Tecnologia em desenvolvimento na USP promete levar mais segurança ao paciente que precisa ser operado, além de tornar o procedimento mais rápido e prático para os profissionais da saúde
Pesquisadores
da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP estão desenvolvendo um robô
para ser utilizado durante cirurgias realizadas em crianças que sofrem de
epilepsia, um dos problemas neurológicos mais frequentes na infância. Na
maioria dos casos, a crise convulsiva é tratada com remédios, mas cerca de 25%
dos pacientes não respondem ao tratamento clínico. A nova máquina vai auxiliar
os médicos a inserirem eletrodos no crânio daqueles que apresentam esse
problema de saúde para que o cérebro possa ser monitorado durante uma crise.
Com a tecnologia, a operação se tornará muito mais segura, rápida e eficiente
do que aquelas realizadas hoje em dia nos hospitais.
O novo "robô-neurocirurgião'' está sendo construído e testado dentro de um
dos hangares do Departamento de Engenharia Aeronáutica (SAA) da EESC. O
professor Glauco Caurin, docente da Escola e coordenador do projeto, explica
que o equipamento, geralmente utilizado na fabricação de aviões, agora está
sendo adaptado para auxiliar profissionais da saúde. Na prática, a partir de
imagens em 3D do cérebro do paciente recebidas online, a máquina irá auxiliar
os profissionais de saúde a interpretá-las e a calcular exatamente onde os
eletrodos devem ser inseridos, posicionando uma ferramenta tubular na cabeça da
criança para que a equipe médica coloque os sensores. Uma forma colaborativa de
trabalho entre o robô e o cirurgião.
“O robô conta
com câmeras e sensores de distância. Um sistema de inteligência artificial
analisa as imagens, os dados captados e mapeia os pontos para inserir os
eletrodos. O médico vai ter um guia. Não tem erro. É mais segurança para as
crianças que passam por esse tipo de procedimento”, comemora o engenheiro. Com
o robô, o procedimento cirúrgico também será bem mais rápido. Hoje em dia, as
tarefas realizadas durante a operação são executadas majoritariamente de forma
manual pelos médicos, que contam apenas com alguns programas de computador
limitados para auxiliá-los.
O professor Hélio Machado, docente do Departamento de Cirurgia e Anatomia da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, instituição parceira no
estudo, explica que lesões cerebrais ocorridas de forma precoce, ainda durante
a formação do órgão, estão entre as principais causas de convulsões em
crianças: “Essas lesões levam ao mau funcionamento de parte do cérebro, que se
torna gerador de crises convulsivas. Nesses casos, é preciso descobrir o local
exato onde a crise começa e para onde ela se propaga. Atualmente, a melhor
forma de se estudar cada caso é inserindo no crânio do paciente de 5 a 15
eletrodos, que são conectados a um sistema de monitoramento”, explica.
Para criar a nova tecnologia, os pesquisadores importaram da Alemanha um braço
mecânico articulado de última geração com aproximadamente 1,6m e 45 kg, o qual
será controlado por códigos computacionais que estão sendo desenvolvidos na
EESC. “Estamos aplicando na neurocirurgia sistemas criados para diferentes
áreas e adaptando softwares já disponíveis no mercado, alguns desenvolvidos por
universidades brasileiras, para deixar o custo de produção mais barato e,
consequentemente, a inovação mais acessível para os hospitais”, explica o
docente da EESC.
Como neste tipo de cirurgia há várias etapas, a proposta é que no futuro o robô seja programado para realizar diferentes ações durante o procedimento. O equipamento tem um encaixe na ponta para que diversos instrumentos médicos sejam acoplados e, durante a operação, o médico poderá alterar as ferramentas de acordo com a tarefa que deseja realizar. “Ele mostra um QR Code para o robô identificar qual utensílio ele está recebendo naquele momento. A cada avanço de etapa, o médico aperta botões de comando. É bem simples, mas os profissionais vão precisar de uma capacitação”, pondera Glauco.
