Não sei como andam as invasões de terra em tempos de covid-19. Suponho, porém, que tenham sido desativadas. Em dezembro de 2019, o presidente da República, num relato de fim de ano, fez um comparativo entre o número de invasões nos primeiros anos de sucessivas presidências. Os números apresentados foram estes: FHC/1995 - 145; FHC/1999 - 502; Lula/2003 - 222; Lula/2007 - 298; Dilma/2011 - 200; Dilma/2015 - 182; Bolsonaro/2019 - 5.
Os que invadem terras costumam recitar em prosa, verso, e não raro em atos litúrgicos, condenações à propriedade privada. De modo especial repudiam as cercas, vistas como cicatrizes lançadas pela ganância alheia no jardim das delícias proporcionado por Deus à humanidade. Essa condenação de base ideológica persiste até o assentamento. A partir de então é cada um no seu quadrado. Certa feita fui conhecer quatro assentamentos na região sul do estado e só em um deles consegui que me deixassem entrar. Estavam certos: em propriedade privada o dono faz as regras de acesso.
Parece conveniente, portanto, explicitar algumas ideias sobre o direito à propriedade privada, que é um direito natural reconhecido pelas modernas constituições democráticas. Já a posse coletiva dos bens é uma noção tribal, retomada no socialismo do século XIX por doutrinadores inconformados com a superação do tribalismo pelo regime de propriedade privada. O fracasso do coletivismo, mesmo quando dispôs dos modernos instrumentos técnicos e do poder político, dá prova recente e cabal disso. Se tudo fosse de todos, "quem passaria a noite com a vaquinha doente?" indagava com sensatez, São Boaventura. Com efeito, na propriedade coletiva dos bens, tudo resulta muito mais descuidado porque ninguém zela por tais coisas tanto quanto zelaria pelas próprias. Ademais, suprimida a perspectiva de benefícios ao possuidor, regridem a laboriosidade e o progresso.
Não são poucos os que, face ao quadro das desigualdades sociais, se interrogam sobre a legitimidade dos bens alheios, numa atitude semelhante à do enfermo que se contristasse com a saúde dos demais. O nome disso é inveja e a inveja não produz justiça nem solidariedade. A sociedade prospera e se ordena de modo positivo quando os bens particulares produzem todos os frutos possíveis.
Notícias que me chegam de contatos cubanos informam que o país vive tempo de fome, semelhante ao que sucedeu à retirada dos russos com o fim da União Soviética. A falência da madrinha Venezuela e as derrotas do PT no Brasil acentuaram a escassez, dando origem a apelos por auxílio humanitário internacional. Desde maio, porém, toneladas de alimentos arrecadados nos Estados Unidos por cubanos no exílio para famílias cubanas na ilha permanecem em litígio aduaneiro sem serem distribuídos à população! A esse ponto chega o dogmatismo.
Ser sensível perante as carências
alheias, colocar os bens, talentos e saúde à serviço dos demais, produzindo
todos os frutos possíveis, gerar riqueza sem avareza, ser justo e combater as
injustiças, eis algumas das formas pelas quais se pode responder de modo
construtivo às necessidades sociais. Nicodemos era rico e justo; o epulão que
desprezava o pobre Lázaro, rico e injusto. O mal não está em possuir bens, mas
em ser possuído por eles. Fazê-los produzir resulta muito mais útil do que
repudiá-los.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto
Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e
Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor
de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e
Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
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