Sobrevivente do
Holocausto e fundador do movimento No!art, artista radicado nos Estados Unidos
fez do luto energia criativa
Boris Lurie em seu
estúdio - 1977 | Foto: Joseph Shneberg
O que fazer com o luto, a raiva, a dor, o
inconformismo? Com grande parte de sua família executada pelos nazistas durante
a Segunda Guerra Mundial, Boris Lurie (1924-2008) passou a vida dedicado à
construção de uma obra plástica irrequieta e inquietante. A partir do dia 5 de abril,
um conjunto importante de seus trabalhos será apresentado pelo Museu
Judaico de São Paulo, dando sequência a uma série de exposições
realizadas pela Europa, Estados Unidos e América Latina.
Com curadoria de Felipe Chaimovich e desenvolvida
com apoio da Fundação Boris Lurie, "Boris Lurie - Arte,
Luto e Sobrevivência" percorre o legado do artista por meio de 44
colagens, desenhos, pinturas e esculturas pautados pela memória dos
acontecimentos e atravessados por um forte componente erótico, às vezes
sadomasoquista.
Nascido em Leningrado, Rússia, no ano de 1924,
Boris viveu sua infância e adolescência em Riga, Letônia. Em 1941, sua mãe, a
avó materna, a irmã caçula e sua primeira namorada foram assassinadas após a
prisão num campo de evacuação. Lurie e seu pai, por sua vez, passaram pelos
campos de trabalho de Lenta e Salaspils e pelos campos de concentração de
Stutthof e Buchenwald-Magdeburg e sobreviveram à Shoah. Libertos em 1945,
emigraram para os Estados Unidos.
Foi em Nova York, para onde emigrou com ajuda de
uma irmã mais velha, que Lurie iniciou a formação artística que lhe permitiria
dar novas formas à memória. Esse processo se faz sentir, por exemplo, em
"O Retrato de minha mãe antes do fuzilamento", de 1947, uma evocação
da figura materna e obra-chave em seu percurso de luto/criação. A partir dela,
a figura da mulher se torna permanente em sua obra, assim como a estrela de
Davi amarela – elemento que marcava pessoas judias durante o regime nazista e
que o artista continuou a usar na sua roupa após emigrar para os Estados
Unidos.
"Boris Lurie produziu quadros e objetos com a
estrela amarela, inclusive usando peças de roupa íntima, como cuecas e
corseletes", escreve o curador, assinalando a indissociabilidade entre
morte e desejo na obra do artista. "Negando-se a esquecer, sua
indumentária continuava a testemunhar uma sobrevida impacificável",
complementa Chaimovich.
Frequentador da escola de arte nova-iorquina Art
Students League e tendo convivido com pintores gestuais como o francês Pierre Soulages,
Lurie baseou-se na linguagem publicitária e na mass mídia
norte-americana para trabalhar suas "pin-ups". A partir de
1955, produziu colagens críticas à objetificação do corpo feminino e, em 1960,
fundou No!art, um movimento contra os valores da sociedade de
consumo da época criado junto com Sam Goodman e Stanley Fisher. De volta a Riga
em 1975, pela primeira vez desde a Segunda Guerra, deu início à redação de um
diário de viagem, que, juntamente com uma novela de ficção, foram publicados
postumamente.
"Um artista que sobreviveu não porque
sustentado pela arte, mas por causa dela”, sugere Felipe Arruda, Diretor
Executivo do Museu Judaico. “Um artista que confrontou e reelaborou por toda a
vida as imagens do horror presenciado, que vocalizou em seus trabalhos o
protesto contra o antissemitismo, que manipulou signos do sexo, da propaganda,
do consumo, do poder e da morte para construir uma obra crítica e sem esquiva,
às vezes perturbadora."
Sobre o Museu Judaico de São
Paulo (MUJ)
Inaugurado após vinte anos de planejamento, o Museu
Judaico de São Paulo é fruto de uma mobilização da sociedade
civil. Além de quatro andares expositivos, os visitantes também têm acesso a
uma biblioteca com mais de mil livros para consulta e a um café que serve
comidas judaicas. Para os projetos de 2023, o MUJ conta com o Banco Alfa e Itaú
como patrocinadores e a CSN, Leal Equipamentos de Proteção, Banco Daycoval,
Porto Seguro, Deutche Bank, Cescon Barrieu, RaiaDrogasil S.A, BMA Advogados,
Credit Suisse e Verde Asset Management como apoiadores.
Sobre a Fundação Boris
Lurie
Localizada em Nova Jersey, nos Estados Unidos,
a Boris Lurie Art Foundation dedica-se a cuidar e divulgar a vida, o
trabalho e as aspirações de Boris Lurie e a preservar e promover o movimento
NO!art com foco no visionário social na arte e na cultura. A Fundação detém os
trabalhos, poesia, escritos pessoais e arquivos do artista, bem como as obras
de outros artistas NO!art que estão sob seu controle, tornando-os disponíveis
ao público e instituições de ensino em todo o mundo. No espírito do legado de
Lurie, a fundação apoia uma variedade de iniciativas, incluindo exposições,
publicações, filmes, aquisições, estágios e doações.
Serviço:
Boris Lurie - Arte, Luto e
Sobrevivência
Museu Judaico de São Paulo (MUJ)
Curadoria: Felipe Chaimovich
Período expositivo: de 5 de abril a 9 de julho
Local: Rua Martinho Prado, 128 - São Paulo, SP
Funcionamento: Terça a domingo, das 10 horas às 19
horas (última entrada às 18h30)
Ingresso: R$ 20 inteira; R$10 meia
Classificação indicativa: Livre
Acesso para pessoas com mobilidade reduzida
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