Qualidade da experiência dos mergulhadores permaneceu alta mesmo durante uma das maiores crises sanitárias do mundo, revelou pesquisa do Instituto do Mar da Unifesp
Mergulho recreativo no Refúgio dos Alcatrazes (foto cortesia: Leo Francini)
Um recente artigo publicado no Journal of Outdoor Recreation and Tourism e
assinado por pesquisadores brasileiros mostrou o quão importante foi, para a
manutenção da qualidade de vida das pessoas, o frequente contato com o meio
ambiente durante o período da pandemia. No caso estudado, com dados
comparativos disponíveis desde o período anterior à crise sanitária até março
de 2021, foi analisada a experiência de praticantes de mergulho recreativo em
uma das maiores unidades de conservação marinha de proteção integral do Brasil,
o Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago dos Alcatrazes, no litoral norte do
Estado de São Paulo.
“A escolha dos mergulhadores recreativos se deu pelo fato
desta atividade proporcionar uma das maiores conexões homem-ambiente devido à
imersão do praticante em um local com características totalmente diferentes da
terrestre. Também é uma indústria com considerável importância socioeconômica”,
explicou Fábio Motta, professor do Instituto do Mar (campus Baixada Santista)
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde também é docente do
Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira.
Segundo o pesquisador, a ideia do estudo era responder quais
foram os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre o mergulho recreativo praticado
em Áreas Marinhas Protegidas (AMPs): “Desde setembro de 2018, o Laboratório de
Ecologia e Conservação Marinha [LABECMar] da Unifesp iniciou o monitoramento da
experiência dos visitantes - mergulhadores recreativos - de três unidades de
conservação marinhas: o Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, o Refúgio de
Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes e a Ilha da Queimada Grande, que
integra a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro paulista. Essa
iniciativa teve como objetivo descrever o perfil dos visitantes e avaliar suas
preferências, motivações, percepções e satisfação com o intuito de contribuir
com a gestão adaptativa do mergulho recreativo praticado nessas áreas. Esses
primeiros resultados foram publicados na revista Ocean
& Coastal Management em 2020”.
Motta diz que, após esse primeiro estudo, o monitoramento
continuou especialmente no Refúgio de Alcatrazes. “Com o início da pandemia de
Covid-19 as atividades de mergulho foram paralisadas por cinco meses. Após esse
primeiro "lockdown" as operações de mergulho foram retomadas com
protocolos de segurança. Passados alguns meses reunimos dezenas de
questionários os quais nos possibilitaram comparar a experiência dos visitantes
antes e durante a pandemia, no período pós primeiro "lockdown".
Consideramos relevante investigar como o isolamento social e a restrição de
acesso às áreas naturais devido a Covid-19 poderiam influenciar a experiência
dos visitantes. Por exemplo, antes da pandemia alguns aspectos relacionados aos
serviços prestados, as condições ambientais e as regras de gestão foram
identificados com alto potencial de gerar insatisfação durante as visitas ao
Refúgio de Alcatrazes, enquanto que durante a pandemia todos os atributos
avaliados foram classificados como fortes geradores de satisfação, denotando
uma maior sensibilidade dos visitantes aos efeitos benéficos do mergulho em seu
bem-estar”, destacou o pesquisador do IMar.
Marina Marconi, que é primeira autora do artigo, falou
sobre o perfil do grupo de mergulhadores estudados: “A maioria são homens tem
entre 26 e 45 anos de idade. Aproximadamente dois terços dos mergulhadores
possuem pós-graduação e uma renda familiar igual ou superior a seis salários-mínimos.
Com relação à certificação, a maioria dos mergulhadores possuía curso de
mergulho avançado, Advanced Open Water ou equivalente. Além disso, cerca de 72%
dos mergulhadores que visitaram o Refúgio de Alcatrazes nesse período residiam
no Estado de São Paulo”, revelou a bióloga marinha que também atua como
pesquisadora colaboradora junto ao LABECMar da Unifesp.
Para Marina, as áreas protegidas, sejam elas marinhas ou
terrestres, quando bem manejadas, além de conservarem a biodiversidade, podem
assegurar a oferta de múltiplos benefícios aos seres humanos, os chamados
serviços ecossistêmicos. “Compreender o quanto essas áreas cumprem os objetivos
para os quais elas foram estabelecidas é fundamental para uma gestão adaptativa
e eficiente. Quando essas áreas são abertas à visitação, o monitoramento da
experiência dos visitantes é relevante para subsidiar a gestão do uso público.
Neste contexto, acreditamos que manter a qualidade ambiental das áreas
naturais, sejam elas protegidas ou não, é crucial para assegurar o bem-estar
humano dos seus visitantes e usuários. Em tempos de pandemia, a importância dos
ambientes naturais para a saúde mental e psicológica das sociedades modernas
ficou em evidência e, portanto, os nossos resultados podem servir de estímulo
para futuros esforços de pesquisa nesta área do conhecimento”, enfatiza a
pesquisadora egressa do programa de mestrado em Biodiversidade e Ecologia
Marinha e Costeira do IMar.
Fábio Motta lembra que diversos estudos já demonstraram
que atividades de lazer em ambientes naturais provocam mudanças positivas no
bem-estar humano, contribuindo com a diminuição do estresse e melhora em casos
de ansiedade e depressão. “Porém, acreditamos que a preocupação com a proteção
ambiental deve ser independente da sua interrelação com o bem-estar humano.
Portanto, deve ser mantida continuamente e não apenas em períodos de pandemia.
O Brasil é um país megadiverso, abrangendo uma diversidade de biomas com
valiosos recursos naturais que devem ser administrados com máxima responsabilidade.
Existem centenas de áreas protegidas no Brasil que carecem de uma gestão mais
efetiva e esforços robustos para que seus benefícios sejam compartilhados com a
sociedade de forma mais equitativa. Neste sentido, é importante que o manejo
destas áreas naturais seja feito promovendo a participação das diferentes
comunidades que interagem e usufruem delas. Pois esse capital social, ou seja,
as instituições e normas que acontecem no nível comunitário e que precede o
estabelecimento das Unidades de Conservação, são essenciais para o manejo
adaptativo e sustentável”, ressalta o professor da Unifesp.
O artigo publicado no mês de março passado no Journal
Of Outdoor Recreation and Tourism também tem como co-autores o pesquisador
de pós-doutorado Vinícius Giglio e o professor Guilherme Henrique
Pereira-Filho, ambos do LABECMar da Unifesp.
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