Advogado explica o que prevê a legislação
Uma
das técnicas de reprodução humana assistida mais surpreendente e altruísta é
conhecida por várias nomenclaturas como: gestação por substituição, cessão
temporária de útero, útero por substituição, maternidade de substituição e até
por “barriga de aluguel”. Esta última, no entanto, é a mais imprópria das
expressões porque sugere a onerosidade no negócio jurídico entabulado entre
os autores do planejamento familiar e a cedente do útero, o que é proibido em
nosso sistema jurídico. “A Constituição Federal, no art. 199, § 4º[1], proíbe
a utilização de órgãos, tecidos, e substâncias humanos com fins comerciais ou
lucrativos”, explica o advogado Danilo Montemurro, especialista em Direito de
Família.
Em poucas palavras, trata-se de uma técnica
de Reprodução Humana Assistida (RHA) adotada associadamente com a Fertilização
in Vitro (FIV). A indicação tem lugar quando da impossibilidade da mulher gerar
o filho, ou porque a mulher não possuí útero (histerectomia), ou pela presença
de doença grave que contraindique a gravidez. Neste caso, previamente é
realizada uma Fertilização in
vitro, com o uso dos gametas do casal (FIV homóloga) ou com o uso
do gameta do homem ou da mulher e o outro doado anonimamente (FIV heteróloga)
e, após, concebido o embrião este é transferido para a cavidade uterina da
cedente que irá suportar a gestação.
Pela
lei, os requisitos
são:
1)
A mulher deve ter algum problema médico que impossibilite ou seja
contraindicada a gestação
2)
A gestante deve ser parente consanguíneo ou colateral (até 4º)
3)
A cessão deve ser gratuita
4)
Caso a gestantes seja casada ou em união estável o marido ou companheiro deve
anuir com o procedimento
5)
Todos devem anuir com o consentimento informado
6)
Exame psicológico em todos (casal e gestante), atestando a adequação do estado
emocional é importante
7)
a FIV deve ser Homóloga ou Heteróloga. Não se pode utilizar (salvo autorização
judicial) gametas doados por pessoas conhecidas
8)
O contrato de gestação por substituição é documento indispensável
9)
Se a gestante não for parente, a autorização do CRM é indispensável
► Como fazer?
Primeiramente,
ao casal deve ser indicado o tratamento de cessão de útero por médico
especializado em Reprodução Assistida (RA). O médico irá avaliar se é o caso de
indicação da técnica, em sendo, qual procedimento de RA irá adotar (homóloga ou
heteróloga), quais eventuais problemas genéticos, etc.
Uma
mulher disposta a ceder seu corpo e útero para gerar o filho desde casal deve
ser indicada. Evidentemente que esta mulher deve ostentar condições de prover a
gestação e seu gesto deve ser puramente gracioso, sendo vedada qualquer
cobrança por isso. Esta mulher, a cedente de útero (barriga), deve ser parente
de um dos pais biológicos. Caso a barriga não seja parente, o procedimento
ainda sim é possível, contudo, o caso deverá ser submetido à autorização do
Conselho Regional de Medicina (CRM).
No
campo da medicina e biomedicina a técnica evoluiu significativamente, mas no
campo do direito ainda falta muito o que evoluir. Não há leis específicas que
tratem deste tema, há pouco estudo jurídico e raras decisões judiciais,
portanto, para que tudo acabe da melhor maneira o casal deverá valer-se de
ajuda profissional interdisciplinar: Além da ajuda de médico especializado em
tratamentos de RA; de médico obstetra que tenha alguma experiência em casos
desse tipo e de psicólogos, o casal, invariavelmente, precisará do auxilio de
advogado especializado.
E
é neste momento que o auxilio de advogado deveria ter início. Neste momento
documentos como Termos de Consentimentos e Contratos serão firmados por todos
os envolvidos, laudos médicos e psicológicos serão emitidos e os aspectos
jurídicos iniciais serão formatados.
Assinados
todos os documentos, emitida a autorização do CRM (se o caso) e providenciados
os demais documentos, o médico responsável iniciará o tratamento, começando
pela FIV fertilização in vitro, que produzirá pré-embriões.
Transferido
o pré-embrião para a cavidade uterina da cedente, em poucos dias será
confirmada, ou não, a gestação. Com o sucesso do tratamento, a cedente irá
gerar a criança, que carrega o material genético do casal (pais biológicos),
pelas próximas quase quarenta semanas.
Problemas
podem surgir, como a gestante que se arrepende e acaba causando problemas aos
futuros pais, problemas com o registro de nascimento, problemas de
reconhecimento da paternidade e outros, por isso, o acompanhamento por advogado
especializado é fundamental.
