98% dos suspeitos de abuso
sexual no metrô, em 2016, não foram presos
527
mil mulheres são estupradas por ano no Brasil; Para jurista, falta de punição
requer criação de novo crime
Cinquenta
e quatro (98%) de um total de 55 casos de abuso sexual ocorridos no metrô e na CPTM
(Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) não foram registrados
como crime pela Polícia Civil do Estado de São Paulo. Eles foram classificados
como importunação ofensiva ao pudor, contravenção penal com pena prevista pela
lei de multa, em caso de condenação.
Eles
foram classificados como importunação ofensiva ao pudor, contravenção penal com
pena prevista pela lei de multa, em caso de condenação.
Na
prática, mesmo quando levados à delegacia, suspeitos desse delito não ficam
presos nem respondem a um processo criminal convencional por falta de previsão
legal.
O
outro caso foi registrado como violação sexual mediante fraude. Nenhum estupro
foi contabilizado no período.
É
o que aponta levantamento inédito feito pelo Fiquem Sabendo, com base em dados da Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano), da Polícia
Civil, obtidos por meio da Lei Federal nº 12.527 (Lei de Acesso à Informação).
Essa
delegacia é responsável por registrar e investigar os casos de abuso sexual no
sistema metroviário ocorridos em toda a capital paulista.
Não
estão computados nesse levantamento eventuais ocorrências de violência sexual
registradas por passageiras da CPTM em delegacias de outras cidades da Grande
São Paulo.
Entre
o primeiro trimestre de 2015 e o mesmo período deste ano, os casos de abuso
sexual no sistema metroferroviário paulistano cresceram 62%. Esse percentual
consolida uma tendência de alta do registro desse tipo de ocorrências nos trens
e nas estações.
Esses
números representam a soma anual dos termos circunstanciados e boletins de
ocorrência com as três naturezas criminais mais tipificadas pela Polícia Civil
em relação ao abuso sexual: importunação ofensiva ao pudor, violação sexual
mediante fraude e estupro.
A
lei prevê uma pena de prisão de dois a seis anos para a violação sexual
mediante fraude, e de seis a dez anos em caso de estupro.
Tanto
o Metrô quanto a CPTM possuem índices altos (próximos a 90%) de detenções de
suspeitos de abuso sexual nos casos em que eles são identificados pelas
vítimas.
Falta
de punição requer criação de novo crime, diz jurista.
Na
avaliação do jurista e professor de direito penal Luiz Flávio Gomes, isso
só ocorre porque a lei brasileira não prevê um crime intermediário entre a
importunação e o estupro.
A
análise foi feita quando o site publicou, em março deste ano, uma reportagem
sobre esse assunto.
“Pela
lei, a importunação ofensiva ao pudor pressupõe que não haja toque físico. Um
exemplo disso é a situação em que o homem chama a mulher de bunduda, gostosa ou
qualquer outra forma que a ofenda”, diz Gomes. “Havendo toque físico, qualquer
que seja ele, é estupro.”
De
acordo com o jurista, o fato de o estupro ter uma pena muito alta faz com que a
polícia e o próprio Poder Judiciário classifiquem os casos de abuso sexual de
outras formas. Assim, eles evitam que as “encoxadas” praticadas no transporte
público sejam punidas como estupro.
“Deveria
ser criado o crime molestamento sexual, com pena de dois a seis anos, como está
previsto na reforma do Código Penal, em tramitação no Senado. Como ele ainda
não existe, as autoridades hoje ‘forçam a barra’, enquadrando casos de abuso
sexual como violação sexual mediante fraude e importunação, quando não o são.”
Pela
lei, diz Gomes, a violação sexual mediante fraude se aplica a casos em que o
suspeito mente para a vítima, passando-se por outra pessoa, para levá-la a
fazer sexo ou praticar outro ato libidinoso com ele, por exemplo. “Não vejo
como isso pode ocorrer no transporte público.”
527
mil mulheres são estupradas por ano no Brasil.
De
acordo com o estudo Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde,
feito pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do governo federal,
cerca de 527 mil mulheres são estupradas por ano em todo o país.
Segundo
a pesquisa (a mais aprofundada já realizada sobre o tema no Brasil), apenas 10%
desses casos chegam à polícia.
Os
dados utilizados nesse estudo apontam que “89% das vítimas são do sexo feminino
e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e
adolescentes”.
Por
que isso é importante?
O Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal) define, no seu
art. 213, o crime de estupro como “constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso”.
Em
caso de condenação, a pena para acusados desse crime (em sua modalidade
simples) varia de seis a dez anos de reclusão.
Já
as modalidades qualificadas (consideradas mais graves pelo legislador) de
estupro preveem penas mais altas. Quando há a morte da vítima, por
exemplo, a pena máxima é de 30 anos.
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