Instalou-se entre nós uma justificada
sensação de que os problemas são maiores do que nossa capacidade de os resolver
e de que face os males do corpo social e político nacional, os anticorpos
institucionais são insuficientes para combater as células malignas que o
acometem.
Creiam-me, o Brasil é inocente,
totalmente inocente. Inapto a qualquer protagonismo, o país, como tal, é vítima
e não culpado dos males de que é acusado. Tudo que costumamos dizer sobre o
Brasil, deveríamos transferir, por ação ou omissão, à sociedade brasileira. E
esse é um dos aprendizados mais urgentes.
Nossas culpas são muitas e efetivas como
nação. Não, não me atolarei no lugar comum de atribuir indiscriminadamente à
sociedade o lixo arremessado pela janela do carro, a buzinada no trânsito e a
venda sem nota. O que trago é muito mais sério. Refiro-me, entre outros
desvios, à infeliz tentativa de criar um humanismo sem Deus porque o "politicamente
correto" coíbe toda referência a Ele em espaço público. Refiro-me a uma
sociedade que tem o dedo duro para as imperfeições alheias e jamais aponta o
próprio peito por considerar mórbido e pernicioso examinar a consciência.
Refiro-me a uma sociedade que busca a perfeição nas coisas exteriores, que usa
o espelho, os cosméticos e a academia para fazer porcelana do barro de que é
moldada, mas teme olhar fundo nos próprios olhos.
Ora, a qualidade que pertença ao todo de
um corpo social se faz da qualidade das pessoas que o compõem; em nenhuma
organização humana haverá qualidade que não esteja fundada nos atributos de
seus membros, em todos os seus níveis. Não há como nem por que ser diferente em
relação a uma nação.
Todos desejamos um Congresso Nacional composto
por pessoas probas, responsáveis, competentes e dedicadas ao interesse público.
Se tal anseio fosse atendido, nossas dificuldades institucionais, sociais e
econômicas já estariam resolvidas. No entanto, a maior parte dos cidadãos
brasileiros, na hora de escolher um parlamentar, busca alguém para cuidar dos
seus interesses. E quanto mais privados forem, melhor. É assim que a alguns se
creditam e perpetuam privilégios enquanto a conta segue, inexoravelmente, a
débito de todos os demais, incluídas as gerações futuras.
Num viés oposto, salutar, ao escolherem
no leque de alternativas proporcionado pelos candidatos a uma determinada
cadeira, os eleitores interessados no bem do país deveriam orientar sua opção
àquele com cujas opiniões melhor se identifiquem. E não por convergência de
interesses pessoais ou corporativos. Para despachante de interesses qualquer um
serve.
A inversão na natureza do mandato
parlamentar é, também ela, uma forma de corrupção, problema de natureza moral,
que atinge a finalidade mesma da política, corroendo a ideia de representação e
originando um paradoxal filho da hipocrisia. Refiro-me ao eleitor - e como ele
é típico! - que elege alguém para cuidar
de si e fica indignado quando percebe seu parlamentar fazendo exatamente a
mesma coisa, dedicado a seus próprios negócios ou negociatas.
No dia em que tais compreensões
alcançarem parcela expressiva da sociedade brasileira, muitos patifes que só
causam dano à pátria perderão suas cadeiras.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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