Um estudo publicado no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene calculou quantas mortes as fake news sobre a pandemia já causaram mundo afora. Segundo os pesquisadores, só nos primeiros meses do ano, quase 5,8 mil pessoas deram entrada em hospitais por causa de informações falsas recebidas em redes sociais, e pelo menos 800 morreram. Em muitos casos, os óbitos foram por ingestão de metanol ou produtos de limpeza, devido à crença de que esses produtos poderiam curar a Covid-19.
Das mais de 80 fake news recebidas e publicadas
pelo Ministério da Saúde envolvendo o novo coronavírus, cerca de 22% delas
trazem algum alimento mágico capaz de tratar ou prevenir a Covid-19. Agora, o
assunto do momento são as vacinas - quando vão chegar, como são feitas, se
serão eficazes, entre outras informações e desinformações que circulam livres
na internet e se propagam com velocidade maior que o próprio vírus. "As
fake news que circulam na internet podem atrapalhar a imunização coletiva e
atrasar ainda mais a retomada das atividades em todos os setores - o que tem
gerado grande prejuízo para a saúde, a economia, a educação e o
desenvolvimento", afirma Wanda Isabel Vargas Camargo, professora de
Biologia do Colégio Semeador, de Foz do Iguaçu (PR).
Para combater as fake news, ela reuniu um grupo de
professores do mesmo colégio para esclarecer as informações mais compartilhadas
nas redes sociais na última semana sobre as vacinas. São elas:
Vacina da gripe aumenta risco de adoecer por
coronavírus.
Segundo a professora Roberta Carvalho Ferreira,
isso é fake news. "Uma notícia circulou pela internet citando um artigo
científico que diz que vacinação contra a gripe aumenta o risco de complicações
relacionadas ao coronavírus em 36%. Esse artigo mencionado foi publicado em
2017, ano anterior ao surgimento da Covid-19, causada pelo vírus Sars-Cov-2,
que teve seu primeiro caso em humanos registrado em dezembro de 2019. O
objetivo do artigo citado também não era avaliar o risco de complicações por
coronavírus relacionado à vacinação do vírus influenza, e essa nem é a
conclusão dos próprios autores nesse estudo. Não existem estudos
correlacionando vacinação contra o vírus influenza e risco de adoecimento ou
complicações pela doença causada pelo vírus Sars-Cov-2, a Covid-19",
esclarece.
Vacinas são úteis, mas, às vezes, causam mais
doenças do que previnem.
Isso é falso, segundo Wanda. "A vacina injeta
antígenos vivos enfraquecidos, ou parte destes, em nosso organismo, de maneira
que o indivíduo que recebe essa vacina não vá adoecer. A vacina é um tipo de
imunização ativa artificial e faz com que nossas células de defesa reconheçam
aquela parte do micro-organismo e produza uma proteção contra ele. Quando
entramos em contato com a doença, o nosso organismo reconhece e destrói esses
micro-organismos causadores de enfermidades porque ele já está preparado para
combater aquilo", justifica.
Não há evidência de que as vacinas sejam seguras e
eficazes.
Mais uma mentira, de acordo com Wanda. "Para
uma vacina ser comercializada, ela passa por um processo complexo e demorado
para ter certeza de que seja segura e eficaz na hora que chegar no
mercado", explica a professora.
Uma vacina provavelmente estará pronta dentro do
próximo mês.
Infelizmente, não. Wanda esclarece que, depois da
última fase de testes clínicos, à qual se encontram as vacinas mais próximas de
irem para o mercado atualmente, elas ainda devem ser submetidas ao crivo
definitivo das agências reguladoras, que acompanham todas as fases de testagem.
No caso do Brasil, a aprovação é feita pela Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), que vem adotando regras especiais para acelerar os
processos no que se refere ao Covid-19. "A partir desse aceite, a vacina
já pode ser incluída no Programa Nacional de Imunizações do Ministério da
Saúde, um dos maiores do mundo. Porém, as autoridades estimam a vacinação em
massa a partir do final do primeiro trimestre de 2021", revela.
