempo longe da exposição a um campo magnético, se isso for desejável.

O artigo Template-Free Preparation of Thermoresponsive Magnetic Cilia Compatible with Biological Conditions pode ser lido em https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/acs.jpcc.0c09089.

  



Karina Ninni 

Agência FAPESP 

https://agencia.fapesp.br/cientistas-criam-cilios-flexiveis-controlaveis-por-ima/35060/

 

 

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