A delicada relação entre a privacidade dos funcionários
e a necessidade de a empresa investigar indícios de violações
Como
lidar com os funcionários da empresa em situações de indício de fraudes,
desvios ou descumprimentos das suas normas internas? Dependendo da gravidade e
da complexidade da suposta infração será necessário estabelecer uma
investigação para conseguir descobrir a extensão e apurar as responsabilidades
do envolvido. Mas até onde vai o direito da empresa de investigar e a partir de
qual momento essa investigação pode violar o direito do empregado à
privacidade? Numa situação mais extrema, a questão pode ir além e descambar
para acusações de calúnia, difamação e assédio moral.
Muitos
profissionais utilizam seus dispositivos pessoais para tratar de questões de
trabalho e, se as suspeitas sobre um profissional suscitarem uma investigação,
acessar esses dispositivos pessoais como parte dela não é algo possível (ou ao
menos tão simples) para a empresa. O mesmo vale para os e-mails pessoais, ainda
que eles também possam usá-lo para questões de trabalho. Trata-se basicamente
de uma questão legal, já que existem tecnologias que permitiriam acessar essas
informações, uma vez que esses dispositivos, apesar de pertencerem ao
funcionário, quando levados ao trabalho, por exemplo, usam a rede da própria
empresa. Hoje, o entendimento corrente nas cortes é de que o acesso pela
empresa de e-mails pessoais do empregado configura violação de privacidade.
Entretanto,
no uso do e-mail corporativo e dos dispositivos fornecidos pela própria empresa
para o seu trabalho, incluindo computadores, tablets
e celulares, não há expectativa de privacidade, desde que isso seja explícito
no programa de compliance e nos códigos de conduta e de ética da empresa. A
partir do momento em que isso é explicado ao funcionário, a empresa pode, a
qualquer momento, requerer esses equipamentos ou acessar o e-mail do
funcionário em questão. Esse é um ponto básico e qualquer programa ou código
deve trazer essas informações.
Uma
questão importante no âmbito das investigações é a política de segurança da
informação. Os funcionários precisam saber que eles não têm autorização para
apagar e-mails ou arquivos, exceto em casos nos quais a área de TI ou de
segurança de dados indique a necessidade. Numa investigação, caso não exista
clareza nisso, os funcionários podem sair apagando tudo, mesmo arquivos ou
documentos que não tenham nada a ver com a investigação. Se a empresa tem essa
política e descobre que um funcionário deletou e-mails no período da
investigação, ela terá meios de puni-lo.
Entretanto,
a empresa não é policia e nem Ministério Público. Seus funcionários não podem
acusar ninguém de nada. O próprio colaborador designado pela empresa para fazer
as entrevistas com testemunhas e suspeitos pode ser punido, caso passe do
ponto. E, nesse caso, especialmente no Brasil, não é difícil ser acusado de
sair da linha. Se o entrevistador, que muitas vezes não tem (e não precisa ter)
formação jurídica, no calor do momento, acusar o funcionário investigado de
criminoso por suposta violação ao código de ética da empresa, por exemplo, ele
pode se colocar em maus lençóis e levar a empresa junto com ele.
Infringir
o código de ética, por si só, não constitui crime, a não ser que exista uma lei
com a mesma previsão violada. Essa acusação pode resultar em uma ação criminal
contra o entrevistador por calúnia e uma ação trabalhista contra a empresa.
Calúnia é imputar falsamente a alguma pessoa um fato definido como crime (CP,
art. 138). Ainda que exista a certeza de que o investigado tenha cometido algum
fato considerado crime pela legislação, não é a empresa e nem seus funcionários
que podem lhe sentenciar.
Nesses
casos, diante da certeza do delito, o melhor a fazer é deliberar sobre o futuro
do empregado na empresa e apenas comunicá-lo. Não há utilidade em
entrevistá-lo. Ele pode ser demitido, com ou sem justa causa, de acordo com o
que for melhor para a empresa, que também pode comunicar os fatos à autoridade
competente para que um inquérito seja instaurado e os fatos sejam apurados em
âmbito penal.
Marcio
El Kalay – advogado, sócio e diretor de novos negócios da LEC - Legal, Ethics
& Compliance (www.lecnews.com.br). Formado em Direito pelo Mackenzie, é
especialista em processo civil e mestre em ciências jurídico-forenses pela
Universidade de Coimbra, em Portugal.
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