A parceria entre EESC e FMRP começou em 2014, quando o professor Hélio entrou
em contato com Glauco após voltar de uma viagem a trabalho, onde esteve com o
Chefe de Neurocirurgia Pediátrica do Hospital da Fundação Rothschild, em Paris,
na França, que também se dedicava a cirurgias de epilepsia na infância e foi
pioneiro no uso de robôs em 2009. Durante a visita, Hélio teve a oportunidade
de conhecer a fábrica da empresa que produziu o primeiro robô neurocirúrgico do
mundo e voltou animado para o Brasil com a possibilidade de desenvolver algo
por aqui.
“Eu fiquei muito interessado. Não conhecia o professor Glauco pessoalmente, mas
já havia visto apresentações de alguns alunos dele em congressos estudantis
sobre braços robóticos. Entrei em contato com ele e, em 2016, nós fizemos o
primeiro workshop sobre cirurgia robótica em São Carlos. Foi aí que as coisas
realmente começaram a se desenvolver”, lembra. Atualmente, as equipes trabalham
de forma bem próxima, apesar do isolamento imposto pela pandemia da Covid-19.
“Nós queremos identificar quais são os desafios e como a gente pode ajudar a
solucionar essas dificuldades”, ressalta Glauco.
Pelo menos
metade das mais de duas mil crianças atendidas pelo Hospital das Clínicas (HC)
da FMRP, em Ribeirão Preto, onde há um setor dedicado exclusivamente à
abordagem de epilepsia, podem ser beneficiadas com o novo robô-assistente. “O
trabalho com grupos de outras áreas do conhecimento permite um avanço
tecnológico espetacular para o nosso país, evitando a importação de
equipamentos que às vezes são extremamente caros. A cirurgia robótica em nosso
meio tem todas as condições de ser muito bem-sucedida, trazendo benefícios
incalculáveis aos nossos pequenos pacientes”, comemora Hélio.
Desde a década de 80, a tecnologia vem avançando muito na área e proporcionando
a produção de robôs que podem colaborar com a medicina. Ainda não existem
máquinas 100% autônomas para operar pacientes e nem esse é o objetivo dos
pesquisadores de São Carlos. “Nós queremos otimizar algumas habilidades
preciosas dos humanos para cansar menos esses profissionais. O robô é um
assistente que não vai tirar a profissão do enfermeiro, do técnico de
enfermagem ou do instrumentador, muito menos dos médicos”, ressalta Glauco.
A tecnologia em desenvolvimento na EESC tem sido testada por meio de simulações
em crânios artificiais, visando identificar eventuais erros do sistema e prever
todos os problemas que podem surgir no momento da cirurgia. Segundo o professor
da EESC, a segurança do robô precisa ser rigorosa, pois a máquina vai lidar com
vidas. “Do ponto de vista de engenharia, as técnicas de controle que nós
utilizamos são as melhores disponíveis atualmente no planeta. Antes da
conclusão de testes exaustivos, o robô não será levado para os hospitais”,
garante o coordenador do estudo. Os especialistas esperam que no segundo
semestre deste ano seja possível iniciar uma fase de testes com pacientes.
Os primeiros
resultados da pesquisa já estão sendo compilados e preparados para publicação
em revistas científicas internacionais. Os estudos sobre cirurgia robótica no
Brasil, entretanto, ainda são muito recentes. “Nós estamos começando a desenvolver
essa área no país e estamos empolgados, mas ainda há muito pela frente”,
explica Glauco. A pesquisa, que contou com financiamento da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP), envolve alunos de graduação, mestrado e doutorado da
USP. No futuro, os cientistas pretendem criar sistemas que interpretem
dados captados pelos eletrodos e implantar no equipamento tecnologias para que
ele reconheça gestos e trabalhe com Realidade Aumentada.
Texto e
fotos: Assessoria de Comunicação da EESC/USP
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