Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta expressivo aumento do número de projetos de inteligência artificial (IA) no Poder Judiciário em 2022. A pesquisa identificou 111 projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento nos tribunais brasileiros. Com isso, o número de iniciativas cresceu 171% em relação ao levantamento realizado em 2021, quando foram informados apenas 41 projetos.
Houve também avanço no número de órgãos que possuem
projetos de IA. Atualmente, 53 tribunais desenvolvem soluções com uso dessa tecnologia.
Na pesquisa anterior, apenas 32 órgãos declararam ter iniciativas no tema. O
estudo evidencia que mesmo os tribunais sem projetos nessa área - em sua
maioria tribunais do ramo eleitoral e do Trabalho - já possuem soluções
implementadas ou sendo estudadas por seus Tribunais Superiores ou pelo
respectivo conselho superior, o que implica que também são beneficiados por
projetos nacionais.
Foram identificados 85 novos projetos, sendo que 12
registrados no ano passado foram cancelados ou suspensos. Mais da metade das
soluções (63) já estão em uso ou aptas a serem utilizadas. Por sua vez, 18
estão em fase final de desenvolvimento, 20 em fase inicial e 10 ainda não foram
iniciados. A maioria impacta um alto número de processos judiciais: 90% dos
projetos beneficiam mais de mil processos.
Os principais motivadores para o uso de uma ferramenta de
IA pelos tribunais é aumentar a produtividade, buscar a inovação, melhorar a
qualidade dos serviços judiciários e reduzir custos. “O uso de IA pode
agilizar e aperfeiçoar os processos de trabalho do Poder Judiciário,
beneficiando de forma ampla as pessoas que buscam o sistema de
Justiça", explica Rafael Leite, juiz auxiliar da presidência do CNJ.
"A automação de rotinas e tarefas burocráticas, que
antes apresentava alto grau de dificuldade, passa a ser possível com o uso da
IA, reduzindo as etapas formais de um processo judicial e permitindo que o foco
passe a ser uma abordagem mais humana, voltada para bem atender os
jurisdicionados", afirma o magistrado. "Com isso, damos passos
importantes na direção de um Judiciário mais acessível e ágil, com a prestação
de serviços que atendam da melhor forma as expectativas da sociedade.”
Os dados da pesquisa estão disponíveis no Painel
de Projetos de IA no Poder Judiciário. O mapeamento foi realizado no âmbito
do Programa
Justiça 4.0, iniciativa que tem o objetivo de acelerar a transformação
digital do Poder Judiciário. Outras ações do programa envolvem a criação de uma
plataforma
em nuvem que integra os sistemas judiciários para unificar a tramitação
processual e compartilhar soluções tecnológicas entre tribunais brasileiros,
incluindo modelos
de IA e um repositório
unificado de dados dos processos em tramitação no país.
O Justiça 4.0 é uma parceria entre o CNJ, o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Conselho da Justiça Federal
(CJF), com apoio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Superior Tribunal de
Justiça (STJ) e Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).
Metodologia
O painel foi desenvolvido a partir dos dados obtidos em
pesquisa aplicada entre abril e maio de 2022 em todos os tribunais brasileiros.
Dos 94 órgãos consultados (entre tribunais e conselhos superiores), apenas seis
não responderam à pesquisa. O questionário identifica a quantidade de projetos
por tribunal e segmento de Justiça, o estágio de evolução, o volume de
processos judiciais beneficiados, os recursos, a plataforma, o método e a
linguagem utilizados, bem como o tamanho da equipe envolvida e o
compartilhamento de dados e códigos.
Essa é uma nova versão do mapeamento realizado no ano
passado a partir dos parâmetros estabelecidos no estudo O Futuro da IA no
Judiciário Brasileiro (2020), da Escola de Administração Pública Internacional
da Universidade de Columbia, do ITS-RIO e do CNJ.
Tribunais federais apresentam a maior média de projetos
Os tribunais federais apresentam a maior média de
projetos de IA por tribunal (2,8), seguidos pelos tribunais estaduais (2,7). Em
números absolutos, os tribunais estaduais têm o maior número de projetos: 65,
sendo 53 novos, não mapeados no levantamento anterior.
Em seguida, vêm os tribunais federais, com 14 projetos -
10 novos -, acompanhados pelos tribunais do trabalho, com 9 projetos - cinco
novos -, tribunais eleitorais, com 11 - oito novos -, tribunais superiores, com
sete projetos - cinco novos - e conselhos superiores, com cinco projetos, sendo
quatro novos.
O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) lidera o número
de projetos. São 21, estando 20 já em uso ou aptos para uso. Na pesquisa
anterior, o órgão havia declarado apenas um projeto.
Houve também um aumento significativo de modelos
desenvolvidos para o Processo
Judicial Eletrônico (PJe), que passaram a responder por 55% dos projetos.
