Juízes
e promotores já não esperam reduzir a violência doméstica apenas por meio de
prisões, processos judiciais ou medidas protetivas. Munidos de informação
e empatia, equipes do Judiciário e do Ministério Público miram nos
trabalhadores de áreas específicas, com grande concentração de funcionários do
sexo masculino, para ajudá-los a refletir sobre violência de gênero e diminuir
os episódios de agressão familiar.
Os
projetos pedagógicos reforçam as orientações do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) em relação à criação de programas de prevenção, por meio da educação,
defendida na Portaria
n. 15/2017, que instituiu a Política
Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário.
Ao menos 10 mil pessoas já participaram de ações pedagógicas, desde 2015.
No
Maranhão, as ações educacionais começaram quando a equipe multidisciplinar da
Vara Especializada em Violência contra a Mulher de São Luis, vinculada ao
Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), mergulhou nos processos que originavam
medidas protetivas.
A
pesquisa permitiu conhecer o perfil dos homens que praticavam violência
doméstica e revelou, dentre outros pontos, que boa parte deles trabalhavam na
construção civil (10%); transporte urbano (6%) e vigilância (4%).
Desconstruindo a violência
De
posse desses dados, a coordenadoria desenvolveu o projeto Aprendendo com Maria
da Penha no Cotidiano, voltado aos trabalhadores desses três segmentos. Mais de
3 mil pessoas já puderam ouvir as palestras do projeto, que visa desconstruir o
machismo, principal fator da violência doméstica.
“Certa
vez, durante um processo, um homem chegou a dizer que não entendia o motivo da
lei tratar como crime o ato de violência, uma vez que era contra a sua mulher,
não em outra. Isso revela o grau de ignorância e machismo incutido e
naturalizado na cabeça de certos homens. Se a mulher for dele , ele acha que
pode bater”, diz a assistente social Danyelle Bitencourt Athayde Ribeiro,
coordenadora da equipe multidisciplinar.
Para
alcançar com efetividade esse público, foram feitas parcerias com sindicatos e
empresas, que disponibilizam os espaços para os encontros, que duram, em geral,
40 minutos, e começam antes do expediente. Mais de 23 mil processos ligados à
violência doméstica correm no Judiciário do Maranhão, atualmente.
Mudança pela reflexão
Propor
mudança de visões como forma de reduzir a violência doméstica é o que move a
promotora do Ministério Público de Goiás Rúbian Corrêa Coutinho, que idealizou
e concebeu o Projeto Construindo Possibilidades. Segundo ela, punições não são
suficientes para estancar a violência doméstica. “Processar ou punir, somente,
é enxugar gelo”, afirma.
Para
tentar mudar a realidade por meio da educação, a promotora começou a estudar a
identidade masculina. “É necessário fazê-los repensar suas atitudes, suas
visões. Mas não iriamos conseguir sua reflexão se chamássemos esse homem de
agressor, de machista. Eu precisava conhecer os tipos de pressão que eles
sofriam, em relação a ser macho, viril, e coisas semelhantes, para ser ouvida
sem tanta resistência”, diz.
Segundo
ela, para fazê-los pensar foi necessário criar um tipo de palestra onde fossem
desconstruídas as ditas ‘verdades’ masculinas e femininas. “Eles ficam
boquiabertos; a conversa muda. Mostro a eles como esses papéis foram
assimilados; inverto seus lugares e coloco-os no lugar do outro, e assim vamos
desconstruindo o machismo”, afirma a promotora, que tem desenvolvido as ações
em canteiros de construção civil, setor de limpeza urbana e saneamento, mas
pretende expandir para outros segmentos com bons números de homens, como
oficinas mecânicas, clubes de futebol e a escola de formação da Polícia
Militar.
Violência e machismo
As
ações de conscientização vem sendo desenvolvidas pela 63ª Promotoria de Justiça
de Goiânia (Núcleo de Gênero) desde 2015; já participaram das oficinas
aproximadamente 3 mil pessoas. No Pará, outros 2 mil operários da construção
civil participaram de 24 palestras, desde o ano passado.
Em
agosto de 2016, o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) firmou parceria com o
Sindicato da Indústria da Construção do Estado do Pará (Sinduscon-PA) para
difundir informações relativas à Lei Maria da Penha entre operários da
construção civil. A ideia é compartilhar experiências com trabalhadores de
outros setores também.
Na
semana passada, um novo acordo de cooperação do TJPA foi apresentado e firmado
com Associação Paraense dos Supermercados (ASPAS). O projeto Mãos à obra:
trabalhadores no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher foi
idealizado pela Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e
Familiar do Tribunal.
Envolver
os homens no combate à violência contra a mulher também é o foco da Coordenação
das Delegacias Especializadas da Mulher/SEDS e a Secretaria da Mulher e
Diversidade Humana de Alagoas.
O
trabalho conta com a parceria do Conselho Regional de Engenharia (Crea-PB) e do
Sindicato da Intermunicipais das Indústrias da Construção Civil (Sintricom).
Desde o ano passado, seis canteiros de obras foram visitados com orientação
dirigida a mais de 600 trabalhadores.
A
aplicação da Lei Maria da Penha e as consequências da violência contra mulher
na vida familiar e afetiva são os temas principais do projeto Lei Maria da
Penha nos Canteiros de Obras, que integra o terceiro eixo do programa Mulher
Protegida, do Governo do Estado, que prevê palestras, orientações e parcerias
com a sociedade civil e a iniciativa privada. O primeiro eixo é voltado para a
fiscalização das medidas protetivas e o segundo para entrega do dispositivo SOS
Mulher.
1 milhão de processos
A
Lei Maria da Penha, em vigor há 11 anos, preconiza medidas integradas de
prevenção à violência doméstica e familiar por meio da educação com foco de
gênero. A política pública está a cargo da União, estados e municípios e de
ações não-governamentais.
Segundo
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), após a entrada em vigor da
norma, houve queda de 10% nos casos de homicídios domésticos em comparação aos
anos anteriores à legislação. Os números de processos relativos à violência
contra mulheres, no entanto, continuam elevados. Dados do Judiciário
brasileiro, com base em informações dos Tribunais de Justiça, tramitam no país
mais de um milhão de processos relativos aos casos de violência doméstica no
país.
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