A cada hora, pelo menos 3 pessoas sofrem amputação de pernas ou pés no Brasil, aponta SBACV
Para os especialistas da Sociedade
Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, o aumento no número de
procedimentos desse tipo durante o período da pandemia é um alerta para as
consequências da suspensão de tratamentos clínicos.
Na semana do Dia Nacional do Diabetes (26), estudo inédito revela que mais de 245 mil brasileiros sofreram com a amputação de membros inferiores (pernas ou pés) entre 2012 e 2021. O cálculo aponta que, em média, 66 pacientes passaram por cirurgias desse tipo ao dia, ou seja, pelo menos três procedimentos são realizados por hora. Os dados constam de levantamento produzido pela Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), que sugere uma alta progressiva no número de amputações e desarticulações de membros inferiores no Brasil, em especial no período da pandemia de covid-19.
O estudo elaborado a partir de
informações disponíveis na base de dados do Ministério da Saúde acende o alerta
para os cuidados voltados às doenças vasculares, como a síndrome do pé
diabético. De acordo com os especialistas, mais da metade dos casos de
amputações envolvem pessoas com diabetes. No entanto, essas cirurgias em
membros inferiores podem também estar relacionadas a muitos outros fatores de
risco, como tabagismo, hipertensão arterial, dislipidemia, idade avançada,
insuficiência renal crônica, estados de hipercoagulabilidade e histórico
familiar.
Pandemia --
Um fato chama a atenção dos especialistas e sinaliza as consequências da
suspensão de acompanhamentos clínicos durante a crise sanitária. Os dados
apontam que, contrariando tendências de diminuição de procedimentos
hospitalares durante a pandemia, o número de amputações no País sofreu alta
progressiva entre 2019 e 2021, com perspectiva de manutenção para 2022. Para a
SBACV, as cirurgias decorrem da dificuldade de acompanhamento das complicações
na saúde de pacientes que, durante a emergência epidemiológica, abandonaram
tratamentos ou evitaram a ida aos consultórios e hospitais por medo da contaminação
pelo coronavírus.
Em 2020, quando a crise epidemiológica
se instalou no Brasil, a média diária de amputações chegou a 75,64. Já em 2021,
essa razão subiu para 79,19, podendo se relacionar as consequências da
descontinuidade no acompanhamento de pacientes com doenças crônicas, como o
diabetes. Entre os anos 2020 e 2021, um total de 56.513 brasileiros foram
submetidos ao processo de amputação ou desarticulação de membros inferiores.
Isso significa que a média mensal de procedimentos chegou a 2.354 em plena
crise sanitária. O valor corresponde, ainda, a uma média diária de 77,4
cirurgias.
Para o cirurgião vascular Mateus
Borges, diretor de Publicações da SBACV, “esses dados demonstram o impacto da
pandemia no cuidado e na qualidade de vida dos pacientes”. Segundo ele, pessoas
com diabetes que desenvolvem úlceras e evoluem para quadros infecciosos
demandam longos períodos de internação ou reinternações, com consequentes
períodos de perda ou afastamento do trabalho, aposentadoria precoce e, por vezes,
queda na autoestima, depressão ou criação de um quadro de dependência de
familiares ou amigos.
Subnotificação -
Outro dado preocupante é o indivíduo que tem diabetes e não sabe. “No mundo,
uma em cada cinco pessoas não sabe que é portador dessa doença. A pandemia nos
revelou isso. Muitos pacientes que chegam ao consultório ou aos serviços de
urgência com complicações do diabetes só descobrem que a têm após o
atendimento. O Brasil já possui uma legião de amputados, que cresce
exponencialmente”, comenta o médico Mateus Borges.
A situação exige cuidados por parte dos
serviços de saúde. Pacientes com diabetes e úlceras nos pés apresentam taxa de
mortalidade duas vezes maior em comparação com pacientes diabéticos sem úlceras
nos pés. Os submetidos a amputação maior do membro inferior apresentam baixas
taxas de sobrevida. Aproximadamente 10% dos pacientes que amputam o membro
inferior morrem no período perioperatório; 30% no primeiro ano após amputação;
50% no terceiro ano; e 70%, no quinto. Um percentual que pode ser maior em
países em desenvolvimento, já que a procura por assistência médica costuma
ocorrer quando a infecção da úlcera está avançada.