Em relação aos tipos de modelo, há grande variedade: desde ferramentas que
realizam a classificação, o agrupamento e a similaridade de processos até
assistentes virtuais e ferramentas de reconhecimento facial.
“Os modelos de classificação de processos, por exemplo,
possibilitam uma boa triagem e classificação de demandas, com um índice de
acerto similar ao das vias tradicionais, o que permite rapidamente estabelecer
um tratamento uniforme a processos que são similares e atribuir as mesmas
decisões àqueles que têm conteúdo idêntico, dando maior consistência e
agilidade e aprimorando a prestação jurisdicional", afirma Rafael Leite.
"A implementação de algoritmos com capacidade de processamento de
linguagem são o caminho para alcançar a razoável duração dos processos e uma
maior segurança jurídica.”
Soluções compartilhadas
“A afinidade entre os modelos indica que os tribunais se
beneficiariam de uma maior troca de informações entre suas equipes”, destaca o
juiz auxiliar do CNJ, dando o exemplo de projetos como o Janus, o Gemini e os
modelos de classificação gerados pelo TJRO. Desde 2020, o CNJ mantém o Sinapses,
plataforma nacional de modelos de IA, onde os tribunais disponibilizam modelos
para uso compartilhado.
Esse compartilhamento de ferramentas é uma das premissas
do Programa Justiça 4.0, que aposta no modelo colaborativo para a gestão mais
eficiente de recursos e integração de soluções. “O Sinapses concretiza o
espírito de colaboração no Judiciário brasileiro, uma vez que nasceu no TJRO e
virou um projeto nacional graças ao compromisso da inovadora gestão daquele
tribunal e de seus dedicados servidores", ressalta Rafael Leite.
O Sinapses possibilita o rastreamento das informações
processadas pelas soluções, explica o magistrado. "Essa plataforma permite
transparência e governança em relação aos modelos de IA, o que possibilita que
os tribunais desenvolvam e treinem soluções a partir de suas necessidades,
assegurando a auditabilidade desde o primeiro momento.”
Segundo o juiz auxiliar, um ponto importante em
iniciativas de IA é o treinamento da ferramenta a partir de uma base de dados
atualizada e integrada aos sistemas de processo eletrônico para que ela possa
ser constantemente aperfeiçoada. “Os modelos de IA que utilizamos hoje são
produzidos a partir de uma grande massa de dados pré-definida. É a qualidade
dos dados e uma constante atualização que asseguram o sucesso de uma boa
estratégia de IA.”
Casos de uso
O Janus é uma solução que automatiza tarefas repetitivas
e utiliza a IA para apoiar o julgamento de pedidos de candidatura e agilizar a
prestação de contas eleitorais. A solução, implementada inicialmente pelo
Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), está em desenvolvimento em
outros quatro tribunais eleitorais (Maranhão, Pernambuco, Piauí e Rio de
Janeiro). Desenvolvida a partir de modelos do Sinapses que realizam a
classificação processual das peças, a ferramenta permite identificar pareceres
equivalentes e minutar a sentença com base em pareceres técnicos e do
Ministério Público.
Outro projeto é o Gemini, que agrupa processos por similaridade
de tema nas unidades de primeiro e segundo grau da Justiça do Trabalho,
acelerando os julgamentos. O projeto é coordenado pelo CSJT, com participação
de cinco tribunais regionais do trabalho.
Por sua vez, a Sofia, assistente virtual de atendimento (chatbot)
nos juizados especiais do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), utiliza IA na
triagem automática de processos, com processamento de linguagem natural. A
solução também foi produzida a partir de modelos disponíveis no Sinapses,
criando mais uma forma de entregar apontamentos dos algoritmos ao usuário
final.
Força de trabalho
Quem desenvolve as soluções são predominantemente as
equipes próprias dos órgãos de Justiça, com a colaboração de instituições como
universidades ou outros tribunais. Dessa forma, a maior parte das iniciativas
têm acesso ao código-fonte dos modelos criados e à documentação dos projetos.
A maioria dos tribunais (70%) conta com equipe dedicada,
com uma média de quatro pessoas por projeto. Esse número varia entre os
segmentos de Justiça: o tamanho médio da equipe varia de 2,7 pessoas (tribunais
superiores) a 9,0 (conselhos).
A necessidade de mais recursos humanos especializados foi
identificada pelo levantamento como um dos principais gargalos no
desenvolvimento dos projetos, aliada ao elevado número de demandas que limitam
a condução de pesquisas em IA. A formação profissional está na mira do CNJ, que
já oferece cursos às equipes de IA indicadas pelos tribunais e editou, no início
deste ano, resolução prevendo que os tribunais estabeleçam planos de
capacitação de seus colaboradores. A norma estabelece, ainda, que os próximos
concursos públicos abarquem conhecimentos técnicos mínimos para atuar na área.
Agência
CNJ de Notícias