Se a efetiva democratização da sociedade
brasileira for figurada, analogicamente, com uma travessia feita a nado,
poderíamos dizer que no Brasil, muitos cidadãos parecem vocacionados a morrer
na praia. Após haverem chegado ao
presente estágio, olham para trás, olham para frente, e deixam cair os braços
em inexplicável e profundo desânimo. Eu os vejo em bom número expressando
abatimento nas redes sociais. Prestam inestimável serviço aos inimigos que
ajudaram a derrotar. Jogam-lhes involuntariamente boias e cordas de resgate.
Entendamos os fatos. Foi o povo na rua e
nas redes sociais, em espontâneas manifestações verde-amarelas, que fez andar o
processo de impeachment de Dilma Rousseff forçando o deputado Eduardo Cunha a
dar início ao rito constitucional. Foi o povo na rua e nas redes sociais que, em
gigantescas mobilizações, forneceu suporte político aos fundamentos jurídicos
do impeachment. O processo de acusação de um Presidente da República tem
características jurídicas e políticas. Com aquele Congresso, cujos partidos
estavam majoritariamente comprometidos com a corrupção do governo, o
impeachment não teria acontecido se o povo não desse um forte empurrão na
"livre vontade" dos congressistas.
Foi o povo que saiu às ruas em apoio à
Lava Jato e ao juiz Sérgio Moro que preservou a atividade da força-tarefa
quando os primeiros movimentos para debilitá-la começaram a se esboçar no
Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Foi o povo que levou às ruas
as pautas conservadoras marcantes da eleição de 2018 e promoveu a maior
renovação já ocorrida em pleitos para o Congresso Nacional. Foi o povo na rua e
nas redes sociais que, se não conseguiu pôr juízo nas cabeças de seis ministros
do STF, arrancou resposta da Câmara e do Senado onde começam a tramitar
projetos para corrigir o absurdo cometido pelos habitantes daquela suntuosa
bolha.
Diante disso, como é possível entender
os tantos que, incapazes de discernir além da cerca da primeira dificuldade, se
dedicam a desanimar os animados e a desesperançar os esperançosos? Como podem afirmar, contra todas as
evidências, que as mobilizações "não funcionam"? Como podem priorizar
o Faustão e a Globo, desde o sofá da sala, e não ir às ruas pelo bem do próprio
país, que é o seu próprio bem? Como podem terceirizar sua cidadania,
transferindo-a para a total inviabilidade política, jurídica e democrática dos
quartéis que a tanto, com absoluta razão, enfaticamente, se recusam? Não
aprenderam ainda que, se não comprar uma sólida base no Congresso, o presidente
da República é o mais desapoderado dos poderes de Estado? E que precisa do
apoio explícito dos cidadãos para preservar a integridade do governo?
O coro de milhões de vozes em todo o
país é nossa mais nítida experiência democrática nestes tempos de travessia.
Diferentemente da "democracia direta", comum em experiências
esquerdistas, manipulada pelos seus aparelhos e organizações "não
burguesas", a democracia direta praticada pela reunião espontânea de
milhões de cidadãos, é a nossa mais bem sucedida experiência de soberania
popular. Eu a ouço como expressão inédita e indômita de amor ao Brasil, de
história acontecendo qual clarinada, límpida, atravessando os céus da Pátria
comum.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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