Professores dos
cursos de Farmácia do Módulo e da UNICID explicam motivos de viciarmos em
medicamentos que causam dependência, os riscos e como realizar o tratamento
dessa condição
Tem sido
cada vez mais comum encontrar jovens e adultos com doenças relacionadas à saúde
mental. Em levantamento de setembro de 2019 feito
pelo Ministério da Saúde, os atendimentos e internações de pacientes do SUS
referentes à depressão aumentaram 52% entre 2015 e 2018. Eram mais de 121 mil
pessoas e, dentre a população na faixa dos 15 e 29 anos, o aumento foi de 115%.
Entre as
possíveis razões para isso estão as mudanças que a última década trouxe no
campo social, cultural, político, econômico e profissional. Além disso, estamos
inseridos em uma realidade de padrões extremos, altas expectativas, muita
pressão no trabalho e imediatismo. Esses fatores podem levar as pessoas a
ingerirem, por exemplo, medicamentos psicotrópicos para aliviar sofrimentos
inerentes à condição humana, como preocupações, frustações, angústias, entre
outros.
Nesse
cenário, especialistas da área de saúde se atentam para que a dependência de
medicamentos não se instale nas pessoas. Mas, como muitas acabam se automedicando,
seja por dificuldade no acesso aos serviços de saúde ou por alguma questão
pessoal, elas acabam correndo o risco de ter um vício.
A Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) fez um levantamento da venda anual de
analgésicos opioides (medicamentos como a oxicodona, codeína e fentanil para
controle de dor oncológica e não-oncológica, que também produzem sensação de
euforia e relaxamento e são altamente viciantes): no primeiro semestre de 2021,
foram comercializados cerca de 14,5 milhões de embalagens de analgésicos
opioides no Brasil. Já em 2020, este número beirou os 22 milhões.
A
farmacêutica Anelise Liduvino Faria Kojo, professora e coordenadora do curso da
Farmácia do Centro
Universitário Módulo, explica que algumas substâncias ativam o sistema de
recompensa do cérebro e esse estímulo faz com que ocorra uma perturbação na
pessoa, aumentando a necessidade de ativação e diminuindo o prazer de outros
estímulos, por exemplo, comer.
“O
indivíduo fica dependente desse estímulo por não sentir mais prazer em outras
coisas naturais do dia a dia e sua interrupção causa sintomas físicos de
desconforto, ansiedade e até sintomas graves que podem levar à morte”,
considera a especialista.
Esse
sistema de recompensa é modulado pela dopamina, um neurotransmissor envolvido
na dependência. Assim, quando ingeridos por um período prolongado, de maneira
ininterrupta, normalmente superior a três meses, esses medicamentos podem
causar o que se conhece por farmacodependência, explica o Dr. José Artur da
Silva Emim, coordenador e docente do curso de Farmácia da Universidade
Cidade de São Paulo (UNICID).
Principais medicamentos que causam vício
O vício em
medicamentos propaga no cérebro da pessoa uma ação semelhante à de outras
substâncias, como bebidas, cigarros, mas com uma capacidade viciante maior. Os
analgésicos opioides são os que mais causam dependência porque agem no sistema
de recompensa mencionado pelos docentes do Módulo e da UNICID.
“São
exemplos desse tipo de medicamento a codeína, a morfina e o tramadol que são
prescritos para casos de dores fortes de um pós-cirúrgico ou de um grande
trauma, por exemplo”, destaca a docente do Módulo.
O Professor
José Artur lembra de outros tipos de medicamentos que também atuam o Sistema
Nervoso Central (SNC) e que interferem no sistema de recompensa: os
psicotrópicos. Esses interferem a capacidade de pensar, analisar, abstrair,
julgar e agir (afetam humor e comportamento).
"Contudo,
possuem grande capacidade reforçadora, sendo, portanto, passíveis de
autoadministração, ou seja, levam à dependência. Entram nessa categoria os
tranquilizantes, os ansiolíticos, os antidepressivos, além dos analgésicos
opioides (compostos semelhantes à morfina), entre outros”, exemplifica.
Perigos da dependência medicamentosa
O consumo
em excesso de medicamentos pode causar uma série de danos ao nosso organismo,
inclusive gerar a chamada farmacodependência. E, nesse sentido, acabar tendo
abstinência pode se tornar uma realidade, para além de efeitos nocivos como
perda da memória, sonolência, irritação e dificuldade de concentração.
“Como
qualquer outro vício, faz a pessoa refém do desejo de usar repetidamente a
substância e isso atrapalha a vida profissional, social e familiar. Além disso,
há o fato de a pessoa poder se envolver em atos ilícitos para continuar
adquirindo a substância que só pode ser adquirida licitamente com a prescrição
de um profissional de saúde. Em casos extremos pode levar a morte por
overdose”, completa Kojo.
A falta que
o corpo sente do medicamento, nesse sentido, faz com que a pessoa perca o
controle da quantidade ingerida ou injetada, algo que pode levá-la a óbito.
“A
abstinência é uma reação extremamente incapacitante, a qual, necessariamente,
envolve a adoção de um tratamento terapêutico (medicamentoso ou não) para
revertê-la. O viciado em medicamentos não consegue abandonar o vício sozinho.
Trata-se de uma condição bastante sofrida que gera impactos negativos no
viciado, em sua família e em seus amigos”, atenta o professor José.
Tratamento
O vício em
medicamentos só pode ser abandonado com tratamento especializado e adequado, é
o que ressalta Anelise Liduvino Faria Kojo. “Precisa ser tratado como outros
vícios, de forma multidisciplinar com equipe composta por médicos, psicólogos e
outros profissionais especializados. Em alguns casos são utilizados outros medicamentos
para tratar os sintomas de abstinência”, comenta.
Para evitar
que a dependência ocorra, Anelise salienta que é essencial que as pessoas usem
apenas medicamentos que foram prescritos por profissionais habilitados e
utilizem conforme orientação farmacêutica.
Por fim, a
Ma. Camilla Uzam, professora do curso de Farmácia da UNICID, orienta que não há
medicamento isento de risco e que, mesmo que não seja necessária uma prescrição
para o seu uso, é preciso evitar tomar remédios por conta própria.
“A utilização
sem o acompanhamento de um profissional qualificado, seja ele médico ou
farmacêutico, pode causar sérios danos à saúde individual e, também, coletiva.
Um exemplo de impacto do uso indevido de medicamentos é o fenômeno crescente e
preocupante da Resistência aos Antibióticos, que é motivo de muita preocupação
em nível global, notadamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, pontua o
Professor José Artur.
Nenhum comentário:
Postar um comentário