Cenário nacional
-- Na série histórica sobre a qual a SBACV se debruçou para
entender o que houve, é possível observar, em todas as regiões do País, a
predominância de uma progressão no número de pessoas amputadas. No comparativo
entre 2012, ano que marca o início da série, e 2021, último ano em que foi
possível obter os dados consolidados para todos os 12 meses, houve alta de 53%
no número de amputações.
O ano passado registrou a maior soma de
procedimentos, 28.906 casos, resultando em uma média diária de 79,19
amputações. No entanto, a probabilidade desses números serem superados em 2022
já é desenhada nos dados dos três primeiros meses do ano. Com média mensal que
já ultrapassa a observada no ano anterior, o levantamento aponta que pelo menos
82 pessoas foram amputadas todos os dias entre janeiro e março deste ano.
Confira na tabela abaixo o detalhamento desses números.
De acordo com os dados levantados, o acúmulo de
procedimentos realizados até março de 2022 tem maior expressão nas regiões
Sudeste e Nordeste, em números absolutos. A primeira, por exemplo, é
responsável por mais de 42% de todas as cirurgias realizadas no Brasil, com um
montante de 103.509 pessoas amputadas. Já no Nordeste, 80.124 procedimentos de
amputação ou desmobilização de membros inferiores foram realizados. Na
sequência, vem a região Sul, com 35.222 registros; o Centro-Oeste, com 13.514;
e o Norte, com 13.441.
Estados -- Embora
o crescimento no número de amputações realizadas entre 2012 e 2021 seja
equilibrado em todas as regiões do País, a variação percentual nesse período
chama atenção em alguns estados. Alagoas, por exemplo, foi a unidade federativa
que mais sofreu alta no número de amputações, com crescimento de 173% na
comparação entre o início e o fim da série histórica, um salto de 182 para 497
procedimentos.
Outros estados que registraram alterações expressivas no mesmo intervalo foram Roraima, com variação de 160%; Ceará, com alta de 146%; e Rondônia, com crescimento de 116% na comparação entre 2012 e 2021. Em contrapartida, Amapá e Amazonas foram os únicos estados do País onde se observa queda no mesmo método de análise, com reduções de 29% e 25%, respectivamente. Confira mais detalhes sobre cada estado no quadro abaixo.
*Até março de
2022.
Em números absolutos, os estados que mais executaram
procedimentos de amputações de membros inferiores no sistema público foram São
Paulo (51.101), Minas Gerais (26.328), Rio de Janeiro (21.265), Bahia (21.069),
Pernambuco (16.314) e Rio Grande do Sul (14.469). Por outro lado, os estados
com o menor número de registros são Amapá (315), Roraima (352), Acre (598), Tocantins
(1154) e Rondônia (1383).
Despesas --
Além de representar um grave problema de saúde pública, o crescimento constante
no número de amputações no País traz fortes impactos aos cofres públicos,
consumindo parte das verbas em saúde destinadas aos estados. Apenas em 2021,
foram despendidos R$ 62.271.535.96 em procedimentos realizados em todo o País.
Entre janeiro de 2012 e março de 2022, considerando a inflação de cada ano,
foram gastos R$ 660.021.572,69, o que representa uma média nacional de R$
2.685,08 por procedimento. Abaixo, confira o detalhamento dos gastos por cada
região.
“Esse volume de gastos poderia ser evitado se os sistemas de saúde investissem mais em medidas preventivas, sobretudo no acompanhamento de pacientes diabéticos. Esse público carece de atenção permanente e multidisciplinar, para que medidas drásticas, como a amputação de membros, não sejam tomadas”, explica o presidente da SBACV, Julio Peclat.
Prevenção -- No
caso do diabetes, cujos pacientes são as maiores vítimas das amputações, o
menor descuido pode levar a grandes problemas. Um pequeno ferimento pode
resultar em infecção que evolui para um caso grave de gangrena, levantando o
risco de amputação, como alerta Julio Peclat, presidente da SBACV.
