Para a
psicoterapeuta Helen Mavichian, o atendimento remoto traz resultados positivos
desde que os adultos de ambos lados da tela participem ativamente
A pandemia fez com que as relações de trabalho e a
prestação de serviços ganhassem novos formatos. E, claro, as sessões de terapia
conduzidas por psicólogos também passaram por atualizações. O olho no olho com
terapeutas migrou para ambientes digitais. Alguns ainda mantêm esse padrão de
atendimento, outros retomaram o contato presencial. Mas quando a terapia
envolve crianças, em que o lúdico é um dos principais mecanismos das sessões,
qual é a melhor opção? Uma terapia por meio de telas ou em um consultório?
A intensificação da vida digital trouxe
oportunidades para a construção de técnicas apropriadas à psicoterapia online
com crianças, uma vez que por um considerável tempo o que era impensável se
transformou em uma única possibilidade. Ao falar de atendimento
psicoterapêutico infantil online a pergunta que fica é: como estar junto,
emprestar o corpo, brincar, sem um encontro presencial? O atendimento online
seria um caminho viável ou com pouca eficiência?
Para começo de conversa é importante considerar que
brincar em um atendimento terapêutico é muito mais do que “uma simples
brincadeira”. O brincar dentro do consultório tem a função de integrar partes
dissociadas da natureza humana: dentro e fora, realidade externa e interna,
razão e afeto, afirma o psicanalista Donald Woods Winnicott em seu livro O Brincar
& a Realidade. Não sendo nem da ordem da realidade interna, nem
da realidade externa, o brincar se dá entre essas duas realidades, numa zona
intermediária denominada espaço potencial.
A psicoterapia, nas palavras de Winnicott, se
efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta.
A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas. Na terapia online onde
o brincar não é possível, o trabalho realizado pelo terapeuta não precisa de um
espaço físico-presencial, no caso o consultório, para que a psicoterapia
aconteça, mas de espaços transicionais, que permitam o trânsito entre mundo
interno e mundo externo.
É importante ressaltar que o brincar online não tem
a ver com jogos eletrônicos ou afins, mas sim com a possibilidade de propiciar
o surgimento de um espaço transicional. O maior desafio na clínica online diz
respeito às crianças que têm o brincar comprometido. Nesses casos, a
participação da família torna-se imprescindível, uma vez que ela é necessária
para promover situações ou objetos que possam criar transicionalidade. Desse
modo, pode ser que as sessões tenham que acontecer com a criança e os pais, a
criança e um dos pais, a criança e um irmão ou com toda a família.
Com as crianças que têm maior capacidade de
brincar, o manejo pode ser ao realizar a brincadeira de forma simultânea, cada
um de um lado da tela. Uma vez que "as crianças brincam com mais
facilidade quando a outra pessoa pode e está livre para ser brincalhona",
como diz Winnicott em seu livro. Seja o terapeuta ou os pais da criança,
precisamos, mais do que nunca, ser criativos!
A clínica online com crianças exige criatividade e
disponibilidade para adaptar as técnicas originalmente construídas para as
intervenções presenciais. Porém, cabe lembrar que, assim como acontece em
atendimentos presenciais, são as crianças que irão ensinar quais técnicas e
recursos podem ser aplicadas com eficiência.
Em resumo, a terapia online é um sucesso desde que,
de ambos lados da tela, haja adultos disponíveis para oferecer o que as
crianças precisam, no momento em que elas precisam.
Helen Mavichian -
psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e Mestre em Distúrbios
do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É graduada em
Psicologia, com especialização em Psicopedagogia. Pesquisadora do Laboratório
de Neurociência Cognitiva e Social, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Possui experiência na área de Psicologia, com ênfase em neuropsicologia e
avaliação de leitura e escrita. Mais informações em https://helenpsicologa.com.br/
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