Histórico
Impressiona o fato de não ser contemporânea a ideia desta técnica, mas, ao
contrário, muito antiga. A Bíblia já fazia referência, no livro Gênesis 16
(Capítulos 16 e 21, no Livro Gênesis, na Torá), ao casal Sara e Abraão, ela com
75 anos era incapaz de engravidar e assim ofereceu sua escrava egípcia Agar (Hagar,
hebraico moderno) para que gerasse o filho de Abraão, Ismael.[2]
Na Índia, a propósito, outra curiosidade histórica impressiona porque já se
praticava técnicas de reprodução humana diante da infertilidade ou esterilidade
em 200 a.C., como denuncia o Código
de Manu[3], que autorizava a inseminação (natural)
por outra mulher (cedente do útero), desde que fosse anuída pelo marido,
delimitando o número de filhos, na hipótese de esterilidade do marido.
Outrossim, não há como discorrer sobre a história da gestação por substituição
sem mencionar, ainda que de passagem, o caso do Bebê M (Baby M), o primeiro
caso de gestação por substituição julgado nos Estados Unidos, pela Suprema
Corte de Nova Jersey[4], em 1988.
O acordo foi celebrado em 1985 por William Stern e Elizabeth Stern com
Mary Beth Whitehead (gestante), porque o casal não conseguia gerar o próprio
filho por infertilidade da mulher. O tratamento foi a inseminação artificial,
com o uso do gameta de Willian, introduzido artificialmente em Mary.
Por
contrato, as partes acertaram que a criança seria entregue ao casal, e
posterior adoção por Elizabeth Stern, tornando a criança legalmente filha do
casal. Para tanto, Mary receberia a quantia de US$ 10.000,00 (dez mil dólares).
Os problemas começaram a surgir logo após o nascimento da criança,
momento no qual Mary Beth percebeu que não conseguiria se separar do bebê,
mostrando grande dificuldade em lidar com sua decisão, contudo, o contrato foi
cumprido e o recém nascido foi entregue ao casal. Contudo, tomada por uma
profunda tristeza, Mary foi até a casa do casal Stern pedindo para que ela
pudesse ficar o bebê por pelo menos uma semana e, com medo que Mary comete-se
suicídio e confiando que ela devolveria o bebê, o casal Stern acabou entregando
a criança a Mary Beth.
Ao perceber que a criança não seria devolvida, William Stern procurou a justiça
exigindo que o contrato de maternidade por substituição fosse cumprido. Em
consequência deste ato Mary Beth e seu marido fugiram com o bebê para a
Florida, onde se esconderam por três meses, até as autoridades a encontrarem e
apreenderem o bebê. No tempo em que esteve foragida com a criança a mãe
substituta realizou varias ligações para o pai biológico, que com autorização
da justiça gravou as conversas, para discutir o caso, inclusive ameaçando se
matar, matar o bebê e até inventando acusações de abuso sexual contra o mesmo.
Assim que a polícia descobriu onde Mary Beth estava a ordem de apreensão do
bebê foi cumprida e o mesmo devolvido para o pai biológico.
Fonte: Danilo
Montemurro - advogado especializado em Direito de Família e Sucessões,
Mestre em Direito, pós-graduado em Direito Processual Civil, professor de
Direito Civil da Faculdade Autônoma de Direito, autor do blog "Direito de
Família para as famílias".
[1] Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa
privada. (...)§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que
facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e
transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização.
[3] Historicamente, as leis de Manu são tidas
como a primeira organização geral da sociedade sob a forte motivação religiosa
e política. O Código é visto como uma compilação das civilizações mais antigas.
O Código de Manu não teve uma projeção comparável ao Código de Hamurabi (lembramos que o Código
de Hamurabi é mais antigo que o de Manu em pelo menos 1500 anos), porém se
infiltrou na Assíria, Judeia e Grécia. Em
certos aspectos é um legado, para essas civilizações, comparado ao deixado
por Roma à
modernidade. As leis de Manu são concebidas como um calabouço profundo, onde
o Hindu de
classe média ou inferior encontrava um abismo legal diante de suas ações
inseguras. Isto é justificado, em face da concepção de que o castigo e a coação
são essenciais para se evitar o caos na sociedade. (MARTINS, Roberto de A. A
vida sagrada: os quatro estágios (asramas) da vida dos BrãhmamAS. In: GNERRE,
Maria Lucia Abaurre; POSSEBON, Fabricio (Org). Cultura oriental: filosofia,
língua e crença. Vol. II. Editora Universitária da UFPB. João Pessoa. 2012).
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