É inegável dizer que as mídias sociais perpetuam os padrões de estética que são estabelecidos pela sociedade. A Internet é capaz de destacar as insatisfações individuais ao mesmo tempo que propõe meios de consumo para tamponar faltas subjetivas.
Essa
estrutura virtual que se formou ao longo dos anos com a globalização e o avance
de ferramentas tecnológicas têm influenciado nos modos de subjetivação. As
mídias sociais possibilitaram novas formas de contato social, embora tenha
trazido aspectos positivos para as interações humanas, houve uma mescla de
conteúdos que antes eram restritos ao espaço privado do sujeito e agora são
expostos publicamente com o intuito de aceitação social, desse modo, levanta-se
o questionamento de que uso de redes sociais pode ocasionar um impacto negativo
a autoestima. De acordo com um estudo de 2015 do Escritório Nacional de
Estatísticas do Reino Unido, 27% dos adolescentes que usam mídias sociais por
mais de 3 horas por dia apresentam sintomas de problemas de saúde mental.[1]
O
desejo pelo imperecível é inerente ao ser humano de todos os tempos, que busca
em diferentes expressões de cultura meios de exceder seu alcance corporal para
além da finitude biológica[2]
(Herrera, Moreno M. 2020, p. 9). Nessa perspectiva, observa-se uma extensão de
perturbações comportamentais relacionadas aos padrões de beleza vinculados nas
redes sociais. A busca pelo corpo perfeito e pelo rosto cada vez mais longe do
natural, fazem com que os indivíduos se sintam hostilizados por não se
encontrarem dentro deste parâmetro e, consequentemente adentram em situações
que os colocam na posição de vítima desse sistema, que de acordo com J. Bayley
podemos classificar vítima aquele sujeito que sofre perda ou afetação
significativa, injusta ou indesejável em seu bem-estar[3].
Para
exemplificar esta problemática, menciona-se o Brasil, que se tornou o país em
que mais realiza cirurgias plásticas no mundo, ultrapassando os Estados Unidos.
Os dados são de uma pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica
Estética (ISAPS), divulgada em dezembro de 2019. De acordo com o levantamento,
em 2018, foram registradas mais de 1 milhão 498 mil cirurgias plásticas
estéticas no país, além de mais de 969 mil procedimentos estéticos
não-cirúrgicos, dentre os procedimentos mais buscados estão as próteses
mamárias, lipoaspiração e abdominoplastia[4].
Essas
condutas podem ser analisadas pela ótica da vitimologia, pois quando o
indivíduo se expõe a uma cirurgia plástica em certo nível se comporta como
vítima, pois assume condutas de auto-puesta em risco. Ao se submeter a
procedimentos meramente estéticos, sofre mutilações em seu corpo pelo objetivo
de expor a faceta do seu eu egótico nas plataformas virtuais, realizando
performances para receber aprovação dos espectadores com likes, e de forma
textual através dos comentários[5],
porém, sem a reflexão aprofundada de que o desejo de modificar o corpo, que até
então é percebido como individual, é reflexo das pressões sociais que cultivam
ideais de beleza e de enquadramento a uma norma.
O
sujeito aliena-se a esses padrões e perde o sentido de autoproteção e tutela de
si próprio, gerando uma ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, e
colocando em risco o bem jurídico mais importante protegido pela norma legal
que é a vida.
Recentemente,
em 24 de janeiro de 2021, uma influencer brasileira veio à óbito após
complicações de uma lipoaspiração realizada naquele mesmo mês[6].
As mídias sociais dão facilidades aos influenciadores de tornarem suas
plataformas rentáveis, em contrapartida eles precisam estar sempre fomentando a
necessidade de consumo ao público.
Com
isso, demonstra-se que “ídolos “e “influenciadores”, mesmo com a capacidade de
persuadir seus espectadores, transitam também como vítimas dentro desse
espectro consumista e de exploração.
O
caso da influenciadora citada acima reflete o paradigma de que os
influenciadores também precisam se enquadrar na estética convencionada para
fins de exposição e evidência, mobilizando insatisfações subjetivas e
oferecendo respostas imediatas para estas questões, o influencer cumpre assim o
seu papel de instigar o consumo. Percebe-se então um ciclo de retroalimentação,
público e pessoas com ascensão digital são instrumentos da lógica de consumo
reproduzida pelas mídias sociais.
O
corpo ocupa um lugar de destaque nesse contexto, fato reforçado pelas
propagandas e pelo discurso midiático, que se encarregam de criar necessidades,
prometendo “soluções milagrosas” por meio de produtos anunciados, constituindo
estilos de vida baseados numa falsificação espetacular, isto é, da sociedade do
espetáculo (FRIDMAN, 1999)[7].
Emanuela de Araújo Pereira
- advogada, bacharel em direito pela Universidade Católica de Brasília,
especialista em direito penal e processo penal pela ATAME, mestranda em direito
penal e ciências criminais pela Universidade de Sevilla – Espanha.
Marcela de Araújo Pereira -
psicóloga, graduada pela Universidade Católica de Brasília, especialista em
psicopedagogia Clínica e Institucional no Instituto Tratos e especialista e
Avaliação Psicológica pelo Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG).
[1] https://www.bbc.com/portuguese/geral-43910129
[2] Herrera Moreno, M. (2020). Eróstrato en Instagram. Selfies extremos,
retos virales, violencia auto-grabada y otras performaciones egóticas en
culturas de ocio desviado Revista Electrónica de Criminología, 03-03, 1-33.
[3]Bayley J.E. (1991) The Concept of Victimhood. In: Sank D., Caplan D.I.
(eds) To Be a Victim. Springer, Boston, MA. https://doi.org/10.1007/978-1-4899-5974-4_4
[4] http://www2.cirurgiaplastica.org.br/blog/2020/02/13/lider-mundial/
[5] Herrera Moreno, M. (2020). Eróstrato en Instagram. Selfies extremos,
retos virales, violencia auto-grabada y otras performaciones egóticas en
culturas de ocio desviado Revista Electrónica de Criminología, 03-03, 1-33.
[6] https://emais.estadao.com.br/noticias/gente,morre-influenciadora-digital-devido-complicacoes-de-cirurgia-plastica,70003592932
[7] FRIDMAN, L. C. Vertigens Pós-Modernas. Lua Nova, São Paulo, n. 47, p.
157-177, 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário