O maior
problema encontrado hoje está em levantar corretamente provas e segundo médica
legista ainda há falhas no sistema que beneficia o agressor.
Dados do
Instituto Médico Legal mostram que entre os anos de 2012 a 2015 as maiores
vítimas da violência sexual em Curitiba são adolescentes de 12 a 17 anos,
seguidas por crianças de 5 a 11 anos. O levantamento feito pela médica
ginecologista legista do IML Dra Maria Letícia Fagundes, que também é
presidente da ONG MaisMarias de combate à violência contra a mulher, revela que
a realidade quase não mudou desde a divulgação do último levantamento em 2012 e
que os agressores estão dentro de casa. A grande questão, segundo a médica que
é responsável pelos atendimentos de casos de estupro do Instituto, é conseguir
as provas necessárias em boas condições de análise para punir o agressor.
“Não é a
primeira vez que falamos nestes terríveis números que mostram a realidade dos
abusos sexuais na nossa cidade. Entre os exames solicitados pela polícia
para confirmação de conjunção carnal (relação sexual com penetração na vagina)
e ato libidinoso (atos que implicam em contato do pênis com boca, vagina, seios
ou ânus), cerca de 80% são para crianças e meninas nesta faixa etária. A
problemática que tenho levantado e, inclusive, palestrando em hospitais sobre,
é a questão de produção correta de provas, isto é, coleta e transporte
adequados dos materiais colhidos na hora dos exames feitos nos hospitais.
Muitas vezes a qualidade se perde neste procedimento e falhamos em punir o agressor,
levando essa criança de volta ao risco”, explica Dra. Maria Letícia Fagundes.
No total,
considerando entre 2012 e 2015 foram 4.734 exames realizados para casos de
conjunção carnal, sendo que desse número, 3.264 casos foram na faixa
etária de 5 a 17 anos. “Do número total de denúncias de conjunção carnal apenas
1.109 casos conseguiram ser provados positivos em resposta ao primeiro
quesito de lei. Portanto, foram materializadas provas em apenas 23 % dos
casos. E, ao contrário que muitos possam pensar, como médica legista que atende
a muitos destes casos, afirmo que essa quantidade de resultados positivos é
baixa porque o sistema é falho em provar casos de abuso sexual, e não porque
não houve abuso. A porcentagem real é outra, na maioria dos casos houve o
abuso, mas não temos hoje armazenagem e treinamento adequado nos hospitais e
delegacias que fazem o primeiro atendimento”, denuncia a médica que trabalha no
IML há 20 anos.
Outra
situação que dificulta um número maior de exames positivos é que grande parte
das vítimas é de crianças, e até o familiar identificar o que houve, já passou
mais das 48 horas necessárias para produção das provas. “Temos que ouvir mais
as crianças e trazer de imediato para exames. Melhor errar pelo excesso do que
perder de punir o agressor”, finaliza a especialista.
Culpabilização
da vítima
Com esses
dados a Dra Maria Letícia reforça sua afirmação de que grande parte
dos agressores está em locais onde a criança deveria se sentir segura. Uma
criança de 5 a 11 anos ou uma jovem de 12 a 17 está na escola, em casa, na casa
de coleguinhas ou na família, na maioria das vezes. “É aí que entra o combate à
culpabilização da vítima. Esses números nos mostram como a cultura do estupro
está enraizada nas famílias brasileiras, dentro de casa. Sei que é difícil para
nós como sociedade admitirmos essa vergonha, mas só admitindo é que conseguimos
mudá-la”, alerta a médica.
Dra. Maria Letícia Fagundes - Médica formada pela Faculdade
Evangélica de Medicina do Paraná e pós-graduada pela USP, e atua há 30 anos
como ginecologista. É também médica legista e atuante na Associação Paranaense
dos Médicos Legistas. Em 2012 fundou a ONG Mais Marias para dar sua
contribuição na conscientização da violência contra a mulher. Através de
palestras gratuitas, ela leva mais informação para a população sobre a Lei
Maria da Penha e na sede presta atendimento e encaminhamento a profissionais
parceiros da ONG. “Como médica do Instituto Médico Legal faz parte do nosso dia
a dia atender essas mulheres que são vítimas de agressão. Apesar de a Lei Maria
da Penha estar em vigor desde 2006 para proteger a vítima, nem todos conhecem
seus direitos e o que podem fazer para mudar essa realidade. Nosso objetivo é
abrir o debate para conscientizar a população”.
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