Estudo foi feito com amostras de 252 crianças atendidas no Hospital de Base da Famerp. Percentual está abaixo do considerado ideal para prevenir surtos da doença, que é de 94% (foto: Divulgação)
Estudo publicado este mês na
revista Vaccines mostra que na região de São José do Rio
Preto, no interior paulista, apenas 75,8% das crianças entre 0 e 15 anos de
idade têm anticorpos contra o sarampo. O percentual está abaixo do considerado
ideal para prevenir surtos da doença – em torno de 94%. Os achados vão ao
encontro de outros levantamentos recentes, que têm apontado queda nas taxas de
imunização infantil do país desde 2015.
“Este é mais um grito de alerta de
que as crianças brasileiras não estão atingindo a imunidade de rebanho, ficando
suscetíveis à infecção. E estamos vendo isso na prática: o sarampo, que já
havia sido erradicado, retornou ao país”, comenta Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto (Famerp) e um dos autores do trabalho, financiado pela
FAPESP por meio de dois projetos (13/21719-3 e 19/06572-2).
Os pesquisadores analisaram a
presença de anticorpos específicos para sarampo – do tipo imunoglobulina (IgG)
– em amostras de sangue de 252 crianças coletadas entre dezembro de 2018 e
novembro de 2019. Os participantes do estudo deram entrada no Hospital de Base
da Famerp com suspeita de dengue. Os cientistas aproveitaram o material
coletado durante o atendimento clínico para fazer as análises de
soroprevalência.
As amostras foram estratificadas em
cinco faixas etárias: 0 a 1 ano (crianças ainda não imunizadas); 1 a 2 anos
(quando devem ser tomadas a primeira e a segunda dose da vacina tríplice
viral); 2 a 5 anos (quando a criança já deveria estar totalmente imunizada
contra o sarampo); 5 a 10 anos; e 10 a 15 anos. Em todos os grupos a taxa de
imunização ficou abaixo de 80%.
“Todas as faixas etárias estão abaixo
do ideal, mas o que mais preocupa é a de 2 a 5 anos, que está em 70%. Essas
crianças deveriam ter sido vacinadas nos últimos dois ou três anos. É possível
que a pandemia de COVID-19 tenha contribuído para esse resultado. Mas a queda
na cobertura vacinal do país é um problema que começou antes, entre 2015 e
2016”, afirma Nogueira.
Em um estudo anterior, divulgado na
revista Scientific Reports, a equipe liderada por Nogueira
havia mostrado que quase um terço dos rio-pretenses com idade entre 10 e 40
anos não apresenta anticorpos contra o sarampo (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/32910/). A partir desses
resultados, o grupo decidiu investigar como estava a situação entre os mais
novos.
“Sabemos que a cobertura vacinal para
várias doenças vem caindo nos últimos anos. Entre as causas estão falta de
investimento em campanhas de conscientização e dificuldades de organização dos
municípios. Além disso, há o fato de a população ter perdido o medo da doença,
já que os casos não são tão frequentes”, afirma Nogueira.
O pesquisador cita ainda a influência
do movimento antivacina, que até 2020 estava restrita às parcelas mais
privilegiadas da população, mas ganhou impulso no país durante a pandemia.
“A Secretaria de Saúde de São José do
Rio Preto é muito ativa, mas sem um movimento nacional em prol da vacinação
fica muito difícil atingir as metas de imunização. E imagino que em locais
menos privilegiados do país o índice de cobertura vacinal deve estar ainda mais
baixo”, avalia.
Estatísticas
O sarampo é uma doença altamente
contagiosa e para a qual não há tratamentos específicos. Estima-se que nove
entre dez pessoas não protegidas (por vacina ou infecção prévia) se infectem
após a exposição ao vírus. A transmissão ocorre por gotículas respiratórias
expelidas pelo doente ao tossir ou espirrar. Os sintomas aparecem de 10 a 14
dias após a exposição e incluem tosse, coriza, conjuntivite, dor de garganta,
febre e irritação na pele com manchas vermelhas. As complicações – como otites,
infecções respiratórias e doenças neurológicas – podem provocar sequelas como
surdez, cegueira, retardo do crescimento e redução da capacidade mental.
Em 2019, 9 milhões de casos de
sarampo foram registrados no mundo, que resultaram em 207,5 mil mortes, segundo
dados do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. No Brasil,
segundo o Ministério da Saúde, foram confirmados 8.448 casos em 2020 e 676
casos em 2021.
A única forma de prevenir a doença é
com a vacina tríplice viral, que imuniza também contra a caxumba e a rubéola e
faz parte do Programa Nacional de Imunização (PNI). Mas, de acordo com o
Ministério da Saúde, apenas 47% das crianças que fazem parte do público-alvo
receberam o imunizante em 2022, sendo que a meta de cobertura é de 95%. Em
2021, somente 50% do público-alvo recebeu a segunda dose da vacina, que deve
ser administrada em torno de 15 meses de idade.
Embora os índices de imunização não
sejam suficientes para barrar a circulação do vírus no país, ao menos conseguem
diminuir a taxa de transmissão, como mostrou o estudo da Famerp. Estima-se que
em uma população totalmente desprotegida, um indivíduo infectado possa
contaminar entre 12 e 18 pessoas. Já na população de 0 a 15 anos estudada em
São José do Rio Preto o número de casos secundários variou entre três e quatro
– o que ainda é considerado preocupante.
“A mensagem do artigo é que o
problema não foi resolvido com as campanhas de vacinação feitas até o momento.
É preciso um esforço maior. A pesquisa, por meio da universidade e da FAPESP,
está dando uma informação relevante ao gestor de saúde e cabe a ele tomar uma
atitude”, afirma Nogueira.
O artigo Reduced Prevalence of Measles Antibodies in a Cohort of Brazilian
Children under 15 Years of Age pode ser lido em: https://www.mdpi.com/2076-393X/10/10/1570/htm.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/em-sao-jose-do-rio-preto-apenas-75-das-criancas-ate-15-anos-tem-anticorpos-contra-o-sarampo/39708/
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