A vacina de Oxford está suspensa por causar reações
adversas nos testes com humanos.
Essa afirmação não é verdadeira, segundo o
professor Rodrigo Vitorassi. "Os testes da vacina contra a Covid-19
desenvolvida em conjunto pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica
AstraZeneca foram suspensos temporariamente, no início de setembro",
afirma. Porém, após a conclusão do procedimento padrão de revisão dos dados de segurança
por um comitê independente, os estudos foram retomados.
A vacina contra a Covid-19 tem uma alta taxa de
mercúrio, o que prejudica a saúde.
A informação alarmante é falsa e gera pânico
desnecessário, segundo Wanda. Ela explica que as vacinas são usualmente
apresentadas em frascos de uma única dose ou em frascos contendo multidoses,
que apresentam vantagens em termo de custo e menor volume para armazenagem. Em
saúde pública são os mais frequentemente empregados. Nesse contexto, o
Timerosal, um conservante que contém cerca de 50% de mercúrio e impede a
contaminação por bactérias, é utilizado na produção de vacinas em frascos
multidoses. "Banido dos produtos médicos brasileiros desde 2001, o
mercúrio do timerosal (etilmercúrio) ainda é usado como agente antisséptico em
frascos multidoses de vacinas internacionais. Porém, não existe evidência que
sugira que a quantidade de timerosal utilizada nas vacinas represente um risco
para a saúde", ressalta. Além disso, a professora afirma que a vacina
contra Covid-19 inicialmente será de dose única, então não terá conservantes.
As vacinas contra a Covid-19 interferem no material
genético.
Segundo Wanda, isso é fake news. "Vacinas
produzidas com DNA e RNA (ácidos nucleicos) não alteram o código genético de
células humanas", garante a professora. Ela explica que a técnica consiste
em inserir uma parte dos genes de um agente patológico em plasmídeos
(fragmentos de DNA circular de bactéria). Esses plasmídios são injetados no
corpo humano e entram nas células, onde passam a reproduzir partes do agente
causador da doença, produzindo assim, uma resposta imunológica do organismo.
"O código genético modificado é o de uma molécula de uma bactéria, não o
de um ser humano", esclarece. Das 168 vacinas sendo testadas até o momento
contra a Covid-19, 37 usam essa técnica, segundo a Organização Mundial da
Saúde. Entre as vacinas que já estão entrando na terceira fase de testes,
apenas uma, desenvolvida pela farmacêutica Moderna usa essa tecnologia, e está
sendo testada nos Estados Unidos.
Fetos estão sendo utilizados na produção de
vacinas. Portanto, as vacinas estimulam o aborto.
Wanda desmente essa afirmação: "isso é uma
mentira criada a partir de uma verdade. Portanto, “fake news".
A professora explica que o desenvolvimento de vacinas realmente pode envolver o
uso de culturas de células obtidas de tumores ou de fetos humanos que foram
abortados. "Essas culturas são essenciais para esse tipo de trabalho
porque os pesquisadores precisam de células às quais um vírus possa infectar e
se reproduzir", detalha. A primeira vacina desenvolvida assim foi a contra
poliomielite, nos anos 1970. Desde então, ela tem sido reproduzida em
laboratório e vendida para pesquisadores de todo o mundo. "As culturas de
células estiveram envolvidas na produção de algumas das principais vacinas que
temos disponíveis hoje, como para rubéola, catapora e hepatite A", conta a
professora Wanda. A revista Science aponta que, em ao menos cinco das
candidatas a vacina contra a Covid-19, utilizam essas culturas nas pesquisas.
"Importante ressaltar que não estão sendo feito abortos para produzir
vacinas. As culturas utilizadas foram produzidas em 1970 e 1985. As células
dessas culturas são utilizadas para que os vírus consigam se reproduzir. Depois
disso, esses vírus são separados e, somente eles são utilizados na produção da
vacina", esclarece.
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