O diabetes impacta a circulação
sanguínea porque gera o estreitamento das artérias, causando redução dos
índices de a oxigenação e nutrição dos tecidos. Além disso, deformações nos pés
e alterações de sensibilidade aumentam a chance do surgimento de pequenos ferimentos
e potencializam sua evolução para casos mais graves. “Estudos apontam que 85%
das amputações que possuem relação com o diabetes têm início com uma lesão nos
pés, que poderiam ser prevenidas ou tratadas corretamente evitando
complicações”, destaca o presidente da SBACV.
“Pessoas com diabetes, ao passar dos
anos, desenvolvem neuropatia e/ou isquemia, o que as torna mais suscetíveis ao
desenvolvimento de feridas de difícil cicatrização (úlceras) e infeções. A
neuropatia acarreta a perda da sensibilidade ao toque, à temperatura e à dor.
Com isso, o indivíduo não sente quando fere o pé. De modo geral, por não
perceber, evolui para quadros de infecção que resultam em desbridamentos ou
amputações”, pontua Julio Peclat.
Diagnóstico -
Além desse contexto, a SBACV considera que o atraso no diagnóstico da síndrome
do pé diabético faz com que o paciente seja encaminhado ao especialista apenas
quando o problema já está em seu estágio mais avançado. Portadores da diabetes
devem estar atentos aos cuidados relacionados ao controle do nível glicêmico no
sangue e aos sintomas que podem ser observados em autoexames realizados
diariamente.
“Grande parte dessas amputações
poderiam ter sido evitadas a partir de práticas de auto-observação. O paciente
bem-informado que se examina com frequência poderá reconhecer a necessidade de
uma intervenção precoce já nos primeiros sintomas. Identificar sinais de alerta
precoces é imprescindível para reduzir a incidência de complicações”, aponta o
médico Eliud Duarte Junior, cirurgião vascular titular da SBACV e coordenador
Nacional da Diretriz do Pé Diabético da Associação Médica Brasileira (AMB).
Além das feridas de difícil
cicatrização (úlceras), quem tem diabetes pode desenvolver comorbidades graves,
como doenças cardíacas, cerebrovasculares, insuficiências renal e respiratória,
deformidades nos pés, isquemia e neuropatia, que é a perda da sensibilidade ao
toque, calor e dor nas extremidades do corpo, sobretudo os pés. “Para esse
público, deve ser imperativo manter um estilo de vida saudável e manter os
índices glicêmicos dentro dos níveis adequados”, destaca o especialista.
Complicações -
Algumas medidas podem diminuir os riscos de complicações nos pés de pessoas
diabéticas. Alimentar-se de forma equilibrada, praticar atividade física manter
um controle da glicemia, contribui para uma melhora do sistema vascular como um
todo. O paciente com esse fator de risco também deve estar atento aos perigos
de acidentes e adotar mudanças de comportamento, como evitar andar de pés
descalços ou, ainda, aderir ao uso de calçados apropriados.
O médico Eliud Duarte pontuou algumas
medidas simples que podem ajudar na prevenção do pé diabético se incorporadas à
rotina:
- Não faça compressas frias, mornas, quentes ou geladas
nem escalda pés. Por causa da falta de sensibilidade acarretada pela
neuropatia, você pode não perceber lesões nos pés;
- Use meias sem costuras ou com as costuras para fora.
Assim você evita o atrito da parte áspera do tecido com a pele;
- Não remova cutículas das unhas dos pés. Qualquer
machucado, por menor que seja, pode ser uma porta de entrada para
infecções;
- Não use sandálias com tiras entre os dedos;
- Corte as unhas retas e acerte os cantos com lixa de
unha, mas com muito cuidado;
- Hidrate os pés, pele ressecada favorece o surgimento de
rachaduras e ferimentos;
- Nunca ande descalço. Você pode não sentir que o chão
está quente ou que cortou/feriu o pé;
- Olhe sempre as plantas dos pés e trate logo qualquer
arranhão, rachadura ou ferimento. Se não conseguir fazer isso sozinho,
peça ajuda a um familiar ou amigo;
- Não use sapatos apertados ou de bico fino;
- Trate calosidades com profissionais de saúde;
- Olhe sempre o interior dos calcados antes de usá-los;
- Enxugue bem entre os dedos após o banho, a piscina ou
praia.
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