O desejo de ser livre e o desejo de viver em sociedade são duas vontades e dois objetivos inerentes à condição humana, em qualquer lugar do mundo e em qualquer cultura. Quando indivualmente ou em grupo o homem aceita abrir mão de sua liberdade, seja para perdê-la parcialmente ou totalmente, em geral o faz em obediência a uma força capaz de obrigá-lo ou por ser um meio de garantir sua sobrevivência. Dessa premissa, mas não só dela, deriva o poder.
Qual a definição de poder? Em essência, poder é a
capacidade de decidir, impor e determinar as ações de outrem, com o direito ou
a força para punir em caso de desobediência. No Estado de Direito, o poder
deriva da lei. Na Ditadura, o poder deriva da força armada. Mas não é só isso.
Alguém somente tem poder se dispuser dos meios de ação que o torne efetivo,
isto é, que seja obedecido. As fontes do poder são várias, mas há três que se
destacam.
A primeira, não necessariamente por ordem de
importância, é o “poder das ideias”. A ideia é uma formulação composta dos
elementos conceituais e descritivos de uma ação real, seja um ato físico (como
produzir um bem ou serviço, ou castigar alguém) ou um comportamental (como o
jeito de se portar em um ambiente, votar em alguém). Uma vez que a ideia
formulada seja explicada, ela tem o poder de convencer se for dotada dos
componentes capazes de convencer o ser humano.
Nesse sentido, o “poder das ideias” é um poder
intelectual. Quase tudo o que acontece no mundo, uma guerra ou revolução, nasce
primeiro no intelecto de uma pessoa ou de um grupo. A revolução soviética de
1917, por exemplo, não foi obra de operários, como queria Marx; foi uma
revolução de intelectuais. Lenin, Stálin, Trotsky, só para citar os mais
proeminentes, nunca foram operários. Eram intelectuais marxistas e revolucionários
bolcheviques.
A segunda fonte do poder é o “dinheiro”. Em uma
economia de mercado, aquele que contrata alguém para fazer algo consegue seu
intento porque paga. Ou seja, um empresário ou o comprador de qualquer coisa
leva o outro a produzir um bem ou serviço mediante remuneração. É um poder
econômico, que responde pela maior parte de tudo o que é fabricado no mundo. O
próprio Estado e o governo exercem em esse poder em larga escala. Eu não
executo tal ou qual serviço porque sou obrigado. Executo porque meu patrão ou
meu cliente assim o quer, e é de meu interesse atendê-lo.
A terceira fonte é o “poder de intimidar”. Ou seja,
o poder das armas, da força. É o caso da força policial. Lembro a história de
Cassius Clay (1942-2016), o grande pugilista norte-americano, o melhor do boxe
em todos os tempos. Ele fora convocado pelo exército para lutar na Guerra do Vietnã,
recusou-se a ir para a guerra e, em junho de 1967, foi condenado a cinco anos
de prisão e perdeu todos seus títulos. Quantos jovens somente foram à guerra
para não ir à prisão?
Os liberais em economia e em política defendem que
é possível alcançar os dois objetivos, portanto, é possível ser livre e viver
em sociedade, e mais: a ordem liberal é a organização social mais adequada para
cumprir quatro objetivos principais: o respeito à condição humana; o
desenvolvimento das potencialidades individuais; a prosperidade material; e a
justiça social. Liberdade é a ausência de coerção de indivíduos sobre
indivíduos.
O poder das ideias (um poder intelectual) e o poder
do dinheiro (transações livres no mercado) não são fontes coercitivas, pois não
podem obrigar a quem não queira agir conforme o que se lhe ordena. A coerção
existe quando os indivíduos são levados, sob algum tipo de pressão, a
colocar-se a serviço de interesses alheios e, portanto, em detrimento dos seus
propósitos e interesses pessoais, como bem lembrou o grande Friedrich Hayek
(1899-1992), aduzindo: “A coerção é má porque anula o indivíduo como ser que
pensa, avalia e decide, já que o transforma em mero instrumento dos interesses
e fins de outrem”.
Esse tema me surgiu lendo as polêmicas envolvendo
Brasil e China no episódio da importação de insumos para as vacinas contra o coronavírus.
A China é um país comunista, um regime político ditatorial, com informação e
opinião controladas pelo Estado e, embora com enclaves capitalistas e
determinadas zonas de liberdade, está longe de ser uma democracia e uma
economia de mercado. Mas o Brasil resolveu que isso é o direito de
autodeterminação da China e estabeleceu amplas relações comerciais com aquele
país, como se pode ver pela expansão do comércio bilateral entre os dois países
nos últimos 40 anos.
A política comercial da China atual tem origem em
1979, ano em que Deng Xiaoping (1904-1997) tornou-se o líder supremo do país.
Disposto a fazer reformas liberalizantes e determinado a promover o crescimento
econômico a taxas elevadas, Deng Xiaoping assustou seu próprio povo com abertura
comercial exterior e reformas econômicas internas. Quando indagado sobre o que
pretendia, ele respondia com uma só frase: enriquecer o país rapidamente.
Na prática, era um plano para reduzir a imensa
pobreza chinesa, que aliás persiste até hoje para amplas faixas da população (a
população chinesa anda perto de 1,4 bilhão, equivalente a 6,5 vezes a população
brasileira). Questionado se as reformas inspiradas pelo capitalismo não
agrediam o ideário político comunista, Xiaoping respondeu: “Não importa a cor do
gato, desde que ele agarre o rato”. Então, a China escolheu um caminho e
persiste nele até hoje.
O problema do Brasil é esse vai-e-vem sobre a
política externa, conforme o governante de plantão, e essa mania de qualquer
político iletrado, sobretudo no poder federal, se achar no direito de usar os
holofotes para dar palpite e criticar – ou elogiar – governos estrangeiros, sem
se dar conta que, na diplomacia internacional, qualquer frase mal colocada cria
um monte de problemas e melindres. Voltarei ao assunto, mas fico me indagando
quantos de nossos políticos, sobretudo no parlamento federal, têm conhecimento
sobre ciência política e o esquema do poder internacional, suficiente para
serem autoridade no que falam.
José
Pio Martins - economista, reitor da Universidade Positivo.
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