Um
dia desses fui questionado se “Caneta Azul” é música, e minha reação foi
imediata em afirmar: “claro que é! ”. Mas logo comecei a questionar os motivos,
tanto da pergunta quanto da resposta.
Por
que temos o hábito de desqualificar ou supervalorizar determinados tipos de
música?
A
resposta para essa questão tem inúmeras dimensões, mas gostaria de refletir a
respeito da tradição de considerar a existência de “belas artes” em oposição a
artes periféricas, de menor valor artístico. Esse tipo de pensamento faz com
que as pessoas, mesmo de forma inconsciente, considerem como arte apenas as
manifestações de artistas doutos, formados em universidades, reconhecidos por
formadores de opinião ou com trabalhos circulando no mercado fonográfico.
A
verdade é que a música é uma expressão sonora, estruturada ao longo do tempo e
de diferentes maneiras em diversas comunidades. Aprendemos música ouvindo,
dançando, cantando e tocando instrumentos. Decoramos padrões e estruturas que
se juntam em infinitas combinações e forjam as músicas.
Reconhecemos
esses padrões quando ouvimos uma nova canção, por exemplo, e nos identificamos
com ela. Estranhamos ao ouvir um novo padrão, mas somos capazes de nos
acostumar com ele. Assim também vamos construindo nosso gosto musical,
separando a música “boa” da “ruim” por um grande muro que não nos permite
enxergar o outro lado.
E
quais os parâmetros que eu, o tal estudioso da música, usei para afirmar que
“Caneta Azul” é, obviamente, uma expressão musical de valor?
Vou
começar pelos últimos em que refleti e terminar pelo primeiro.
Cheguei
a escrever a partitura do refrão da música do maranhense Manoel Gomes,
analisei, vi a construção melódica com motivos, frases de pergunta e resposta,
percebi uma harmonia intrínseca e muitos outros elementos que um compositor
letrado utilizaria em suas composições. Mas Manoel não precisou usar partitura
para compor, ele simplesmente se expressou musicalmente e a música nasceu.
Nasceu com características semelhantes às das músicas que ouviu e cantou desde
sua infância. As suas referências foram sua escola e as ferramentas que
moldaram a sua música.
Mas
o parâmetro principal, aquele que me motivou a responder sem pestanejar a
pergunta inicial, é a própria definição de música que trago para minha vida,
citando John Blacking: “sons humanamente organizados”. Aliada a ela, vem a
intenção de fazer música – o que certamente se fez presente também nas
composições do artista Manoel Gomes.
Alysson
Siqueira - professor mestre no curso de Licenciatura em Música do Centro
Universitário Internacional Uninter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário