Dos átomos aos
bits, a digitalização dos meios de pagamento nos conduz para uma sociedade na
qual a materialidade e a circulação física do dinheiro deixarão de existir
A necessidade de realizar pagamentos é tão
antiga quanto a própria história da humanidade. Evidências indicam
que há cerca de 10 mil anos a.C, nossos ancestrais começaram a utilizar gado e
outros animais como moeda nas trocas de bens e serviços. Antes disso, os grupos
humanos primitivos realizavam apenas o escambo, sem o envolvimento de qualquer
meio de troca em suas transações.
Hoje, no entanto, nossa realidade não poderia ser
mais diferente. Estamos vivendo em um mundo transformado pela tecnologia, na
qual a comunicação e a informação são abundantes e o processo de digitalização
— aqui entendida como o fenômeno que transforma átomos em bits, ou software comendo o mundo - se acelera. A
tecnologia está nos conduzindo para uma época que a própria existência física —
ou materialidade — do dinheiro deixará de existir. E, acredite, isso
provavelmente será bom para você.
Quando visto sob a perspectiva histórica, a
evolução dos meios de pagamento nos ensina uma busca incessante por maiores
graus de simplicidade, conveniência e segurança nas transações. De um punhado
de conchas até os pagamentos via Smartphone, como é que nós chegamos até aqui?
Como foi a nossa jornada? E para onde a busca está nos levando?
Confira a seguir uma compilação cronológica das
principais etapas desta história:
Os animais são os meios de troca mais antigos de
que se tem notícia. Por serem valiosos, vacas, carneiros, ovelhas e camelos
eram geralmente aceitos como forma de pagamento. Utilizar seres vivos como
moeda, no entanto, era pouco conveniente. O passo seguinte foi dado na
Mesopotâmia, em 3 mil a.C., com a substituição do uso de animais por medidas de
grãos. Conchas foram usadas na China, África, Oceania e nas Américas por volta
de 1.500 a.C.
Das conchas às moedas, 1.000 a.C.
Por volta de 1.000 a.C, surgem na China as
primeiras moedas de bronze. Em 610 a.C, as primeiras moedas feitas de metais
preciosos, como ouro e prata, são utilizadas no Reino da Lídia, região
ocidental da atual Turquia.
Das moedas para as cédulas de papel, 618 d.C. —
1600
Para evitar o uso excessivo de cobre em grandes
transações comerciais, os chineses, que já haviam inventado o papel alguns
séculos antes, criaram as cédulas de
papel durante a dinastia Tang (618–907 d.C.).
No século 13, Marco Polo e outros viajantes do
ocidente levaram o conceito para a Europa. Em 1657, na Suécia, o Stockholms Banco, se torna
o primeiro banco europeu a imprimir cédulas de dinheiro.
O estabelecimento do Padrão Ouro, 1816–1914
Em 1816, os ingleses adotaram o ouro como padrão
monetário, sendo seguidos pelos alemães e norte-americanos em 1873. No chamado
Padrão Ouro, o valor da moeda nacional é definido, legalmente, como uma
quantidade fixa de ouro, evitando processos inflacionários. O padrão ouro foi o
primeiro sistema monetário internacional, e vigorou até a eclosão da primeira
guerra mundial, em 1914.
Os Charge Cards, década de 1920
Na próspera América dos anos 1920, o número
crescente de automóveis propiciava aos seus proprietários viagens cada vez mais
frequentes. Não raro, estes viajantes precisavam fazer pagamentos longe dos
seus domicílios bancários. Ao perceber a oportunidade, algumas lojas de
departamento e redes de hotéis criaram o Charge Cards e o Charge
Plates, uma espécie de avô dos atuais cartões de débito. Através da
apresentação de uma pequena placa de metal que trazia o nome do estabelecimento
e a identificação do cliente, era possível para o portador efetuar um pagamento
no estabelecimento emissor sem a utilização de dinheiro.
O surgimento da indústria de cartões, décadas de
1950 e 1960
Em 1949, um empresário chamado Fred McNamara
percebeu que havia esquecido a carteira na hora de pagar a conta de um jantar
(em inglês, diner). O incidente o fez pensar por que um empresário como
ele não poderia ser livre para gastar o que ele de fato pudesse pagar, ao invés
de ficar restrito ao dinheiro que eventualmente possuísse no bolso. Uma ideia
simples, porém revolucionária. Um ano depois, McNamara e um sócio reuniram 27
estabelecimentos e cerca de 200 amigos e lançaram o Diners Club Card. O
sucesso da iniciativa acabou dando origem a indústria moderna de cartões.
Em 1958, a American Express, que atuava desde 1850
em fretes e transportes de valores, introduziu no mercado um cartão para
despesas com entretenimento e viagens. No mesmo ano, o Bank of America lançou
na Califórnia o BankAmericard, precursor dos cartões VISA, que além de ser
aceito em uma variedade maior de estabelecimentos, trazia também a novidade de
poder ser pago em parcelas mensais, com a incidência de juros, é claro. Em
1959, a AMEX introduziu os cartões de plástico, substituindo o papel utilizado
até então.
Em 1965, o Bank of America começou a licenciar o
seu sistema de cartões de crédito para outros bancos nos EUA, em um movimento
que também levou a formação de uma rede bancária nacional capaz de promover o
uso do BankAmericard por todo o país.
Em 1967, quatro bancos da Califórnia fundaram um
competidor para o BankAmericard, chamado de “Master Charge: The Interbank
Card”. Em 1979, o programa foi renomeado para “MasterCard”.
A primeira ATM, 1967
Em 1967, a primeira ATM entrou
em operação em uma agência do Barclays Bank, em Londres, inaugurando a era dos
pagamentos eletrônicos.
Cartões com tarjas magnéticas, década de 1970
Na década de 1970, o uso de cartões com tarjas
magnéticas foi padronizado, permitindo aos estabelecimentos verificar as
transações eletronicamente. Este avanço reduziu substancialmente o tempo gasto
em uma operação. Nos anos 1980, as redes de cartões de pagamento se tornaram
globais e, pela primeira vez, foram utilizadas em conjunto com um Personal
Identification Number (PIN) em um terminal Point of
Sale (POS).
Cashbacks e programas de recompensas, 1986
Em 1986, a varejista Sears introduziu o cartão
Discover, que oferecia aos consumidores um pequeno desconto em todas as suas
compras, e criou os sistemas de cashback e recompensas.
Os Cartões com Chip, década de 1990
O início dos anos 1990 viu a chegada dos cartões
com chips, também chamados de SmartCards (ou EMV). Os cartões de tarja
magnética haviam sido um enorme sucesso, mas a tecnologia era especialmente
vulnerável à clonagem e, com isso, o número de fraudes era crescente. O chip
acrescentou ao plástico a capacidade de armazenar e processar informações,
devidamente protegidos por protocolos criptográficos no próprio terminal POS, o
que proporcionou um aumento considerável na segurança das transações.
Os Sites de Comércio Eletrônico, 1994–2005
Em 1994, a Internet, que até então havia sido um
território ocupado quase que exclusivamente por acadêmicos e pesquisadores, se
abriu para o uso comercial.
Em agosto do mesmo ano, aconteceu a primeira compra
realizada com um cartão de crédito em um site de comércio eletrônico.
Em 1995, Jeff Bezos lança a Amazon.com. Nos
primeiros anos, a empresa concentra sua operação na venda online de livros. Em
1997, a Amazon se transforma no primeiro varejista online com mais de um milhão
de clientes. Em 1998, a empresa expande sua atuação para música online e
vídeos. No ano seguinte, passa a atuar também com brinquedos, eletrônicos,
ferramentas e equipamentos.
PayPal e o surgimento das carteiras digitais, 1998
Em 1998, uma startup na Califórnia chamada PayPal
criou um serviço que permitia a qualquer pessoa com um endereço de e-mail se
cadastrar, enviar e receber dinheiro eletronicamente de outros usuários.
Os primeiros pagamentos móveis por SMS, 1999
Em 1999, a Ericsson e a Telenor
Mobil apresentaram a primeira solução para compra de
ingressos de cinema onde o aparelho celular atuava como um terminal de
e-commerce.
A fusão entre IoT e pagamentos, 1999 em diante
O termo Internet of Things foi empregado pela
primeira vez em 1999, por um empresário britânico do setor de tecnologia
chamado Kevin Ashton. Kevin
se referia a máquinas capazes de se comunicar umas com as outras, coletando,
analisando e compartilhando dados, o que tornaria possível alcançar padrões
superiores de automação e eficiência.
Em 2005, a International Telecommunication Union,
agência da ONU para telecomunicações, publicou o seu
primeiro relatório sobre a Internet das Coisas. Nele,
identificava o surgimento de uma rede dinâmica de objetos inteligentes,
reunindo dispositivos, sensores e acionadores, que somados ao enorme poder de
processamento e armazenamento de dados oferecido pela computação em nuvem,
estava intensificando o processo de digitalização e formando a nova
infraestrutura das sociedades baseadas em informação.
