Apesar do equilíbrio no número de
processos litigiosos e consensuais na dissolução de casamentos no Brasil, um
total de 230 mil ações litigiosas evidencia o potencial de envolvimento de
crianças em conflitos entre seus pais e mães. A constatação é da pesquisa “Proteção da
Criança na Dissolução da Sociedade Conjugal” – produzida pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud) -, apresentada na quinta-feira (28/4), durante
Seminário do Pacto Nacional pela Primeira Infância.Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Os dados foram detalhados pelas pesquisadoras do CNJ Elisa
Sardão Colares e Danielly dos Santos Queirós, durante painel conduzido pela
Secretária Nacional da Família do Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos, Angela Gandra, e pela coordenadora-geral dos Serviços de Assistência a
Famílias, Heloisa Egas. Participaram dos debates, a promotora de Justiça
da Vara de Família de Mesquita (RJ), Viviane Alves, e a assessora jurídica no
Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) Bruna Barbieri Waquim.
Na avaliação das pesquisadoras, que iniciaram os estudos a
partir de uma base de 2,5 milhões de processos de dissolução de casamentos que
tramitaram em todo país entre 2015 e 2021, as informações exigem atenção dos
atores do Sistema de Justiça para que os casos em que envolvem crianças, essas
sejam protegidas diante dos conflitos aos quais involuntariamente estão
expostas. As ações foram extraídas na Base Nacional de Dados do Poder
Judiciário (DataJud).
Na delimitação do universo do levantamento, foram selecionados
processos com a classe de dissolução da sociedade conjugal/união estável e com
assuntos que indicavam a presença de crianças, tais como guarda, fixação da
prestação de alimentos, investigação de paternidade, alienação parental.
De acordo com Elisa Colares, o estudo revela que, entre os processos que tinham
algum desses assuntos, 41,6% dos processos trataram de fixação de pensão
alimentícia, 25% da guarda de crianças e 11,7% de investigação de paternidade.
A regulamentação de visitas originou 11,6% dos processos e 0,3% versou sobre
alienação parental.
Dentre os processos de dissolução conjugal. constatou-se a
ocorrência de 1,15 milhão de separações litigiosas, que equivalem a 46,9% do
total. Já as consensuais somaram 1,2 milhão (49,2%). As dissoluções não
classificadas foram 99 mil (3,9%) e 2,5 mil (1%) se referiam ao término de
uniões estáveis. Segundo a pesquisadora do CNJ, o elevado número de resoluções
litigiosas já configura uma questão relevante sobre a conflituosidade entre os
adultos envolvidos, problema que ganha maior relevância e gravidade quando
envolve crianças e/ou adolescentes.
“Observamos que as separações litigiosas também produzem outras
demandas para o Poder Judiciário numa porcentagem muito maior do que a ações de
separação consensual”, destacou Elisa Colares. Nos casos cujo assunto era
alienação parental, registrou-se 331,9% a mais de litígios em comparação com os
processos consensuais. Considerando a mesma comparação, os casos de busca e
apreensão de menores são 318% a mais. Investigações de paternidade aumentaram
93,2%, assim como regulamentação de visitas, 59,9% e também a fixação
alimentos, com 54,8%.
Varas de Família
Ao analisar as Varas de Família, as pesquisadoras concluíram que
as varas de competência cumulativa e de competência exclusiva apresentam um
padrão distinto na definição do tipo de guarda, sendo mais comum a adoção da
modalidade compartilhada em varas especializadas. O estudo foi composto também
por aplicação de questionário online voltado a 1,7 mil unidades judiciárias
registradas no Módulo de Produtividade Mensal do CNJ como competência de
família. Dessas, 567 (31,6%) responderam ao questionário e, entre elas, 477
(84.1%) eram unidades com competência cumulativa e 90 (15,6%) com competência
exclusiva.
Elisa Colares observou que, nas varas com competência exclusiva em
processos envolvendo crianças de 0 a 6 anos, 48,3% indicaram haver
predominância de estipulação de guarda compartilhada e 39,3% indicaram
predominância de guarda unilateral. Já nas varas de competência cumulativa, a
guarda compartilhada cai para 27,7% e a unilateral alcança 61,7%. Outro dado
apurado na pesquisa é relativo aos casos de guarda unilateral, que cabe à mãe
em 81,3% nas varas de competência cumulativa e em 66% nas de competência
exclusiva.
Os dados apontaram ainda que, em 70% das varas exclusivas, às
vezes ou raramente, há processos com denúncias de alienação parental. Outras
14,6% responderam que muitas vezes há esse tipo de queixa. Nas varas de
competência cumulativa esse percentual sobe para 85%.
Impactos
De acordo com a pesquisadora Danielly Queiros, nos questionários
enviados às varas, buscou-se detectar a existência de alguma especificidade na
tramitação nos processos que tratam de crianças de 0 a 6 anos. “O objetivo foi
observar quais seriam os possíveis impactos do Marco Legal da Primeira Infância
na gestão processual e constatamos que as varas com competência cumulativa
destacaram mais especificidades, especialmente a gestão dos processos.” Segundo
ela, o mesmo ocorre com relação ao preenchimento dos dados no sistema,
revelando que, como essas varas tratam de vários outros assuntos concomitantemente,
elas distinguem mais os processos de família frente à varas exclusivas.
Ao avaliar a incidência do uso de mecanismo alternativos para
resolução de conflitos como mediação e conciliação, 57,9% das varas de
competência cumulativa informam que sempre, ou muitas vezes, utilizam o
recurso. Ao responder a mesma questão, as varas de competência exclusiva
apresentam índice mais elevado, alcançando percentual de 71,1%. “Observamos que
a conciliação é o mecanismo alternativo mais empregado nas varas de família. A
guarda de crianças e ação de alimentos são os assuntos mais recorrentes nessas
audiências, tanto em varas exclusivas, quanto cumulativas.”
Repercussão
Para Angela Gandra, a pesquisa revela que o CNJ não se prende
apenas a recolher dados técnicos e dados jurídicos. “Percebemos que existe um
olhar aprofundado que enxerga o ser humano, muitas vezes inserido numa
realidade bastante delicada.”
A secretária nacional da Família declarou que ficou impressionada
com a abrangência da pesquisa que é imponente e possibilita a percepção da
dimensão humana da questão. “Observamos que o CNJ tem uma preocupação em
solucionar as questões, principalmente em relação às crianças. Também vejo como
fundamental o investimento em conciliação e mediação, que proporciona maturidade
aos diálogos e pode minimizar os impactos para criança.”
Para Heloísa Egas, o Diagnóstico aponta os principais gargalos e
quais são os parceiros que podem atuar na superação desses desafios. “É um
trabalho que não pode ficar a cargo de uma única instituição ou de uma única
política pública”, destacou. Segundo ela, a pesquisa torna visível e ajuda a
identificar a criança na primeira infância e os adolescentes nos processos, que
também são alvos de impacto numa separação.
Em sua intervenção, a promotora de Justiça Viviane Alves destacou
que os dados apresentados evidenciam cientificamente a dimensão ética e
humanista necessárias para condução dos trabalhos e das políticas que envolvem
crianças, em especial na primeira infância. Já a assessora do TJMA Bruna
Barbieri avaliou que o levantamento irá inspirar a todos a buscar respostas.
“Quando falamos na missão de proteger, precisamos saber que, quanto maior for a
nossa capacidade de resposta enquanto poder público, enquanto instituição do
Sistema de Justiça, maior será a proteção que nós poderemos oferecer para a
primeira infância.”
Jeferson
Melo
Agência CNJ de Notícias
Nenhum comentário:
Postar um comentário