O
impacto da covid-19 na assistência em saúde da população acende um novo alerta
para o País. A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) aponta que nos dois
últimos anos houve queda significativa no número de registros de novos casos de
hanseníase no Brasil. Enquanto em 2019, o Brasil totalizou 27,8 mil
notificações no exercício seguinte (2020) esse número caiu para 17,9 mil, o que
significou uma redução de 35%. Em 2021, essa quantidade recuou ainda mais:
foram identificados 15,1 mil novos casos (45% a menos do que no período
pré-pandêmico).
A
partir de dados oficiais disponíveis no Ministério da Saúde, é possível traçar
um perfil dos novos casos da doença nos últimos anos. De 155.359 notificações
de 2016 a 2020, 55,5% dos registros corresponderam ao sexo masculino. Em
relação à faixa etária dos afetados, 18% tinham entre 40 e 49 anos; 19%, de 50
a 59 anos e 16% correspondem a pessoas com idade entre 30 e 39 anos.
Outro
dado importante é o nível de escolaridade dos pacientes. A hanseníase não tem
nenhuma relação direta com o grau de instrução dos afetados, no entanto, esse
indicativo acarreta uma série de fragilidades sociais que favorecem o contágio
da doença, como a precariedade em habitação, falta de informação e dificuldade
de acesso aos sistemas de saúde.
Entre
2016 e 2020, de 103,4 mil pessoas que relataram dados sobre grau de ensino,
51.789 tinham o Ensino Fundamental Incompleto, o que corresponde a 50% do
total. Em contrapartida, apenas 4,6% dos casos tinham nível superior completo,
um total de 4.824 pessoas.
A
divulgação deste levantamento feito com base em dados oficiais do Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde ocorre às
vésperas dos Dias Nacional e Mundial de Combate e Prevenção à Hanseníase, que
serão comemorados neste ano em 29 e 30 deste mês. As datas encerram as
atividades do Janeiro Roxo, mês em que o Governo, com o apoio da SBD, promove
ações de conscientização sobre essa doença.
Para os especialistas da SBD, os números registrados em 2020 e 2021 sugerem que muitos casos de hanseníase continuam sem diagnóstico. Consequentemente, pessoas infectadas, mas sem tratamento, correm o risco de transmitir a doença para outros indivíduos de seu círculo próximo e têm maiores possibilidades de desenvolver sequelas. O quadro abaixo revela queda significativa no registro de novos casos de hanseníase em todos os estados país e no Distrito Federal durante a pandemia.
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“Ao contrário do que poderia parecer, o fato das estatísticas indicarem uma queda acentuada no número de novos casos em 2020 e 2021 não indica que o Brasil está avançando na luta contra a hanseníase. Infelizmente a realidade é bem diferente. Isso indica que há grande subnotificação no País, o que pode impactar no esforço que tem sido realizado ao longo das últimas décadas. Nos preocupa muito a possibilidade de que mais pessoas estejam sendo afetadas e que outras tantas, mesmo depois de curadas, não tenham acesso às assistências médica e fisioterápica continuadas para o tratamento das sequelas da doença”, ressalta o vice-presidente da SBD, Heitor de Sá Gonçalves.
Mesmo
sem estudos específicos que ajudem a traçar o cenário, para a SBD a covid-19
tem um papel importante no processo. A coordenadora do Departamento de
Hanseníase da entidade, Sandra Durães, lembra que a pandemia gerou dois
fenômenos que contribuíram para a queda no volume de notificações. “Em primeiro
lugar, houve mudança no fluxo de funcionamento dos serviços de saúde, que
reduziram sua rotina de atendimento e passaram a dar prioridade aos casos de
coronavírus. Em segundo lugar, a população, mesmo com sinais e sintomas de
adoecimento, evitou a busca de ajuda médica com medo de estar em ambientes onde
supõe que o risco de contágio pela covid-19 é maior”, aponta.
Além
dessas questões diretamente relacionadas à pandemia, outros fatores têm
prejudicado o combate à hanseníase. Apesar de todos os esforços do Governo, da
Sociedade Brasileira de Dermatologia e de vários outros movimentos organizados,
esse problema ainda integra o rol das doenças consideradas negligenciadas. Isso
se reflete na aposta limitada de alguns gestores na formação adequada das
equipes que atuam nos postos de saúde e no baixo investimento da indústria
farmacêutica na produção de medicamentos para tratar os casos diagnosticados.
Historicamente
estigmatizada, a hanseníase acometeu 334.772 pessoas nos últimos 11 anos no
Brasil, principalmente nos estados do Nordeste (142.555 casos, ou seja, 42% do
volume que consta nas bases oficiais). Esse número mantém o País em segundo
lugar no ranking mundial de casos da doença, atrás apenas da Índia. A maioria
dos pacientes notificados no Brasil são homens (55% dos casos registrados no
SUS); se divide nas faixas etárias de 50 a 59 anos (18,4% do total registrado)
e 40 a 49 anos (18,2%).
“O
enfrentamento da hanseníase deve ser um compromisso de todos nós. Especialmente
por se tratar de um problema de saúde pública que se identificado de forma
precoce é curável com tratamento simples e barato. Estamos falando de milhares
de pessoas que podem ter suas vidas transformadas se os gestores, a indústria,
os profissionais da saúde e a população unirem suas forças”, destacou Mauro
Enokihara, presidente da SBD.
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