Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) desenvolveram uma técnica livre de moldes para fabricar cílios de diferentes dimensões, que podem imitar funções biológicas e ter múltiplas aplicações: desde direcionar fluidos em microcanais até carregar material para dentro de uma célula, por exemplo. Muito flexíveis, os cílios têm como base nanopartículas de ferro agregadas a um polímero e sua movimentação pode ser controlada por um ímã.
Para criar as nanoestruturas
alongadas sem o uso de um molde, Watson Loh e a pós-doutoranda Aline Grein Iankovski recobriram
partículas de ferro (γ-Fe2O3, conhecida como maghemita) com uma camada de
material polimérico capaz de se ligar às partículas. Trata-se de um polímero
que contém grupos de ácido fosfônico responsivos à temperatura, sintetizado de
forma personalizada por uma empresa do ramo. As estruturas alongadas são
formadas por meio do controle da temperatura e do uso de um campo magnético.
“Em temperatura
baixa, vinte e poucos graus, essa agregação não ocorre. E, sem o estímulo de um
campo magnético, esses materiais se agregam formando apenas um coágulo. É o
efeito do campo magnético que dá ao material agregado a forma alongada de um
cílio”, explica Loh.
Grein
Iankovski partiu de uma dispersão de partículas estáveis em uma solução líquida
e teve a ideia de obter os cílios durante uma tentativa de agregar o material.
“Estava preparando esses filamentos alongados soltos em solução e pensei em
mudar o campo de direção; em vez de orientá-los em paralelo à placa de vidro,
coloquei-os na perpendicular. Percebi que, dessa forma, a tendência é que eles
migrassem para a superfície do vidro. Então, pensei que poderia forçá-los a
grudar no vidro e, assim, conseguiria um outro tipo de material, que não
estaria solto, mas cujos movimentos poderiam ser ordenados e colaborativos.”
O polímero
sensível à temperatura atua como um ligante na superfície da partícula,
promovendo a organização das nanopartículas em filamentos alongados quando a
mistura é aquecida e exposta ao campo magnético, explica a pesquisadora. Essa
transição ocorre a uma temperatura menor do que 37° C, ou seja, biologicamente
compatível, e os cílios magnéticos resultantes apresentam incrível flexibilidade.
Aumentando a concentração das nanopartículas, os comprimentos das
nanoestruturas podem variar de 10 a 100 mícrons (μm).
“A vantagem de não usarmos um molde,
ou um template, como costumamos dizer, é que não estamos
sujeitos às limitações desse método, tais como a dimensão, por exemplo. Nesse
caso, para produzir cílios muito pequenos, seria necessário criar moldes com
vãos minúsculos, o que é bem trabalhoso. Se fosse necessário, por exemplo,
ajustar a densidade de recobrimento e o tamanho dos cílios, seria preciso fazer
outro molde, pois cada espessura diferente de produto final requer uma fôrma
diferente. Além disso, o uso de um template adiciona
mais uma etapa à produção dos cílios, que é a elaboração do próprio molde”,
esclarece Grein Iankovski, primeira autora do artigo publicado no The Journal of Physical Chemistry C..
O trabalho é parte de um Projeto
Temático apoiado pela
FAPESP e coordenado por Loh.
“No
Temático, há quatro grupos investigando de que maneira as moléculas e
partículas se organizam em nível coloidal, ou seja, no nível de estruturas
muito pequenas. Nossa abordagem é tentar encontrar uma maneira de controlar
essas moléculas para que elas se agreguem com estímulo externo, originem formas
diferentes e tenham usos diversos”, conta o pesquisador.
Sob medida
Os
pesquisadores ressaltam que, após a retirada do campo magnético, o material
permanece agregado por um período de pelo menos 24 horas e, depois, se
desagrega novamente. O tempo que o filamento permanece unido após a retirada do
estímulo magnético depende da temperatura em que foi preparado. “Se for a uma
temperatura mais elevada, o efeito será mais intenso e ele permanecerá agregado
por mais tempo fora do campo magnético”, conta Grein Iankovski.
De acordo
com Loh, a reversibilidade do material é um ponto positivo. “Consideramos
uma vantagem poder organizar e desorganizar o material, ‘ligar e desligar’ o
sistema. Podemos ajustar a temperatura, o tempo que ele permanece agregado, o
comprimento, a densidade de recobrimento. Podemos customizar o material para
diversos tipos de uso, organizá-lo e moldá-lo para objetivos específicos. Creio
que há infinitas aplicações, desde a biologia até a física, ou mesmo a ciência
de materiais.”
Grein
Iankovski acredita que uma das grandes vantagens do produto é a possibilidade
de manipulá-lo externamente, sem que a ferramenta de manipulação esteja dentro
do sistema em que atua. “Os filamentos podem ser usados para homogeneizar e
movimentar partículas em um microssistema fluido, em microcanais, simplesmente
pela aproximação externa de um ímã. Dessa forma, é possível fazer com que eles
direcionem um fluido, por exemplo.”
Os cílios
podem ser ainda usados em sensores nos quais as partículas respondem ao
estímulo de uma molécula. Ou, ainda, para alimentar organismos vivos
microscópicos. “No limite, é possível alimentar um microrganismo ou uma célula
com esses filamentos soltos, pois, em certas condições, eles atravessam a
membrana celular. Dessa forma, seria possível fazê-los atravessar a membrana e
aplicar o campo magnético para manipular seus movimentos dentro da célula”, diz
Loh.
Ele
destaca a colaboração de mais de dez anos com Jean-François Berret, da
Université de Paris, que trabalha com a mesma família de polímeros para
obtenção de materiais alongados e uso na área biomédica. “Estamos em busca de
mais parcerias para explorar as possibilidades de uso dos cílios.”
Agora, os
cientistas pretendem acrescentar um aditivo químico às nanoestruturas para
ligar quimicamente as partículas e obter um cílio mecanicamente mais resistente,
que possa se manter funcional por mais tempo longe da exposição a um campo
magnético, se isso for desejável.
O artigo Template-Free Preparation of Thermoresponsive Magnetic Cilia
Compatible with Biological Conditions pode ser lido em https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/acs.jpcc.0c09089.
Karina Ninni
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/cientistas-criam-cilios-flexiveis-controlaveis-por-ima/35060/
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