Pesquisa realizada por economistas em parceria com o Idec e ACT Promoção da Saúde mostra como produtos não saudáveis ganham espaço na dieta nacional a partir de políticas de incentivo tributário e regras sanitárias
Salsichas,
margarinas, adoçantes artificiais, preparações para bolos, pó para o preparo de
bebidas adoçadas. Estes são alguns dos produtos intrusos na dieta brasileira
que são favorecidos por legislações estaduais. Em mais de uma região do país,
regras facilitam a inclusão de ultraprocessados no rol de alimentos que compõem
a cesta básica, com a isenção de impostos e a concessão de outros benefícios
legais.
Essa constatação
sobre a qualidade dos tipos de comida considerados essenciais está em um estudo
conduzido pelos economistas Arnoldo de Campos e Edna Carmelio em parceria com o
Idec-Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e a ACT Promoção da Saúde. Ao
investigar tributos e normas sanitárias de seis estados do país, os
pesquisadores encontraram políticas públicas que incluem alimentos
ultraprocessados como alguns dos itens que compõem a cesta básica.
Em São Paulo, por
exemplo, a regulamentação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços) concede isenção tributária para produtos como margarina e creme
vegetal, apresuntados, biscoitos e bolachas, além de linguiças, salsichas e
mortadelas, por considerá-los “essenciais” de acordo com a legislação
brasileira.
Na Bahia, por sua
vez, o mesmo tipo de política isenta de impostos a fabricação de laticínios,
chás prontos para o consumo, xaropes e refrescos, além de pós para a preparação
de bebidas adoçadas.
De acordo com o
Guia Alimentar para a População Brasileira, todos estes itens listados são
ultraprocessados, elaborados a partir de técnicas industriais, com
restos de outros tipos de comida misturados a aditivos químicos usados para
disfarçar aparência, cheiro e sabor. Não raro, apresentam altos índices de
açúcar, gordura e sal.
Estudos
científicos recentes associam a ingestão desses produtos ao desenvolvimento de
doenças crônicas não transmissíveis, como câncer, diabetes, hipertensão e
problemas cardiovasculares. De acordo com uma pesquisa recente da Fiocruz, o
consumo de ultraprocessados, inclusive, está diretamente relacionado a 57 mil
mortes de brasileiras e brasileiros a cada ano.
A presença dos
ultraprocessados entre os alimentos considerados essenciais, no entanto, ocorre
pelo desvirtuamento de uma Lei federal que dita o conteúdo da cesta básica.
Essa definição consta no decreto de Getúlio Vargas que em 1938 instituiu o
salário mínimo. A regra considera uma lista de provisões necessárias para a
dieta de um trabalhador adulto, mas o faz de forma genérica, permitindo que uma
comida como carne in natura seja, então, substituída por salsichas ou
linguiças.
“Ao longo dos
anos, regras federais e estaduais alteraram a tributação dos alimentos,
privilegiando o consumo dos ultraprocessados, desconsiderando a perspectiva de
uma cesta básica saudável. Isso não aconteceu à toa, e o lobby da indústria de
alimentos parece ser relevante. Nos últimos anos, impostos sobre a alimentação
contribuíram para baratear os alimentos não saudáveis”, afirma Arnoldo de
Campos, um dos autores do estudo.
De acordo com a
nutricionista Janine Giuberti Coutinho, coordenadora do programa de Alimentação
Saudável e Sustentável do Idec, a incorporação paulatina de ultraprocessados na
cesta básica ao longo dos anos prejudicou a saúde da população brasileira.
“Em um cenário de fome, insegurança alimentar e nutricional e obesidade, é
imprescindível políticas de acesso a alimentos saudáveis para todos”, ela
afirma.
Nova
legislação
Para fazer com que
o conteúdo da cesta básica seja exclusivamente de comida saudável, o Idec e a
ACT Promoção da Saúde propõem uma revisão conceitual da composição. “Temos um
Guia Alimentar para a População Brasileira e não há justificativa para que os
critérios para a inclusão de alimentos na cesta básica não levem em conta essas
recomendações do Ministério da Saúde, além de considerar questões regionais,
culturais e da imensa biodiversidade do nosso país”, diz Janine.
A ideia é que, com
a nova regra, os produtos in natura e/ou minimamente processados sejam o
carro-chefe dos itens considerados essenciais na dieta brasileira.
A proposta pretende eliminar a presença dos ultraprocessados nas cestas básicas e valorizar a cultura alimentar de cada região brasileira. “Apresentamos esta proposta no governo de transição, e agora vamos reforçá-la com todos os setores da gestão federal que tratam da agenda da alimentação, além de trazer como uma prioridade a ser discutida no âmbito do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea”, conclui Giuberti.
Para
ler o estudo completo, acesse esse link