A geração
distribuída solar fotovoltaica, solução limpa e renovável ainda recente no
Brasil, chegou para ficar, trazendo inúmeros benefícios relevantes à nossa
sociedade.
Neste momento, no entanto, está ameaçada: seu avanço incomoda grandes grupos econômicos, tradicionais e conservadores no setor elétrico. Em especial, a microgeração e minigeração distribuída e o sistema de compensação de energia elétrica, usados há décadas em dezenas de países do mundo, têm sido os alvos destes embates em nosso País. A razão é financeira: ao empoderar os consumidores, tornando-os ativos e mais independentes, a geração distribuída ameaça as receitas das distribuidoras que não adaptarem suas operações às inovações tecnológicas, transformação do mercado e novas demandas dos consumidores.
O debate se acalorou quando foram propostas pela Aneel mudanças profundas à geração distribuída quando os consumidores injetam a sua energia na rede elétrica, local ou remotamente: eles teriam que pagar mais pelo uso da infraestrutura da matriz elétrica.
Seria este o momento adequado de fazer mudanças no modelo?
Dados oficiais da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontam que, há menos de 170 mil consumidores com geração distribuída solar fotovoltaica no Brasil, equivalentes a irrisórios 0,2% das mais de 84,4 milhões de unidades consumidoras faturadas pelas distribuidoras mensalmente. E tem mais: a cada ano são adicionados mais de 1,9 milhão de novos consumidores cativos aos mercados das distribuidoras, quantidade muito superior aos novos sistemas de geração distribuída adicionados anualmente. Isso comprova que a geração distribuída ainda engatinha e precisa ser promovida, não barrada, no Brasil. Portanto, é cedo demais para alterar as regras de compensação de energia elétrica da geração distribuída em nosso País.
Quando seria um bom momento para mudar estas regras?
Na Califórnia (EUA), caso de sucesso mundial no desenvolvimento da geração distribuída solar fotovoltaica, as regras hoje aplicadas no Brasil para a geração distribuída foram usadas por 20 anos (1996 – 2016), permitindo que a geração distribuída atingisse uma participação de 5% do atendimento da demanda elétrica de cada distribuidora californiana, antes de qualquer mudança. Quando este patamar foi alcançado, as regras foram atualizadas para um novo modelo, com uma cobrança de 10,5% do valor da tarifa para a injeção da energia na rede elétrica. O valor foi calculado levando-se em consideração os benefícios da geração distribuída aos californianos e é muito inferior aos quase 60% propostos pela Aneel aos brasileiros, o que inviabilizaria vários modelos de negócio e modalidades de compensação, distanciando a geração distribuída por fontes renováveis da sociedade. Seria um grave e imperdoável equívoco seguir neste caminho.
A geração distribuída beneficiou todos os consumidores californianos, não apenas os que investiram diretamente na tecnologia, já que muitos dos ganhos foram compartilhados com a população. Por exemplo, graças aos investimentos em geração distribuída e eficiência energética na Califórnia, o operador do sistema conseguiu cancelar 20 projetos de ampliação da transmissão e 21 projetos de reforço das redes. As obras seriam necessárias, caso a energia elétrica fosse trazida de fora das cidades, para atender os consumidores. Com a geração distribuída solar fotovoltaica, instalada pelos consumidores em suas próprias casas, empresas e propriedades rurais, grande parte da nova demanda por eletricidade foi suprida localmente, aliviando o sistema e evitando estes custos adicionais que aumentariam as tarifas de todos os californianos. A economia total foi de impressionantes US$ 2,6 bilhões para todos os consumidores, um verdadeiro “ganha-ganha” para a sociedade.
Há, também, outras perguntas que não querem calar: se a geração distribuída traz tantos problemas ao sistema de distribuição, quanto discursam os interessados em manter seus monopólios, por que muitos grupos de distribuição de energia já montaram seus próprios negócios paralelos de geração distribuída? É justo que estes grupos utilizem os recursos do Programa de Eficiência Energética da Aneel, custeados pelos consumidores, para ampliar o seu mercado na geração distribuída, oferecendo descontos a clientes de classe média e alta, em vez de investir estes recursos para levar a geração distribuída a clientes de baixa renda? A Aneel está atenta a estas incoerências e tomará providências?
Caso sejam feitas mudanças na Resolução Normativa nº 482/2012 da forma como propõe a Aneel, o retrocesso da alteração terá como reflexo uma enorme perda de credibilidade do Brasil, visto hoje como um País que bem aproveita suas fontes limpas e renováveis. Menos geração distribuída levará a Nação a recorrer ainda mais às termelétricas, mais caras e poluentes, com severo prejuízo às políticas ambientais, energéticas, sociais e econômicas do País. Um grande prejuízo para a sociedade.
É importante destacar que os ganhos proporcionados pela geração distribuída solar fotovoltaica são diversos. Temos a ampliação da distribuição de renda local, gerando empregos e oportunidades nas regiões onde os sistemas são instalados, bem como mantendo os recursos economizados pelos consumidores na própria comunidade, movimentando a economia e os pequenos negócios da região. Com isso, a economia fica no local onde a eletricidade é gerada de forma distribuída.
Adicionalmente, a geração distribuída solar fotovoltaica dá ao consumidor mais liberdade e autonomia na gestão da geração e do consumo de energia elétrica, fazendo com que se torne um prossumidor (produtor + consumidor) mais eficiente e consciente na administração deste insumo vital para a vida moderna.
O conceito de consumidor cativo, dependente exclusivamente dos monopólios de distribuição de energia elétrica, começa, portanto, a ser desconstruído com a geração distribuída a partir da fonte solar fotovoltaica, valorizando a forma democrática de geração e consumo de eletricidade, em benefício de toda a sociedade.
A geração distribuída também posterga investimentos em novas usinas de geração, redes de transmissão e infraestrutura de distribuição, reduz custos de manutenção e perdas elétricas de transmissão e distribuição, melhorando a segurança de suprimento e a operação do sistema elétrico para todos.
A geração distribuída solar fotovoltaica coloca o consumidor no centro das decisões, trazendo a ele mais liberdade, independência, autonomia e controle sobre a sua energia elétrica. Por isso, 93% dos brasileiros quer gerar energia renovável em casa, segundo pesquisa do Ibope Inteligência de 2019.
É dever do regulador e dos líderes públicos do Congresso Nacional atender aos anseios da sociedade brasileira e não defender agentes específicos interessados em proteger suas receitas. O crescimento sustentável do Brasil será potencializado pela geração distribuída solar fotovoltaica, como política pública estratégica para o desenvolvimento econômico, social e ambiental, contribuindo para diversificar a matriz elétrica, gerando milhares de empregos, reduzindo a queima de combustíveis fósseis, ampliando a liberdade do consumidor, estimulando a cadeia produtiva, reduzindo perdas e trazendo economia para os cidadãos, as empresas e os governos.
Vivemos um bom momento para debater as regras da geração distribuída e para planejar a criação de um marco legal sólido e previsível para o setor. No entanto, é muito cedo para que se estabeleça uma mudança tão brusca e injusta num segmento que só agora começa a se desenvolver no País.
Nelson Colaferro Júnior - fundador da Blue Sol
Rodrigo Sauaia - CEO da ABSOLAR
Ronaldo Koloszuk - presidente do Conselho de Administração da ABSOLAR
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