Qual importância desse instituto para a sociedade?
Tornou-se usual
nos últimos anos ouvirmos notícias de que uma empresa entrou em recuperação
judicial, tal como ocorreu mais recentemente com a Americanas, mas pouco se
fala sobre o que é esse instituto e qual sua importância para a sociedade.
Afinal, por qual razão as empresas entram em recuperação judicial?
Incialmente,
para melhor compreensão da proteção jurídica das empresas no caso de uma crise
econômico-financeira cabe fazer alguns esclarecimentos.
As empresas são
organizações técnicos-econômicas que se propõem produzir a combinação dos
diversos elementos da natureza, tais como trabalho, capital, bens ou serviços
destinados à troca (venda), com esperança de realização de lucros, correndo
riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige
esses elementos sob sua responsabilidade.
De forma
simplista, o empresário coordena os elementos supramencionados (trabalho, capital,
bens e/ou serviços) com a intenção de obter lucro. Entretanto, além da
finalidade lucrativa acima citada, a empresa é um importante mecanismo social,
capaz de produzir riquezas, gerar empregos e movimentar a economia, com função
para além dos interesses daquele que coordena tal atividade, justificando que
empresas em crises façam jus a um procedimento recuperacional quando
necessário.
A recuperação
judicial de empresas é um importante mecanismo judicial que visa viabilizar a
superação dos efeitos de uma crise econômico-financeira, permitindo a
manutenção da atividade produtora, dos empregos, bem como dos interesses dos
credores, cuja intenção primordial é preservar a empresa, prestigiar sua função
social, bem como o estimular a atividade econômica.
Segundo
TOMAZETTE (2017) a recuperação judicial não se preocupa em salvar o empresário
(individual ou sociedade), mas sim em manter a atividade em funcionamento,
assim como a empresa (atividade) é mais importante que o interesse individual
do empresário, dos sócios e dos dirigentes da sociedade empresária.
Nesse diapasão,
nota-se, o exercício da atividade empresa possui um importante escopo social e
está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento econômico.
Com isso,
percebe-se que a preservação do exercício da empresa não beneficia apenas
aquele que o exerce, mas atua no interesse da sociedade através do cumprimento
de sua função social.
Logo, ao exercer
a atividade econômica o empresário ou acionista age (ou deve agir) no intuito,
não apenas de obter lucro, mas também de cumprir a função social, cujo
interesse está alçado no interesse da coletividade, mediante a principiologia
dos valores do trabalho e da livre iniciativa previstos na Magna Carta.
Portanto, é
possível concluir que o exercício da atividade empresarial, não é apenas uma
forma de obtenção de lucro ao empresário em prol de um interesse particular,
mas também um mecanismo social e econômico de prover os direitos
constitucionais a ensejar uma economia saudável capaz de prover o
desenvolvimento da sociedade e atender os anseios básicos da sociedade, tal
qual, uma vida digna e empregabilidade.
Todavia, por
motivações internas ou externas aos negócios, as empresas podem sofrer aquilo
que se denomina de “crise econômico-financeira”, impedindo que o empresário
siga exercendo sua atividade em razão da ausência de recursos suficientes para
cumprir com as obrigações assumidas, bem como pela ausência de ativos
necessárias para o fluxo de caixa cotidiano das atividades desempenhas. Vale
mencionar que existem outros fatores capazes de originar crises, mas nem todos
ensejam resposta jurídica.
De acordo com
TOMAZETTE (2017) a crise econômica poderá ser compreendida como a retração considerável
nos negócios, ou seja, a atividade tem rendimentos menores do que seus custos,
isto é, trabalha no prejuízo. O fato é que, esse prejuízo, a princípio, só
interessaria ao empresário, entretanto, seus desdobramentos podem gerar outras
crises capazes de afetar outros sujeitos.
Por essa razão, para TOMAZETTE (2017)
“(...) a princípio, tal crise não ensejaria, por si só, respostas do Estado ou do mercado, contudo, seus desdobramentos são preocupantes e, por isso, o mercado e nosso ordenamento jurídico já oferecem respostas a essa crise. ”
Ou seja, pode-se
compreender por crise econômica, quando os rendimentos da organização não
superam seus custos, gerando prejuízos. Essa condição, por si só, não seria
suficiente para ensejar atuação do Estado, mas como esse tipo de crise possui
potencial de reflexo para outros sujeitos, o ordenamento jurídico oferece
soluções a essa modalidade.
