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quarta-feira, 29 de março de 2017

Noruegueses, brasileiros, valores, felicidade




Nós somos melhores do que estamos? Quer dizer: o mal estado da nação nos causa mal-estar? Aparentemente, sim. Protestamos generalizada indignação. Entretanto, cultivamos uma indignação “em tese”. Declaramos descontentamento como se o que o Brasil é não resultasse do que o fizemos ser.
Talvez nem percebamos o quanto nossos cometimentos e desinteresses cotidianos dão causa à nossa vida coletiva e, logo, individual. Dado que atos são impelidos por crenças, talvez devêssemos nos indagar sobre nossas medidas de importância. Que preceitos éticos privados e públicos e que práticas sociais nos importam?
Sob a rubrica ética, o Houaiss define valor: “conjunto de princípios ou normas que, por corporificar um ideal de perfeição ou plenitude moral, deve ser buscado pelos seres humanos”. Isso, claro, é relativo; inexiste ideal universal. Daí talvez devêssemos, comparando nossos valores com os de outros países, nos reavaliar e, até mesmo, refutar algumas das nossas convicções.
“O Relatório Mundial de Felicidade de 2017 colocou a Noruega no topo dos países mais felizes do planeta. A lista, que abrange 155 nações, é baseada no PIB per capita e na expectativa de vida saudável.
Na pesquisa, os entrevistados atribuem notas de 1 a 10 a quanto apoio social sentem que terão se algo der errado em suas vidas, à liberdade de que gozam para fazer suas próprias escolhas de vida, sua opinião sobre o grau de corrupção de sua sociedade e até que ponto se consideram generosos” (FSP, 21mar17).
O Brasil já ocupou a 17ª posição; caímos para a o 22º lugar. Dada a distância, mais ainda com a nossa queda, é de se indagar: que valores professamos e nem sempre cumprimos? Que valores declaram e realizam os noruegueses?
Noruega: 100% da população é alfabetizada Brasil: 12% não é alfabetizada. Escolaridade: Noruega, topo: 12,6 anos; Brasil, 7,2 anos, 97º na fila. Ensino médio: rareamos nas matrículas e só 5,6% delas são em período integral. Universidade: Noruega, 35% da população; Brasil, 14%.
Crenças religiosas: Noruega: 72% de ateus; Brasil: 79% são religiosos. Disso decorrem posições sobre outros aspectos da vida: o aborto, por exemplo. Na Noruega, a mulher pode decidir até a 12ª semana, em alguns casos, pode abortar até a 18ª. Em gravidez de gêmeos, pode escolher gerar apenas um filho. Esse direito tão comum, nós o vemos como absurdez. Mas levantamento da ONU aponta que países com boa taxa de alfabetização tendem a ser mais descrentes e a lidar com essas questões com concepções distantes da ideia de pecado.
Mesmo advertidos de nossa precária formação educacional, espargimos moralismos sobre a vida alheia. Ao mesmo tempo, abandonamos em desinteresse a vida em comum, ainda que próxima, como a das cidades. Em Porto Alegre, cidade politizada, 65% dos eleitores não sabem em quem votaram para vereador; 33% não sabem que prefeito sufragaram. 40% do eleitorado brasileiro não recordam seu sufrágio para deputado federal.
Suspeito de que afora o moralismo religioso que nos faz o fundo a todas as coisas, o mais nos é insignificativo. Cultivamos valores medievais, cremos que a felicidade decorre de pactos com divindades. Customizamos deuses, rezamos. Eis nossa modernidade: a adaptação pessoal do divino, à venda no mercadejamento evangélico.
Com bitolas morais religiosas, renunciamos ao dever de cidadania. Abstraímo-nos de ser, cada um de nós, políticos. Supomos que distanciados da coisa pública podemos produzir estadistas. Ora, de nós decorrem os nossos. De medíocres, mediocridades.
Os canalhas que nos roubam dinheiros e abandonam a gerência da nossa felicidade pública foram eleitos – cada um deles foi eleito. Desmascarados, à esquerda e à direita restam justificados. Nisso, na Noruega não, no Brasil sim, todos se acordam: no traimento do interesse geral.



Léo Rosa



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