A atual crise econômica do nosso país resultou na evasão de milhares de
brasileiros de seus planos de saúde. Segundo o Instituto de Estudos de Saúde
Suplementar (IESS), em 2016, foram mais de 1,37 milhão de pessoas que deixaram
de se beneficiar da assistência privada à saúde, pois não mantiveram sua
capacidade financeira de arcar com os custos das mensalidades pactuadas. Houve
então um verdadeiro aumento da inadimplência dos consumidores com relação às
mensalidades dos planos de saúde.
As empresas que os comercializam e mantém são submetidas ao regramento
da Lei 9.656/98, que prevê de forma expressa acerca da possibilidade de
rescisão contratual – com regramento especial aos contratos
individuais/familiares. Nestes contratos, existem situações específicas nos
quais é autorizado à detentora do contrato que rescinda o mesmo, e que serão
abordados. Em relação ao inadimplemento, segundo o parágrafo único, inciso II,
do artigo 13 da Lei 9.656/98 são determinados os seguintes requisitos para sua
rescisão: “... não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta
dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato,
desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia
de inadimplência”.
Por serem
consideradas como “fornecedoras de serviço”, as Operadoras e Seguradoras de
Plano de Saúde são submetidas, além dos ditames da Lei 9.656/98 ao regramento
do Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente no que se refere ao
dever de informação (artigo 6º, III), que deve ser realizado de modo claro e
preciso os consumidores antes de ser efetivada a rescisão contratual. Da mesma
forma, a Súmula nº 28 da Agência Nacional de Saúde Suplementar, estabelece
alguns critérios mínimos que as Operadoras de Plano de Saúde devem observar
para realizar a notificação de forma a ser compreendida pelo consumidor sem dar
margem a outras interpretações, certamente em respeito ao dever de informação previsto
na Lei 9.656/98 e no CDC.
O
primeiro ponto controverso, dada à redação legal, é sobre o tempo de
inadimplência que gera a possibilidade de rescisão contratual. A lei dispõe:
“...não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos
ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato...”.
Ainda que
alguns defendam, não existe possibilidade de se interpretar tal artigo como se
cada mensalidade do contrato pudesse permanecer em atraso por até 60 dias.
Apesar da redação confusa, a contagem dos atrasos pode ser realizada de forma
separada e, se somados os períodos dentro dos últimos 12 meses do contrato,
atingirem os 60 dias de inadimplência, existe a possibilidade de rescisão
contratual, justamente pela expressão, “consecutivos ou não”.
Outro
ponto que merece destaque é a necessidade de notificação sobre o inadimplemento
até o “quinquagésimo dia da inadimplência”. Considerando o protecionismo
exibido pelo Poder Judiciário, ainda que a intenção do legislador ao prescrever
que o consumidor será notificado até o 50º dia da inadimplência fosse apenas à
concessão de no mínimo 10 (dez) dias de prazo para a quitação do débito
apontado pela Operadora/Seguradora, este é um detalhe que por muitas vezes é
utilizado pelos magistrados para “invalidar” a rescisão.
Portanto,
o aconselhável é sempre que a Operadora/Seguradora de Plano de Saúde emita a
notificação acerca do inadimplemento com tempo suficiente para que o consumidor
a receba, preferencialmente, até o 50º dia da inadimplência. Por fim, deve-se
estabelecer quem pode receber a notificação.
É
imperioso ressaltar que a lei é omissa com relação à necessidade de notificação
pessoal do contratante para a rescisão do contrato. Contudo, dada à redação
legal prevista na Lei 9.656/98, esta acaba gerando interpretações diversas do
Poder Judiciário, sobre a necessidade ou não da notificação ter sido realizada
de forma pessoal ao contratante. A controvérsia ainda persiste no âmbito
judicial, destarte, tal cenário vem se consolidando no sentido de que para a
comprovação da mora é suficiente a notificação por Aviso de Recebimento (AR)
entregue ao endereço correto do devedor, não sendo exigido que a assinatura
seja a do próprio destinatário, especialmente em casos de condomínio
residencial.
Em um
exemplo prático, se o consumidor deixou de pagar a mensalidade que venceu em
10/12/2016 e 10/01/2017 do contrato, o 50º dia da inadimplência é daquela mais
antiga, ou seja, contada desde a inadimplência do mês de dezembro. Portanto, a
notificação deve ser enviada pela operadora para que até 20 de janeiro (50º
dia) o consumidor a receba. Se, na data do recebimento da notificação, ambas as
parcelas permanecerem inadimplidas, e existir previsão na carta da necessidade
do pagamento de ambas, mas o consumidor efetuar o pagamento apenas de uma delas
(a que venceu em 10/12/2016) deixando a outra sem pagamento existe plena
possibilidade de rescisão contratual, pois, somados os períodos de atraso – ou
seja, inadimplência não consecutiva -, chegar-se-á a prazo superior aos 60 dias
conforme determinado pela lei.
Portanto,
ainda que o contrato de Plano de Saúde tenha em si um “fim social”, é possível
sua rescisão por inadimplência, desde que as operadoras e seguradoras de planos
de saúde observem os prazos e formalidades legais para a comunicação do
consumidor, antes da efetivação da medida, a fim de que tais atos não sejam
posteriormente invalidados pelo Poder Judiciário.
Ana Luiza Momm Ponsam - Advogada formada em
2013 pela Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB, atuando no âmbito
do Direito Civil, com ênfase em Direito da Saúde do escritório Küster Machado.
Com experiência no contencioso cível, voltada ao atendimento de Operadoras de
Plano de Saúde e Hospitais, nos diversos ramos da área da saúde.
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