Por outro lado,
para TOMAZETTE (2017), diferentemente da crise econômica, a crise financeira é
aquela em que a empresa não dispõe de recursos financeiros para fazer frente
aos seus compromissos.
A crise financeira se perfaz na constante incapacidade de uma empresa arcar com suas dívidas cotidianas, apenas com os recursos financeiros que tem em mãos. Cuida-se, pois, de uma crise de liquidez, a qual inviabiliza o pagamento dos compromissos. Essa crise é preocupante, visto que a empresa passa a ter dificuldade de manter os fornecedores e continuar com os contratos ativos no sistema de crédito, atingindo, então, terceiros que circundam a atividade.
Conclui-se, portanto, que a crise financeira é aquela que se origina da incapacidade de arcar com os compromissos assumidos e possui potencial de atingir terceiros que podem ser negativamente impactados pelo dispêndio enfrentado pela empresa, justificando a tutela jurídica.
De acordo com
NEGRÃO (2020) as crises econômicas podem acarretar crises financeiras, que se
resumem na insuficiência – momentânea ou sistemática – de recursos financeiros
para o pagamento dos credores e cumprimento de todas as obrigações assumidas.
Desse modo, é
possível compreender que a crise se origina da ausência de recursos, a qual
pode ser advinda tanto de uma circunstância interna, quanto uma circunstância
externa, como consequência ensejar a tutela jurídica, além disso, pode ocorrer
de uma crise econômica acarretar crises financeiras, assumindo o binômio de
“crise econômico-financeira”.
Nesse sentido,
advém o instituto da recuperação judicial, como aquele que tem por objetivo a
superação de uma situação de crise econômico-financeira. O conceito legal da
recuperação judicial pode ser observado pela análise do que dispõe a Lei
11.101/2005, no caput do artigo 47, segundo qual:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Nota-se, a
intenção precípua do legislador pátrio não foi a conservação da empresa pura e
simplesmente, mas em criar mecanismos que possibilitem que empresas nessa
situação, desde que recuperáveis, possuam meios de se soerguer e manter-se no
exercício da atividade empresarial em prol da função social da empresa e
estímulo econômico, isto pode ser claramente evidenciado em suas finalidades,
quais sejam, a manutenção da fonte produtora em prol dos empregos e dos
credores.
Para a Segunda
Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante do Agravo Regimental no Conflito
de Competência 86.594/SP, citado por MAMEDE (2019):
“A recuperação judicial tem como finalidade precípua o soerguimento da empresa mediante o cumprimento do plano de recuperação, salvaguardando a atividade econômica e os empregos que ela gera, além de garantir, em última ratio, a satisfação dos credores.”
Portanto, em vista do exposto,
conclui-se que em razão dos benefícios de se ter uma empresa em pleno
funcionamento, gerando empregos, fortalecendo a economia e garantindo o
cumprimento das obrigações perante os credores justificam-se os esforços de sua
manutenção quando se está diante de uma crise econômico-financeira, embora seja
importante ressaltar que a eficácia e aplicabilidade prática do instituto
envolva outra grande discussão, tem-se que a legitimidade de seu propósito,
quando aplicável em casos que atendam aos requisitos legais, é inegável.
Marina Gabriela Braghere - Graduada em Direito pela Athon Ensino Superior, pós-graduanda
em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atualmente é Analista
Jurídico Sênior no Escritório Vigna Advogados Associados em São Paulo, atuante
na área de Contratos e Business.
REQUIÃO, Rubens, Curso de direito
comercial/Rubens Requião. –Vol.1:25; ed. atual por Rubens Edmundo Requião. São
Paulo: Saraiva, 2003. Segundo J.X Carvalho de Mendonça citado por Requião,
página 57.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito
empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3 /Marlon Tomazette. – 5.
ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Página, 96.
De acordo com art. 116, parágrafo
único, da lei 6.404/1976, Lei da Sociedades Anônimas, o acionista controlador
deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto
e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para
com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a
comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e
atender. (grifei
Tomazette, Marlon. Curso de direito
empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3 /Marlon Tomazette. – 5.
ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Página, 37.
Tomazette, Marlon. Curso de direito
empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3 /Marlon Tomazette. – 5.
ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Página, 37.
Tomazette, Marlon. Curso de direito
empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3 /Marlon Tomazette. – 5.
ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Página, 37.
Negrão, Ricardo Manual de direito
empresarial / Ricardo Negrão. – 10. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Página, 362.
Mamede,
Gladston Falência e recuperação de empresas / Gladston Mamede. – 10. ed. – São
Paulo: Atlas, 2019. Página, 147
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