Por mais que se busque ocultar a
influência do professor sobre seus alunos, por mais que Paulo Freire dissimule
aquilo que realmente acontece nas salas de aula quando o adulto que sabe mais
fala quase todo o tempo, marca a presença e dá nota, a realidade sai pelos
corredores tão logo termina a classe. E essa realidade indica a influência do
professor, num "saber" que se nivela pelo dele. Durante as recentes
invasões de prédios escolares, vazaram cenas em que pequenos grupos (sempre
foram praticadas por pequenos grupos, aquelas invasões) apareciam reunidos com
um professor "trocando opiniões" e "construindo saberes". O
fato de que, ao final, esses saberes e opiniões coincidissem com os do
professor deve ser mera coincidência... Ou, então, nem isso, tornando-se mera
obediência, como nos tantos casos em que os invasores, indagados por alguém,
com uma câmera diante de si, não sabiam o que dizer sobre os motivos que os
haviam levado a invadir a escola onde estudavam.
É
inevitável que seja animada por um sentimento de ira a mente juvenil
insistentemente estimulada a ver o mundo com olhos de oprimido, exposta à ideia
ou à figura real de um suposto opressor indicado como causa de tantos males
quantos se lhe possa atribuir. O trabalho anterior faz parte da
"conscientização". A ira gera energia para a práxis. Che Guevara, por
quem Paulo Freire nutria inequívoca estima e reverência, bebia dessa ira sem
rolha nem dosador:
“Ódio como elemento de luta; ódio cruel
do inimigo, impelindo-nos acima e além das limitações naturais das quais o
homem é herdeiro e transformá-lo numa efetiva, violenta, seletiva e fria
máquina de matar.” (Trecho da Mensagem de Che à Tricontinental)
Por mais que o patrono vá em frente,
falando sobre sentimentos nobres, a raiva é uma brotação que, em mentes
imaturas, vai da interjeição mais desbocada à vidraça quebrada. Quando sai
barata. E note-se que Paulo Freire sai em busca de exemplos ainda mais
extremos, como os que foram da ira à luta armada. Entre eles, o comandante
Fidel. Seria Fidel um pedagogo, na perspectiva de Paulo Freire? Teria Fidel
algo a ver com esse professor que, supostamente, constrói seu odiozinho junto
com os alunos? Parece que sim.
"A liderança de Fidel Castro e de seus
companheiros, na época chamados 'aventureiros irresponsáveis' por muita gente,
liderança eminentemente dialógica, se identificou com as massas submetidas a
uma brutal violência, a violência de Batista. Com isso não queremos afirmar que
esta adesão se deu tão facilmente. Exigiu o testemunho corajoso, a valentia de
amar o povo e por ele sacrificar-se." Pedagogia do oprimido (ed. Paz e Terra, p. 94, ano 1994).
Sem comentários a esse suposto amor e
sacrifício! Mas, diga-se de passagem, usar os seis anos da ditadura de Batista
para justificar a ditadura totalitária e sanguinária criada por Fidel Castro –
que, à época da publicação da Pedagogia
do oprimido, já levava onze anos, mantinha um estado policial vigilante
contra qualquer manifestação de dissidência, e se encaminha para o 57.º
aniversário – vai além do dialógico porque atropela o lógico. É indefensável.
Comparado com Fidel e as 22 mil vítimas de seu regime, Batista deveria ser
conhecido como o Breve. E, talvez,
até como o Compassivo. Legitimar uma
ditadura totalitária comunista por uma anterior não comunista é apontar para
uma rosca sem fim, é jogar pá de cal nas expectativas da bela ilha caribenha
que ainda sonha, um dia,romper esse ciclo para se encontrar com a liberdade e a
democracia.
A conscientização sobre a própria
realidade, a raiva como motivadora para a práxis já produzem números. A edição
de Zero Hora do dia 12 de agosto de 2016 exibiu reportagem com o tema da educação prejudicada por insegurança.
São dados alarmantes porque se referem, precisamente, ao espaço e à atividade
dos quais se esperam soluções para o problema civilizacional brasileiro.
Afinal, é ali, bem ali, exatamente ali, que nossos pedagogos, saídos do forno
onde é cozida a massa sovada pela pedagogia freireana, deveriam estar aplicando
sua educação redentora, libertadora.
Oh, Paulo Freire, venha dar uma olhada no estrago!
Eis os números revelados por Zero Hora:
23.930 atos de indisciplina em sala de aula, 4.861 atos de violência física
entre alunos, 4.811 agressões verbais a professores e funcionários, 1.275
depredações ou pichações dentro da escola, 294 casos de posse ou tráfico de
drogas,199 agressões físicas a professores ou funcionários. E não eram números
referentes a todas as escolas, nem cobriam um ano letivo inteiro. Os dados
foram coletados em apenas 1.255 educandários estaduais (menos da metade da
rede) e informavam ocorrências relativas a seis meses letivos (os dois últimos
de 2015 e quatro primeiros de 2016). Então, no processo de
"conscientização" e construção da cidadania, o caso da professora que
levou um soco no rosto, é apenas um ovo quebrado, como o que ela considerou
merecido por Dória, na omelete da revolução. Um entre milhares.
*
Trecho do capítulo que escrevi para o livro "Desconstruindo Paulo
Freire", adaptado a um fato bem recente.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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