“Uma nova dimensão foi acrescentada ao mundo das
tecnologias da informação e da comunicação: de uma conectividade a qualquer
momento, em qualquer lugar e para qualquer um, agora teremos conectividade para
qualquer coisa. As conexões se multiplicarão e criarão uma nova e dinâmica rede
de redes — uma Internet das Coisas.” — International Telecommunication Union,
2005
Ao combinar vários tipos de dispositivos
eletrônicos através de conectividade e software, a Internet das Coisas
habilitou uma infinidade de novos canais para a entrega de serviços, uma rede
de distribuição mais avançada e com maior alcance. As trocas comerciais
passaram a não mais estar limitadas aos contextos e canais tradicionais. Cada
‘coisa’ ou objeto conectado se converte em um novo ponto de pagamento
disponível, uma nova plataforma de comércio em potencial.
O surgimento das Plataformas Móveis, 2007
Em junho de 2007, ocorre o lançamento do iPhone,
pela Apple. Em novembro, um consórcio liderado pelo Google lança o sistema
operacional Android. O surgimento das duas plataformas abriu um grande espaço
de possibilidades para os pagamentos móveis, que se
tornariam o centro das atenções na década seguinte.
A evolução da IoT, a partir de 2008
Em um dia comum entre os anos de 2008 e 2009,
ocorreu um momento bastante singular, porém pouco notado pela maioria das
pessoas. Pela primeira vez na história, mais ‘coisas’ do que
seres humanos estavam de fato conectadas à Internet.
Pulseiras, relógios, botões, aparelhos domésticos, assistentes pessoais,
veículos conectados e residências inteligentes. Todos estes objetos são
atualmente capazes de oferecer experiências de compra onde o pagamento é
transparente ou pouco percebido. A cada dia, elas ganham maior espaço sobre
transações realizadas com os meios de pagamento legados, como moedas de metal,
notas de papel e cartões de plástico.
BitCoin, a primeira aplicação baseada em Blockchain, 2008–2009
Em 2008, décadas de pesquisa em criptografia e
redes distribuídas resultaram na publicação do documento “Bitcoin: A
Peer-to-Peer Electronic Cash System”, por um autor desconhecido
sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto. A primeira transação Bitcoin ocorreu no
dia 12 de janeiro de 2009. Nasciam as criptomoedas e as tecnologias de
blockchain.
ApplePay e os pagamentos sem contato autenticados por biometria, 2014
Durante o evento de lançamento do iPhone 6, em
setembro de 2014, a Apple anuncia o ApplePay, solução de pagamento móvel
combinado a uma carteira digital, em parceria com a American Express,
MasterCard e Visa. O sistema utiliza a tecnologia NFC para substituir cartões
de crédito e débito em terminais POS habilitados para comunicação sem fio, com
a adição de um segundo fator de autenticação via biometria (Touch ID), PIN ou
senha.
Em 2015, surgem os competidores. Em maio, o Google
lançou o Android Pay. Em agosto, foi a vez do Samsung Pay.
Wearables, o corpo como meio de pagamento, 2014
Em 2014, a popularização dos wearables expandiu o universo dos pagamentos móveis para
muito além dos smartphones e terminais POS. Em Junho, a Barclaycard lançou a
pulseira de pagamentos bPay. Em setembro, a Apple anunciou que o
Apple Pay estaria integrado ao recém-lançado Apple Watch. Em novembro, o smartwatch
Pebble passava a
disponibilizar pagamentos via PayPal.
Conclusão
Dos
átomos aos bits, a digitalização dos meios de pagamento nos conduz para uma
sociedade em que a materialidade e a circulação física do dinheiro finalmente
deixarão de existir. O que, diga-se de passagem, faz todo o sentido dentro do
processo evolutivo que acabamos de acompanhar. Afinal, para que carregar
objetos físicos se tudo o que precisamos para realizar um pagamento é de
informação?
Ricardo Abdalla - Bacharel
em Ciências da Computação pela Universidade Federal Fluminense, Ricardo Abdalla
trabalha na Braspag desde 2011, passando pelos cargos de Analista de
Desenvolvimento de Software, Especialista de Desenvolvimento até sua posição
atual: Coordenador de Inovação, assumida em fevereiro de 2016.
Braspag
www.braspag.com.br
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