Surpresa de alguns, de outros nem tanto, o Ministro da
Fazenda Henrique Meirelles veio a público informar sobre os desafios do quadro fiscal
e as dificuldades para cumprir as metas de crescimento das despesas públicas
primárias – custeio dos funcionários, material de consumo, investimento público
e assistência social, isto é, o total das despesas exceto os gastos com juros
amortização da dívida pública. O que há de estrutural e de conjuntural nesta
situação é insumo para debate.
De um lado, é verdade que as receitas públicas, que são
altamente correlacionadas com o nível de atividade econômica, sofreram uma
forte queda devido à recessão – que, por sua vez, antecedeu quaisquer
tentativas recentes de ajuste fiscal, pois já dava sinais de sua existência no
segundo semestre de 2014.
Ou seja, manter eventuais superávits primários ou controlar
déficits primários é uma tarefa inglória quando se perdem receitas. Entretanto,
é preciso lembrar que há um fator importante: a receita já vinha sendo
comprometida desde as medidas de desoneração tributárias de 2011, que ao fim e
ao cabo, mostraram-se pouco efetivas para estimular a atividade econômica na
maior parte dos segmentos beneficiados.
O que, de fato, está na raiz do problema é algo mais
profundo e complexo: a crise fiscal do Estado brasileiro, que nunca foi
debelada de fato. A discussão sobre essa crise remonta aos anos 90 do século
passado e parece datada, porém não é. Ao longo de mais de 25 anos, com
remendos, uma boa dose de sorte e ventos favoráveis, a incapacidade de o Estado
brasileiro controlar suas despesas e ter condições de financiá-las foram
“varridas para debaixo do tapete”.
Vale lembra que uma das ações necessárias para o êxito do
Plano Real foi tomada em 1993 e se tratava do “Fundo Social de Emergência”
(FSE), que depois tornou-se o “Fundo de Estabilização Fiscal” (FEF),
estabelecendo a DRU (desvinculação de receitas da União) – nomes pomposos para
legalmente se reduzir o percentual de gastos obrigatórios pela Constituição em
determinadas rubricas – ou seja, para promover ajustes fiscais momentâneos.
Por características institucionais, por escolhas da
sociedade, por má gestão das despesas públicas (que envolve desde a elaboração
do orçamento até à qualidade do gasto público) e por razões políticas
(necessidade de acomodar grupos de interesses e representantes partidários da
coalização de governo com cargos e postos no poder executivo – frutos do
“presidencialismo de coalizão”), a despesa pública primária cresceu
estruturalmente desde o final dos anos 80. Foi com endividamento e carga
tributária crescentes, que ela vinha sendo precariamente acomodada.
Agora, num momento de crise que escancara as vísceras do
Estado, não há mais como esconder o problema. Sequer o advento da
“contabilidade criativa” é mais aceito. Vir a público afirmar que será
necessário um corte de R$ 42,1 bilhões na despesa primária deste ano é sinal de
que não há outra saída e que o problema não pode ser escondido nem tampouco
facilmente administrado.
Onde cortar é a pergunta. Em primeiro lugar, desonerações e
subsídios que não cumpriram o desempenho esperado têm que ser removidos, por
mais doa nos segmentos beneficiados e por mais justo que seja o “mantra” da
elevada carga tributária do país.
Depois disso, corta-se o que é menos essencial, por não ser
uma prestação continua de serviços, como emendas parlamentares e obras do PAC
que possam ser interrompidas e descontinuadas. Ruim para a infraestrutura? Pode
ser, mas cortar repasses do SUS ou pagamento de aposentadorias tem efeitos
muito mais deletérios para a sociedade. Além disso, cortam-se os gastos mais
fáceis, ou seja, aqueles que são de beneficiários difusos ou com pouca
capacidade de articulação e pressão política, como os bolsistas de
pós-graduação espalhados pelo país. Isto é bom? Não, de forma alguma. É o
possível.
Seria mais fácil aumentar a tributação? Operacionalmente
pode ser que sim, mas politicamente não. Há uma indisposição geral em pagar
mais tributos, em particular não apenas porque a carga tributária é elevada
para os padrões de renda per-capita do Brasil e pela qualidade dos serviços
públicos prestados, mas porque a distribuição dessa carga é concentrada em três
grupos: assalariados com carteira assinada, consumidores em geral e pequenas e
médias empresas – que estão fora do Simples.
Em suma, a questão não é meramente conjuntural, mas
estrutural. Qual é o tamanho do Estado que a sociedade brasileira quer ter e
qual a disposição dela a pagar por isso. Afora a relevante discussão sobre a
elaboração do orçamento público e a qualidade da despesa pública, é preciso
discutir o que se quer do Estado e como se pagar por isso.
Tendo em vista as cifras envolvidas, as despesas públicas se
parecem com um Golias que a sociedade brasileira, o Davi, teima em domar e não
consegue derrubar. O que é essencial e o que pode ser cortado estruturalmente?
A democracia dará as respostas, mas num prazo mais devagar que o desejado.
Vladimir
Fernandes Maciel -
professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia e Mercados da
Universidade Presbiteriana Mackenzie e está disponível para entrevistas.
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