A busca por mais velocidade pode estar afetando a saúde dos brasileiros e o cuidado dos médicos com seus pacientes
Acordar com o despertador no limite, tomar café enquanto desce o elevador, checar e-mails e aproveitar aqueles segundos para passar enquanto o semáforo está no amarelo. A vida está mais corrida e as pessoas estão cada vez mais acostumadas a viver nesse ritmo. Não é à toa que cerca de 30% dos brasileiros possuem a síndrome da pressa, segundo oInternational Stress Management Association no Brasil(ISMA-BR). A síndrome consiste em um problema comportamental e psicológico e ainda não é distinguida como doença pela psiquiatria. Falta de paciência, tensão, dificuldade de convívio e problemas recorrentes de estresse são algumas características.
Na contramão dessa pressa toda, tem aumentado a popularidade do “movimento slow”, que defende a busca por uma vida mais devagar. Um dos paladinos do tema é o jornalista canadense Carl Honoré, que virou defensor de uma vida com menos pressa depois de se ver comprando uma coleção de livros de histórias de um minuto para seus filhos. Ele refletiu que estava abrindo mão de um tempo precioso com as pessoas que realmente importavam para ele, tentando “otimizar” até mesmo o tempo de cuidado e carinho com os próprios filhos. A partir desse insight, ele decidiu escrever o livro “Slow”, mostrando os benefícios de frear um pouco a pressa cotidiana.
Por uma medicina sem pressa e mais atenta
O movimento slow já estava por aí desde antes de Honoré, com origens na Itália, onde chefs buscavam por um modelo de alimentação que funcionasse como contraponto à ditadura do fast food: nascia o “slow food”. Apesar da tradução dar a impressão de “lentidão”, a filosofia slow baseia-se em praticar todas as atividades do dia a dia de forma mais cautelosa, apreciando cada momento e sem a mania de fazer mil coisas ao mesmo tempo.A partir dessa prática, foram criados vários subgrupos, como o slow travel,que convida a apreciar a viagem em todo seu percurso, não apenas em seu destino; oslow pareting,“pais sem pressa”, que focam na desaceleração da rotina das crianças; e até oslow reading,uma leitura pautada nos detalhes de cada informação.
E nessa onda surgiu também o conceito de slow medicine, que aposta na ideia de que as consultas médicas possam ser realizadas com mais conversas e assim, consequentemente, com a menor necessidade de exames, priorizando o diagnóstico clínico. “A slow medicine resgata o tempo como parte essencial da abordagem médica. O tempo para ouvir, a escuta cuidadosa e respeitosa do paciente”, ressalta o geriatra José Carlos Campos Velho, um dos pioneiros a abordar a medicina mais vagarosa aqui no Brasil. “Embora pareça romântico, este é o cuidado médico que aprendemos, e esta deveria ser a maneira pela qual a assistência à saúde deveria ser conduzida habitualmente, não importando a especialidade”, defende ele.
Para Fernando Fernandes, médico analista da Evidências – Kantar Health, essa prática é algo difundido há muito tempo e que deve ser relembrada. “Trata-se de algo que todo médico deveria fazer: ouvir mais, examinar clinicamente mais e pedir menos exames. É como os alunos de medicina aprendem nas escolas, porém, por conta da falta de tempo e do medo de errar, pedem mais exames e examinam menos”, analisa.
Em uma consulta voltada a ouvir as necessidades do paciente, a chance de se pedir exames extras e sem necessidade diminui, facilitando o direcionamento do tratamento. Além disso, essa prática ajuda a melhorar o relacionamento médico-paciente, aumentando os diagnósticos mais assertivos e a confiança da população em seus médicos.
Com a nossa sociedade cada vez mais pautada nas atividades simultâneas e na automatização dos processos em busca de mais eficiência, a atenção direcionada e personalizada se torna um grande diferencial na escolha do atendimento médico, que muitas vezes pode ser feita através de indicações entre os pacientes – segundo o Target Group Index da Kantar IBOPE Media, mais de um quarto do público busca os amigos quando precisa de ajuda com assuntos relacionados a saúde. Além disso, os brasileiros tendem a investir em mais cuidados médicos, com 73% dos entrevistados pelo Target Group Index afirmando que pagariam qualquer preço pela sua saúde. Não é à toa que cada vez mais as terapias e cuidados voltados para um maior zelo com o corpo e a busca por menos pressa crescem em procura, como é o caso da meditação, ioga e cuidados anti-stress. Algumas delas inclusive são oferecidas hoje pelo Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS).
“O movimento slow é o questionamento da velocidade do cotidiano imposto pela modernidade e os benefícios advindos de uma atenção maior à vida presente – no resgate da solidez do momento vivido em detalhes: uma refeição com os amigos, a convivência com a família, uma caminhada num lugar agradável, o mergulhar na escuta de um concerto e nas decisões do cuidar de si próprio e da própria saúde”, destaca Campos Velho.
Fonte: Evidências
- Kantar Health
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