Temos a ideia equivocada de que corpo e mente são instâncias distintas, nas quais o corpo é um recipiente que carrega um conteúdo e que obedece ao comando da mente.
Estudos da
neurobiologia rompem com esse pensamento dualista e hegemônico. Mas,
infelizmente, esse conceito cartesiano se perpetua no senso comum e, com isso,
dificulta o entendimento do corpo como responsável pela saúde integrada.
O conceito dualista de
corpo e mente, saúde mental e física como coisas distintas nos leva a pensar
que emoções não estão atreladas ao corpo, no entendimento errado de que corpo é
físico, pois existe uma materialidade; e emoções são imateriais, portanto,
pertencem ao mental.
Para se criar um
sentimento, é necessário se emocionar. E para se emocionar, é preciso ter corpo
para vivenciar essa percepção que resultará em uma memória. A perspectiva de
que pensamento, sentimento e emoções são corporais rompe com os paradigmas que
asseguram que a capacidade de sentir e se emocionar são extrassensoriais.
Nosso corpo é composto
por uma química de hormônios e substâncias que nos regulam para sobreviver, a
busca da homeostase. A sobrevivência está atrelada a essa troca de informações
advindas do próprio corpo (história, genética, traumas) e do ambiente
(biológicas, culturais, sociais), no qual o corpo troca informações em tempo
real o tempo todo, pois o corpo é mídia de si mesmo, de acordo com a teoria do
corpomídia.
Nosso corpo e o meio
mudam constantemente e precisamos invariavelmente nos adaptar à desidratação e
à redução de açúcar no sangue, buscando em nosso ambiente algo que nos reidrate
ou que faça subir nossa glicemia. Essa função homeostática mantém o equilíbrio
quando tudo muda em nós e ao nosso redor.
O simples fato de
articular palavras na boca de uma pessoa modifica a secreção das substâncias
que dilatam os vasos do rosto da outra. Do mesmo modo, um insulto pode induzir
em quem o ouve uma palidez devida à constrição dos vasos; ou ainda, um
chilique, desmaio ou lágrimas podem ser provocadas pelo comunicado de uma má
notícia.
Algumas pessoas
tornam-se viciadas, dependentes de uma droga, a ponto de não suportarem a falta
dessa substância. Mas é possível também tornar-se dependente de uma emoção
forte provocada por jogos ou dinheiro, pelo enfrentamento de um perigo ou por
busca de situações seguidas de euforia, como por exemplo, os "workaholic",
viciados não apenas no trabalho, mas também nas conquistas e realizações
profissionais, colocando a vida profissional acima de tudo (família, amigos,
lazer e saúde).
Nesses casos, não há
nenhuma substância ingerida; no entanto, a emoção causada pelo risco de perder
provoca tal prazer, que o trabalhador torna-se dependente dele. Uma sensação
autenticamente experimentada não pode deixar de ter uma manifestação cerebral.
Uma substância pode
incendiar esse par de pulsões neurologicamente opostas de pavor e prazer. Dessa
forma, todas as emoções, sejam elas de conforto ou desconforto, são necessárias
para nossa regulação e adaptação à vida.
As emoções, como a
raiva, medo e angústia, fazem parte do nosso sistema de defesa. Quando
acolhemos esses dispositivos regulatórios, criamos uma memória que nos dá
suporte para termos compaixão e resiliência não só conosco, mas com os outros
também. Novas sinapses são criadas com esse aprendizado e nosso sistema nervoso
agradece na sua autorregulação, permitindo comportamentos mais equilibrados.
Levamos à consciência
quase nada das informações que percebemos para nos manter vivos. Nosso corpo
(quando falo corpo, incluo cérebro) trata todas essas informações (respirar,
lutar contra a força da atração da terra, regular a temperatura) aquém da
consciência. As informações extraídas da realidade por nossos órgãos dos
sentidos são combinadas por nosso cérebro de modo que delas se faça uma
representação que denominamos "realidade".
Para nós humanos, que
vivemos essencialmente num mundo de representações, as palavras têm grande
poder de esclarecimento. Enxergarmos melhor o que é dito e a conotação afetiva
das palavras provoca em nós emoções profundamente sentidas.
A realidade concretiza
nossa imaginação construindo posts nas redes sociais, encenando gestos, palavras,
objetos e marcas que impregnam a nossa memória e orientam nosso
desenvolvimento. Assim, moldados pelos objetos que acabamos de inventar,
sentimos fisicamente a crença para a qual construímos nosso meio.
Sentimos então uma
emoção provocada não pela realidade, pois ela passou ou está por vir, mas pela
representação dessa realidade. A memória não é o retorno do passado, é a
representação do passado. Não é preciso dizer até que ponto as pressões do
meio, as tensões afetivas e as narrativas do entorno participam da memória
individual.
Todo o ser vivo é
obrigado a tratar algumas informações extraídas da realidade se não deseja
morrer de fome, frio ou de solidão. Mas o ser humano é obrigado a viver, ao
mesmo tempo, num mundo de representações. E é aí que tudo se complica.
O ambiente no qual o
corpo troca informações e busca adaptação é falso e ilusório. O sentido
imperativo da felicidade a qualquer preço e o fato de existir longevidade nos
fazem distanciar, de forma imatura, que a vida também é feita de fracasso,
infortúnios, doenças e morte.
E nessa busca
incessante de felicidade e sucesso o tempo todo, suprimimos as emoções
antagônicas a esse imperativo e achamos que temos o controle da situação.
E nessa ignorância,
acabamos não desfrutando da potência curadora do corpo e buscamos o
entendimento da realidade nos anestesiando com as fake news, nas trocas
prazerosas de imagens, posts e emojis nas redes sociais, com o excesso de
remédios e o abuso de drogas e álcool.
Simone Bambini - doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.
Coordena e leciona no curso de Relações Públicas da FAAP. Pesquisadora do corpo
no ambiente corporativo e Terapeuta SE (Experiência Somática). Autora do livro
"O corpo como posicionamento da marca na comunicação empresarial'',
lançado em 2016 pela editora Annablume.
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