No
torvelinho diário, a pequena política nos consome.
Os
acontecimentos político-criminais do Brasil contemporâneo exaurem a agenda. Não
seria diferente, segundo nossos costumes e o estágio de nossa cultura.
Há
certos fenômenos cuja observação direta nos ofusca. Logo, preferimos ficar
naquele ramerrão. Fenômenos naturais e humanos, ou políticos. Pontuou François
de La Rochefoucauld dois, os quais preferimos não olhar diretamente: o sol e a
morte.
Outro
impõe aos homens deste século iniciar, desde já, um grande plano de
assimilação, no campo econômico, tecnológico e suas consequências filosóficas.
Prefere-se não encará-lo, em qualquer região do mundo, a partir das
consideradas nações desenvolvidas. Existem estudos profundos, que ficam
confinados nos meios acadêmicos; e ações necessárias não são tomadas às
mãos por líderes mundiais, se é que ainda os há.
Falamos
da inteligência artificial, da automação e da robotização. E, principalmente,
de suas repercussões inevitáveis na sociedade humana.
Primeiro,
são eventos distintos, embora oriundos de causas comuns: os esforços bem
sucedidos do homem no campo das ciências e respectivas especializações.
A
automação já provocou sérias greves e conflitos no século XIX e no princípio do
século XX. Foram as máquinas a extinguir postos de trabalho e os trabalhadores,
organizados em seus primeiros e combativos sindicatos, a defender seus lugares
ao sol, dos quais dependiam seu sustento e de suas famílias. Um abjecto ditador
(essas coisas ocorrem), dizia ter implementado, por certo tempo, uma solução,
na China Comunista: apesar de o país dominar em alta escala a automação, não a
introduzia por completo na atividade econômica, para não levar os operários à
ruína provocada pelos extintos salários. Como em outros aspectos daqueles
regimes conflitivos com a democracia, talvez isso seja lenda urbana, jamais
tenha ocorrido. Só propaganda da inteligência do "guia genial e universal
dos povos", tal como os tanques de papel da Praça Vermelha e os segredos
ameaçadores de hoje da Coreia da Norte. Seja como for, o capitalismo sobreviveu
e sobrevive com a automação, em que pesem as altas taxas de desemprego, o mal
estar do universo macroeconômico, devidas a elas e a outros fatores de cada
país.
A
robótica pode estar generalizada. Não o está dado o custo de produção dos
robôs e o pé no freio automático das maiores economias, instintivamente
percepientes de seus problemas. Nesta semana, um prestigioso hospital
paulistano mostra aos médicos a cirurgia robótica. O robô não tem sentimentos e
faz o necessário. Suas mãos não tremem. Não se introjetam espiritualmente na
sorte do paciente. E isso pode ser bom, pragmático. A razão e a ciência
superando as fraquezas, ainda que compreensíveis e generosas, dos humanos em
relação a seus irmãos. Mas o importante é dizer que não é a inteligência
artificial em ação. Os robôs são comandados pelos homens, no exemplo citado
pelos cirurgiões, de seus computadores, do local ou de enormes distâncias.
Maravilha. Um grande cirurgião de São Paulo a comandar um robô no Acre. Porém,
não há robôs suficientes e pessoal da saúde que intermedeie o comando
inteligente do cirurgião virtual sobre a máquina direcionada, no exemplo
citado.
Por
fim, o grande problema, sobre o qual ninguém fixa diretamente suas vistas,
salvo naqueles meios acadêmicos. E a transliteração da filosofia greco-romana
volta com o profundo desenvolvimento das demais ciências. As máquinas agem por
si, pensam por si, talvez um dia falem, sem necessidade de comandos.
Generalizadas, o homem venceu a remissão do pecado de Adão e Eva. Não precisará
mais de seu trabalho físico. E "postos de trabalho", "emprego",
"carteira assinada", coisas para a história.
Ciclicamente,
voltamos a Atenas. O trabalho escravo deixava os cidadãos livres. Para estes,
Aristóteles, vindo não se sabe de que Galáxia, pois influenciou, por perto de
dezesseis séculos, o destino humano, em todas as manhãs, de seu famoso
Liceu, dava aulas aos livres ou libertos, homens e mulheres, de como preencher
seus tempos livres, de modo construtivo e pessoalmente realizador. À tarde se
dedicava aos aprendizes da filosofia e à noite discutia com os doutores. Não
nos reduzimos a Atenas e não temos nenhum Aristóteles.
Se
a riqueza produzida pelas máquinas inteligentes superará a oriunda das mãos dos
homens, todos , desde os primeiros anos, terá um soldo, suficiente para manter
suas vidas em condições de dignidade. Tudo depende de uma política distributiva
mundial. É um dos problemas equiparados ao sol e à morte.
O
outro, mais profundo, está na ocupação do tempo livre. Fala-se de lazer
criativo, dedicação às ciências, às artes, à literatura, à filosofia. Fala-se,
apenas, e, com certeza, o fenômeno nos apanhará de calças curtas. Como sempre,
somos mais reativos que previdentes e propositivos. O problema é emergente. Um
país como o Brasil, de precária educação formal, poderá sofrer muito. Jovens,
sem ocupação, certamente trilharão o caminho das drogas ou das alucinações
ideológicas, como aqueles que são cooptados pelo EL. A essa destruição devemos
opor todos os nossos conhecimentos, hauridos nos séculos passados.
Fazê-los ver que a vida tem um sentido e, como dizia Pessoa, que "o
sentido tem um sentido". O Aristóteles que vemos em atuação chama-se
Domenico De Masi, que já esteve no Brasil a descobrir nossos olhos face a essa
magna questão existencial.
Claro,
há mais homens que, dizia Borges, em número pequeno, cientes do drama, sem o
saber, estão a salvar o mundo. Nosso cotidiano é importante, mas deveríamos dar
um espaço ao que efetivamente nos interessa, num intervalo sem falar de
política e de ladrões.
Amadeu Roberto Garrido de Paula - Advogado e sócio
do Escritório Garrido de Paula Advogados, com uma ampla visão sobre política,
economia, cenário sindical e assuntos internacionais.
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