quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Pandemia provoca queda significativa no total de notificações de casos novos de hanseníase no País


O impacto da covid-19 na assistência em saúde da população acende um novo alerta para o País. A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) aponta que nos dois últimos anos houve queda significativa no número de registros de novos casos de hanseníase no Brasil. Enquanto em 2019, o Brasil totalizou 27,8 mil notificações no exercício seguinte (2020) esse número caiu para 17,9 mil, o que significou uma redução de 35%. Em 2021, essa quantidade recuou ainda mais: foram identificados 15,1 mil novos casos (45% a menos do que no período pré-pandêmico). 

A partir de dados oficiais disponíveis no Ministério da Saúde, é possível traçar um perfil dos novos casos da doença nos últimos anos. De 155.359 notificações de 2016 a 2020, 55,5% dos registros corresponderam ao sexo masculino. Em relação à faixa etária dos afetados, 18% tinham entre 40 e 49 anos; 19%, de 50 a 59 anos e 16% correspondem a pessoas com idade entre 30 e 39 anos. 

Outro dado importante é o nível de escolaridade dos pacientes. A hanseníase não tem nenhuma relação direta com o grau de instrução dos afetados, no entanto, esse indicativo acarreta uma série de fragilidades sociais que favorecem o contágio da doença, como a precariedade em habitação, falta de informação e dificuldade de acesso aos sistemas de saúde. 

Entre 2016 e 2020, de 103,4 mil pessoas que relataram dados sobre grau de ensino, 51.789 tinham o Ensino Fundamental Incompleto, o que corresponde a 50% do total. Em contrapartida, apenas 4,6% dos casos tinham nível superior completo, um total de 4.824 pessoas. 

A divulgação deste levantamento feito com base em dados oficiais do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde ocorre às vésperas dos Dias Nacional e Mundial de Combate e Prevenção à Hanseníase, que serão comemorados neste ano em 29 e 30 deste mês. As datas encerram as atividades do Janeiro Roxo, mês em que o Governo, com o apoio da SBD, promove ações de conscientização sobre essa doença. 

Para os especialistas da SBD, os números registrados em 2020 e 2021 sugerem que muitos casos de hanseníase continuam sem diagnóstico. Consequentemente, pessoas infectadas, mas sem tratamento, correm o risco de transmitir a doença para outros indivíduos de seu círculo próximo e têm maiores possibilidades de desenvolver sequelas. O quadro abaixo revela queda significativa no registro de novos casos de hanseníase em todos os estados país e no Distrito Federal durante a pandemia. 

Estado e Região

2019

2020

2021

Região Norte

5261

3278

2822

.. Rondônia

465

352

318

.. Acre

110

83

99

.. Amazonas

407

240

286

.. Roraima

87

39

43

.. Pará

2.548

1.643

1.370

.. Amapá

117

63

31

.. Tocantins

1.527

858

675

Região Nordeste

11.561

7.631

6.648

.. Maranhão

3.189

1.891

1.658

.. Piauí

877

534

505

.. Ceará

1.575

1.149

1033

.. Rio Grande do Norte

192

195

163

.. Paraíba

616

399

336

.. Pernambuco

2.517

1.591

1.276

.. Alagoas

282

218

229

.. Sergipe

323

249

217

.. Bahia

1990

1.405

1231

Região Sudeste

3.729

2.578

2.307

.. Minas Gerais

1.108

749

711

.. Espírito Santo

508

304

259

.. Rio de Janeiro

931

579

568

.. São Paulo

1.182

946

769

Região Sul

806

558

527

.. Paraná

571

388

343

.. Santa Catarina

143

106

108

.. Rio Grande do Sul

92

64

76

Região Centro-Oeste

6.506

3.934

2.847

.. Mato Grosso do Sul

493

265

222

.. Mato Grosso

4.424

2.519

1.7326

.. Goiás

1.421

932

767

.. Distrito Federal

168

218

126

Total

27.863

17.979

15.151


“Ao contrário do que poderia parecer, o fato das estatísticas indicarem uma queda acentuada no número de novos casos em 2020 e 2021 não indica que o Brasil está avançando na luta contra a hanseníase. Infelizmente a realidade é bem diferente. Isso indica que há grande subnotificação no País, o que pode impactar no esforço que tem sido realizado ao longo das últimas décadas. Nos preocupa muito a possibilidade de que mais pessoas estejam sendo afetadas e que outras tantas, mesmo depois de curadas, não tenham acesso às assistências médica e fisioterápica continuadas para o tratamento das sequelas da doença”, ressalta o vice-presidente da SBD, Heitor de Sá Gonçalves. 

Mesmo sem estudos específicos que ajudem a traçar o cenário, para a SBD a covid-19 tem um papel importante no processo. A coordenadora do Departamento de Hanseníase da entidade, Sandra Durães, lembra que a pandemia gerou dois fenômenos que contribuíram para a queda no volume de notificações. “Em primeiro lugar, houve mudança no fluxo de funcionamento dos serviços de saúde, que reduziram sua rotina de atendimento e passaram a dar prioridade aos casos de coronavírus. Em segundo lugar, a população, mesmo com sinais e sintomas de adoecimento, evitou a busca de ajuda médica com medo de estar em ambientes onde supõe que o risco de contágio pela covid-19 é maior”, aponta. 

Além dessas questões diretamente relacionadas à pandemia, outros fatores têm prejudicado o combate à hanseníase. Apesar de todos os esforços do Governo, da Sociedade Brasileira de Dermatologia e de vários outros movimentos organizados, esse problema ainda integra o rol das doenças consideradas negligenciadas. Isso se reflete na aposta limitada de alguns gestores na formação adequada das equipes que atuam nos postos de saúde e no baixo investimento da indústria farmacêutica na produção de medicamentos para tratar os casos diagnosticados. 

Historicamente estigmatizada, a hanseníase acometeu 334.772 pessoas nos últimos 11 anos no Brasil, principalmente nos estados do Nordeste (142.555 casos, ou seja, 42% do volume que consta nas bases oficiais). Esse número mantém o País em segundo lugar no ranking mundial de casos da doença, atrás apenas da Índia. A maioria dos pacientes notificados no Brasil são homens (55% dos casos registrados no SUS); se divide nas faixas etárias de 50 a 59 anos (18,4% do total registrado) e 40 a 49 anos (18,2%). 

“O enfrentamento da hanseníase deve ser um compromisso de todos nós. Especialmente por se tratar de um problema de saúde pública que se identificado de forma precoce é curável com tratamento simples e barato. Estamos falando de milhares de pessoas que podem ter suas vidas transformadas se os gestores, a indústria, os profissionais da saúde e a população unirem suas forças”, destacou Mauro Enokihara, presidente da SBD.


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