O consentimento informado deve ser visto como uma
parte essencial da prática médica; a permissão dos pais e o assentimento da
criança é um processo que engaja pacientes, adultos e crianças, nos cuidados de
saúde
É
comum na prática pediátrica examinar crianças pequenas e tratá-las “contra a
sua vontade”. Ao limpar a cera do ouvido, por exemplo, para ver se há uma
infecção, o pediatra não pede a opinião da criança.
Mas,
à medida que elas crescem, como podem e como devem começar a participar da
tomada de decisões médicas? E se eles discordarem de seus pais ou de seus
médicos? Quando eles começam a decidir se querem fazer uma cirurgia eletiva ou
se desejam tomar a medicação para o transtorno de déficit de atenção, se querem
ser submetidos a exames médicos ou tratamentos ou apenas desejam esperar para
ver se seus sintomas desaparecem por conta própria?
A
Academia Americana de Pediatria divulgou uma nova
política sobre o consentimento informado, com um relatório
técnico que acompanha
o documento, analisando a questão do consentimento informado por pacientes
pediátricos. “O documento discute a questão do consentimento informado
formal, mas também a questão do assentimento, sugerindo que mesmo uma criança
de 7 anos de idade pode expressar concordância com o tratamento médico proposto
e que, se a criança for adequadamente informada e envolvida na discussão, isso
pode ‘promover o crescimento moral e o desenvolvimento da autonomia em
pacientes jovens’”, afirma o pediatra e homeopata Moises Chencinski
(CRM-SP 36.349).
Os
novos documentos foram norteados pelo entendimento do neurodesenvolvimento e da
evolução da habilidade de tomada de decisão pelos adolescentes. “O objetivo do
assentimento pediátrico, do ponto de vista do neurodesenvolvimento, é promover
as habilidades de tomada de decisão e construir um crescente senso de
autonomia, à medida que a criança envelhece, de modo que, quando atingirem a
autonomia dos adultos, elas entenderão a complexidade da decisão médica,
estando preparadas para assumi-las”, explica o pediatra, que é membro do
Departamento de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da Sociedade de
Pediatria de São Paulo.
Aviva
Katz, cirurgião pediátrico que é o diretor do Serviço de Consulta Ética do
Hospital Infantil de Pittsburgh, é o autor de ambos os documentos. Katz
defende o seguinte ponto de vista: "você não espera que um adolescente
dirija bem aos 18 anos sem horas de treinamento. Por que você esperaria que
alguém tomasse decisões médicas complexas, com 19 anos, se nunca teve uma
chance de tomá-la em um ambiente mais seguro?".
Poder de decidir
Segundo
as novas diretrizes, quando os assuntos são mais complexos (doenças fatais,
onde recusar o tratamento pode ter consequências mortais), a criança não vai
ser autorizada a opinar, é importante deixar isso claro.
“O
assentimento é reconhecer que a criança é sujeito ativo de seu tratamento. Mas
acolhê-la não significa concordar com todas as suas decisões. O pediatra deve
se esforçar para explicar o tratamento e sua importância, mas a última palavra
não é da criança”, esclarece o médico.
Os
adultos são autorizados a recusar tratamentos ou cirurgias que salvam vidas e a
ignorar os conselhos de seus médicos. Mas eles não são geralmente autorizados a
fazer isso em nome de seus filhos, e há uma abundância de precedentes legais
para anular as preferências religiosas, ordenando as transfusões de sangue ou a
aplicação de medicamentos, mesmo que os pais recusem o tratamento.
“Tomar
decisões médicas complexas, e tomá-las bem, significa lidar com informações
sobre sua doença, sobre as terapias, sobre os riscos, benefícios e efeitos
colaterais”, diz Chencinski. O Canadá não tem uma idade formal
para o consentimento médico, ele e depende, em vez disso, da capacidade
do paciente. Em um estudo, publicado em 2011, pesquisadores canadenses
deram aos adolescentes (de 12 a 16 anos) e a seus pais informações sobre o
tratamento para o transtorno de déficit de atenção - o tipo de informação que
um paciente precisa entender para dar o consentimento informado. Quando
testaram a compreensão e a recordação dos fatos, os adolescentes se saíram tão
bem quanto seus pais.
“Claramente,
uma estratégia medicamentosa é muito mais provável de ser bem sucedida se o
adolescente compra a ideia e coopera com o tratamento. Incluindo o paciente na
discussão, a decisão dele pode ajudar o tratamento. Há estudos que mostram que
muitos pediatras falam diretamente com o pai e não envolvem a criança nesse
processo. Se cultivarmos a prática de incluir as crianças nas conversas
médicas, os adultos jovens terão mais experiência e estarão mais aptos a tomar
parte das decisões”, defende o pediatra.
A
nova declaração de política reconhece várias situações em que os adolescentes
são legalmente capazes de tomar decisões médicas por si próprios, incluindo o
consentimento para o tratamento de questões relacionadas com a saúde sexual,
contracepção e cuidados pré-natais, bem como para a saúde mental e abuso de
substâncias. A justificativa para dar aos adolescentes essa autonomia médica
adicional baseia-se na preocupação de que não receberão tratamento se tiverem
que ter o consentimento dos pais.
Moises
Chencinski defende que mesmo nos casos em que os pais têm o poder de decisão,
“ainda assim é importante envolver o paciente pediátrico, dando às crianças um
pouco mais de liberdade do que o habitual, mas isso pode ser difícil e
assustador para os pais”, diz.
As
novas diretrizes incentivam que os pediatras invistam tempo e incluam as
crianças nas conversas, mas os médicos também devem se lembrar que mesmo as que
têm fortes habilidades cognitivas não necessariamente têm um julgamento maduro
das situações. “É melhor fazer esse processo em etapas, dando às crianças a
oportunidade de começar a tomar decisões médicas, para que comecem a ser parte
dessa discussão”, diz o médico.
Moises
Chencinski
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